Catarina Eira, ligada a este centro de recuperação de animais marinhos e à Universidade de Aveiro, explicou esta quinta-feira à Wilder o que está a ser feito. Activistas ambientais falam em mais de 1000 aves arrojadas.
Desde meados de Janeiro que muitas centenas de papagaios-do-mar começaram a arrojar em praias portuguesas, em especial na zona de Peniche, motivando alarme e preocupação entre quem deparava com estas aves pouco observadas no litoral português. Nem todas estavam mortas e as sobreviventes deram entrada no CRAM Ecomare, gerido pela Universidade de Aveiro (UA).
Agora, dos 170 papagaios que foram sendo acolhidos vivos neste centro de recuperação de animais marinhos na Gafanha da Nazaré, sobrevivem apenas 12%, ou seja, cerca de duas dezenas, que continuam a ser ajudados pela equipa que ali trabalha.
“Embora alguns dos papagaios-do-mar ainda inspirem mais cuidados, a maioria já passa algum tempo na piscina onde nadam, fazem ‘preening’ (limpam e arranjam as penas) e também se alimentam sozinhos. Os que ainda não vão à piscina, estão a ser alimentados com papa de peixe e permanecem em caixas a seco”, descreve Catarina Eira, professora no Departamento de Biologia da UA. Para já, é difícil perceber quando poderão estar estas aves recuperadas, sendo mais provável que as primeiras sejam as que têm as penas em boas condições.
Quanto ao que se terá passado para um número tão grande de arrojamentos – que com esta espécie nunca tinha acontecido em Portugal – o centro está a investigar as possíveis causas. “Estas aves têm um comportamento gregário formando grupos muito grandes. Muitos deles estão em fase de muda, o que nesta espécie significa que a capacidade de voo é muito reduzida”, nota a bióloga, que considera que “as condições climatéricas adversas durante um período prolongado podem ter sido o factor preponderante no evento de arrojamento de tantos animais”.
Ainda assim, ressalvou, não se podem colocar de parte outros factores que podem ter contribuído para uma mortalidade tão grande, mas não será possível testar todas as hipóteses. “Nada podemos inferir sobre a possibilidade da falta de alimento, mas podemos dizer que muitas das aves em muda terão baixa capacidade de se alimentarem em condições tão adversas”, adianta a mesma responsável, lembrando também que “arrojaram outras espécies de aves marinhas oceânicas e também tartarugas-comuns, o que é muito pouco usual dentro do padrão sazonal de ocorrência da espécie”.
Com efeito, no centro deram entrada quatro tartarugas-comuns, entre os dias 17 e 21 deste mês, uma das quais “apresentava muitos ferimentos e não resistiu”.
“Mais de 1000” papagaios-do-mar arrojados
Entre registos próprios e de contactos de outras pessoas, Afonso Castanheira, da associação Mestres do Oceano, contabiliza “mais de 1000” papagaios-do-mar que foram encontrados em praias portuguesas, em especial na zona de Peniche mas também noutros locais do país, incluindo o arquipélago da Madeira. Isto quando em anos anteriores, eram raríssimas as aves desta espécie arrojadas – “cerca de meia dúzia em 2022”, recorda.
Nestes últimos três dias, as coisas acalmaram e já não têm surgido mais alertas, mas Afonso faz figas para que com o regresso dos ventos e da chuva, esta quinta-feira, as coisas não voltem novamente a piorar.
Certo é que nestas últimas semanas também foram sendo encontradas aves de outras espécies, como tordas-mergulheiras – comuns em arrojamentos – mas também outras bastante mais raras, como os fulmares, almas-negras, gaivotas-tridáctilas e airos. Estes últimos, que só eram observados nas ilhas Berlengas e aí deixaram de ocorrer há vários anos, têm dado à costa nestes últimos dias.
“Não víamos um airo há muitos anos, costumávamos vê-los nas Berlengas”, indica por sua vez Lídia Nascimento, co-fundadora da organização Mar à Deriva, que este ano encontrou arrojadas em praias dos concelhos de Torres Vedras e Peniche vários fulmares – que nunca tinha visto e terão de ser homologados pelo Comité Português das Raridades – e gaivotas tridáctilas, além de 53 tordas-mergulheiras.
Já no que respeita aos papagaios-do-mar, esta activista contabilizou 118 aves arrojadas nestas últimas semanas, e outras 132 que foram reportadas por seguidores da página da Mar à Deriva.
Lídia explica ainda que teve conhecimento de papagaios-do-mar que arrojavam no arquipélago das Canárias e em praias junto ao estreito de Gibraltar e desconfia que na origem de todo este evento esteja a falta de alimento, talvez ligada à sobrepesca de galeotas. “O principal é que já concluíram que não se trata de gripe das aves”, afirma aliviada, face ao que isso poderia significar.
“Precisamos agora que os cientistas percebam afinal o que está por trás disto, para que sejam tomadas medidas e não volte a acontecer”, sublinha, lembrando que já foram entretanto encontrados papagaios arrojados que tinham anilhas, ambos oriundos do Reino Unido e já com alguma idade. “Um tinha cerca de 20 e outro cerca de 12 anos”.
Lídia Nascimento apela a que as pessoas não deixem de estar atentas e que este assunto não caia no esquecimento. “O meu receio é que as aves continuem a morrer, mas o mar, por estar mais calmo, não as coloque na areia.”