Lódão (Celtis australis). Foto: Gmihail/WikiCommons

O que procurar no Verão: o lódão

Início

É nesta época do ano que os frutos do lódão (Celtis australis) começam a chamar a atenção. Se, quando se formam, assumem um tom verde que facilmente é camuflado pela folhagem, no final do verão  assumem um tom negro arroxeado, sinal de que estão maduros e prontos a comer.

Sim, os frutos do lódão, também conhecidos como ginjinhas-do-rei, por serem parecidos com a ginja, embora mais pequenos, são comestíveis e têm um sabor doce e agradável.

Cannabaceae

O lódão – também vulgarmente conhecido como lódão-bastardo, lódão-europeu, lodoeiro, agreira e ginjinha-do-rei – é uma espécie da família Cannabaceae a que pertencem pouco mais de uma centena de espécies arbóreas, arbustivas e herbáceas, distribuídas por nove géneros botânicos.

Lódão (Celtis australis). Foto: Gmihail/WikiCommons

Os membros desta família de plantas estão distribuídos um pouco por todo o mundo, estando maioritariamente presentes nas regiões tropicais e subtropicais, embora também ocorram nas regiões temperadas.

Apesar de pequena, esta família é de considerável importância económica, sendo os géneros Cannabis e Humulus os membros economicamente mais importantes.

O género Humulus, representado por sete espécies, destaca-se pelo lúpulo (Humulus lupulus), uma planta trepadeira amplamente cultivada para a indústria cervejeira e que dá sabor à cerveja.

O género Cannabis é representado por uma única espécie, o cânhamo (Cannabis sativa), cujas propriedades medicinais são reconhecidas em todo o mundo.

O género Celtis, a que pertence o lódão, é o maior género da família, formado por cerca de 65 espécies de árvores, algumas das quais cultivadas como ornamentais.

O segundo maior género desta família é o género Trema, intimamente relacionado com o género Celtis e compreende cerca de 20 espécies de pequenas árvores perenes.

Os restantes géneros Aphananthe, Chaetachme, Gironniera, Lozanella e Pterocletis são muito pequenos e compreendem espécies arbóreas e arbustivas, distribuídas maioritariamente pelas regiões tropicais e subtropicais.

Lódão

O lódão é uma árvore que pode atingir os 30 metros de altura. A sua copa é densa e globosa e tanto os seus ramos como o tronco são revestidos por uma casca fina de cor cinza clara e lisa.

As folhas são caducas – caem na estação do ano mais desfavorável – alternas, pecioladas, assimétricas e trinérveas na base. São lanceoladas ou ovado-lanceoladas, fortemente acuminadas e de margens serradas ou duplamente dentadas. São verde-escuras e ásperas na página superior e verde-acinzentada e pubescente na inferior.

A floração ocorre entre março e maio, simultaneamente com o aparecimento das folhas. É uma espécie polígama, ou seja, possui flores hermafroditas e flores unissexuais no mesmo indivíduo.

Foto: Krish Dulal/WikiCommons

As flores masculinas ou hermafroditas são pequenas, solitárias ou, raramente, em grupos de duas a três flores, e surgem sobre longos pedúnculos na axila das folhas. As femininas surgem nas extremidades dos raminhos.

As flores são pouco atrativas, amarelas a esverdeadas. Não têm pétalas e o cálice é composto por quatro a cinco sépalas alongadas e livres.

O fruto é uma drupa pequena, do tamanho de uma ervilha, solitária, esférica, lisa e glabra. Possui um pedúnculo longo e uma coroa de pêlos na base. Quando se forma é verde, depois amarelo ou avermelhado e, quando maduro, assume uma cor próxima do negro.

Cada fruto contém uma só semente arredondada, áspera e acastanhada.

A polpa, embora reduzida, em relação ao tamanho da semente, fica amarela quando madura e é comestível.

A maturação dos frutos ocorre entre setembro e outubro. No entanto, estes permanecem na árvore por muito mais tempo.

A árvore do sul

A raiz etimológica do nome binomial Celtis australis está intimamente relacionada com a sua origem.

O género Celtis deriva do grego antigo e está relacionado com o facto de esta árvore produzir frutos doces, e poderá ter surgido a partir do nome antigo de uma outra planta africana, provavelmente Ziziphus lotus.

Lódão. Foto: João Domingues Almeida/FloraOn

O restritivo específico australis deriva do latim australis-e que significa “do sul, austral, meridional” pois é uma espécie nativa do sul da Europa, no Mediterrâneo oriental.

O lódão também é uma espécie natural do norte de África e do sudoeste da Ásia.

Em Portugal, ocorre um pouco por todo o território continental, embora seja mais comum nas regiões do centro e sul.

Esta espécie encontra-se em estado selvagem em barrancos, vales encaixados ou leitos de cheia, sobre solos frescos e profundos, ou mesmo em solos pedregosos, graças ao seu sistema radicular robusto que facilmente penetra nas rochas.

Surge normalmente na companhia de outras espécies arbóreas como salgueiros, ulmeiros e freixos.

É uma espécie de plena luz, que aprecia o calor. É resistente à seca e ao vento, e é pouco exigente quanto ao tipo de solo. Pode desenvolver-se mesmo em solos pobres em húmus, secos ou húmidos e de pH ácido ou neutro. No entanto, desenvolve-se melhor em arenosos, soltos, ricos, húmidos e profundos.

O lódão é pouco resistente ao frio intenso e às geadas tardias e é muito resistente à poluição urbana.

Como acontece com todas as espécies do seu género, a polinização do Celtis australis é essencialmente anemófila, ou seja, ocorre pela ação do vento.

Ecologicamente importante

O lódão é vital para a conservação da fauna dos locais onde vive naturalmente.

Os frutos são uma importante fonte alimentar para muitas aves frugívoras como, por exemplo, o gaio-comum (Garrulus glandarius), a gralha-de-nuca-cinzenta (Coloeus monedula), o estorninho (Sturnus vulgaris) e o melro (Turdus merula), e também para raposas, texugos e martas, que são responsáveis pela disseminação das sementes.

Os lódãos mais velhos são um ótimo refúgio para muitas aves.

Lódão. Foto: Teresa Grau Dos/WikiCommons

É planta hospedeira e fonte de alimento de larvas e lagartas de borboletas, como é o caso da borboleta-do-lódão (Libythea celtis) e da tartaruga-grande (Nymphalis polychloros).

O lódão é uma árvore tipicamente ornamental, de grande valor paisagístico e arquitectónico que, além de ser muito resistente à poluição atmosférica, a pragas e doenças e pouco exigente em cuidados de manutenção, gera sombra densa durante o verão e protege o solo contra a erosão, devido ao seu denso sistema radicular.

É uma árvore comum em jardins, parques urbanos e em arruamentos, mas também pode ser plantada em jardins privados.

Esta árvore de crescimento relativamente lento, em condições ideais, pode viver cerca de 600 anos.

Ginjinha-do-rei

A sua madeira é muito elástica, flexível, de grão fino, dura, pesada, compacta, resistente à água e duradoura, boa para marcenaria e para tornear.

No passado foi usada na construção de carruagens, barcos, lintéis de portas ou janelas e para fazer ferramentas e cabos de ferramentas agrícolas.

Atualmente a sua utilização é essencialmente artesanal, sendo apreciada para produzir instrumentos musicais, como por exemplo, flautas, e tambores, brinquedos de madeira, bengalas, cajados ou maços, entre outros.

Também tem sido utilizada para fazer remos, canas de pesca e aros para os barris e barricas e, quando cortada em tiras finas, pode ser usada para cestaria.

É a madeira escolhida para o tradicional jogo do pau – arte marcial portuguesa de origem popular, que consiste numa forma de esgrima de características específicas, utilizando uma vara de preferência de madeira.

Além disso, esta madeira proporciona lenha e carvão de boa qualidade.

As folhas jovens e rebentos servem de forragem, durante o inverno, para os animais de pasto e, embora menos populares, em comparação com a amoreira (Morus spp.), há quem as use para alimentar os bichos-da-seda.

Da casca do caule e das raízes é extraída uma substância corante amarela, utilizada na indústria têxtil para tingir tecidos.

Lódão. Foto: João Domingues Almeida/FloraOn

Os frutos são doces e comestíveis, com um sabor muito próximo ao do tamarindo e à alfarroba. Podem ser consumidos frescos, diretamente da árvore, ou preparados em compostas e conservas e também servem para preparar licores e vinhos. Do tamanho de uma ervilha e embora com pouca polpa, quando maduros ficam negros, o que os torna muito semelhantes à ginja, daí o nome comum ginjinha-do-rei.

Das sementes pode ser extraído um óleo doce que substituiu o açúcar durante períodos de fome.

As folhas e os frutos têm sido usados em medicina popular, sendo-lhes atribuídas propriedades adstringentes, antidiarreica e anti-hemorrágica.

A infusão de frutos e folhas é popularmente utilizada no tratamento de amenorreia, diarreia, cólicas e como regular do fluxo menstrual em mulheres. Também há registo da sua utilização para reduzir a pressão arterial, o colesterol, para tratar problemas de fígado e como agente diurético.

Uma árvore de sensações

O lódão é, sem dúvida, uma árvore belíssima que se transforma ao longo do ano, despertando em cada época um “sentimento” diferente.

Se no inverno se despe, deixando o chão coberto de folhas, na primavera enche-se de rebentos, flores e folhas, que no verão apresentam um tom verde intenso. No outono as folhas e frutos mudam de cor, as folhas ficam amarelas e começam lentamente a cair e os frutos passam de amarelos para negros quando maduros, altura em que os podemos provar e saborear.

O lódão é uma árvore de sensações.

Para Eugénio de Andrade, o lódão teve um significado importante, como se pode ver pelos inúmeros poemas acerca desta espécie.

Com os lódãos 

Havia outras noites outras folhas

um percurso de água era o meu corpo

sobre as noites havia outras colinas

ou talvez não, talvez apenas dormisse

com os lódãos sobre o coração. 

Eugénio de Andrade in Véspera da Água (1972-73)

Mas houve uma árvore em particular que não pôde deixar de imortalizar nas suas poesias e nas inúmeras entrevistas que deu. Quando o município cortou as árvores da sua rua, Eugénio de Andrade disse:

«(…) derrubaram uma das que mais amei na vida, o velho lódão que me entrava pela varanda e dava notícia das estações.»,

«Aqui arrancam-se as árvores como se fossem ervas daninhas. Em frente da minha casa havia uma de ramagens vigorosas que me entravam pela varanda. Os pássaros, o que temos de mais próximo dos anjos, estavam ali de manhã cedo a lembrar-me que, na minha poesia, os melhores versos lhes pertenciam. Arrancaram-na, e arrancaram outra ao lado, e outras mais adiante.»

Eugénio de Andrade dedicou-lhe este poema:

A um lódão da minha rua 

Ninguém tem corpo mais fino,

nem braços tão delicados

como este lódão

crescendo com vigor à minha porta.

Tenho com ele desvelos de namorado,

limpo-o de ervas daninhas,

rego-lhe a terra ao calor de Agosto,

alegro-me a cada rebento novo,

cada folha recente. Cresce e cresce

em esplendor, certo de ser amado.

Eugénio de Andrade in Rente ao Dizer, Assírio & Alvim, fevereiro de 2018.


Dicionário informal do mundo vegetal:

Perene – planta que tem um ciclo de vida longo e que viver três ou mais anos.

Caduca – folha que cai espontaneamente na estação do ano mais desfavorável.

Alterna – folha que ao longo do caule se insere de forma alternada, uma em cada nó.

Peciolada – provida de pecíolo (pé da folha que liga o limbo ao caule). 

Trinérvea – folha cujas três nervuras se originam no mesmo ponto na base do limbo.

Limbo – parte larga de uma folha normal.

Lanceolada – folha com limbo que apresenta a forma de lança.

Ovado-lanceolada – folha com base atenuada e à medida que chega ao ápice vai ficando com forma oval.

Acuminada – folha cuja ponta é geralmente aguda e mais estreita que a restante parte e com os lados ligeiramente côncavos.

Serrada – margem com dentes marginais agudos, como os de uma serra.

Dentada – folha provida de dentes mais ou menos perpendiculares à linha da margem.

Pubescente – que tem pelos finos e densos.

Polígama – espécie vegetal que possui flores hermafroditas e unissexuais (masculinas e femininas) dispostas na mesma planta.

Hermafrodita – flor que possui órgãos reprodutores femininos (carpelos) e masculinos (estames).

Unissexual – flor que possui apenas órgãos reprodutores femininos (carpelos) ou masculinos (estames).

Pedúnculo – “Pé” que sustenta a(s) flor(es).

Pétala – peça floral, geralmente colorida ou branca, que forma a corola.

Cálice – conjunto das peças florais de proteção externa da flor – sépalas, frequentemente verdes.

Drupa – Fruto carnudo que contém uma única semente, protegida por um caroço duro.

Glabra – sem pêlos.

Polinização anemófila – realizada pela ação do vento.

Frugívora – que se alimenta de frutos.


Todas as semanas, Carine Azevedo dá-lhe a conhecer uma nova planta para descobrir em Portugal. Encontre aqui os outros artigos desta autora.

Carine Azevedo é Mestre em Biodiversidade e Biotecnologia Vegetal, com Licenciatura em Engenharia dos Recursos Florestais. Faz consultoria na gestão de património vegetal ao nível da reabilitação, conservação e segurança de espécies vegetais e de avaliação fitossanitária e de risco. Dedica-se também à comunicação de ciência para partilhar os pormenores fantásticos da vida das plantas. 

Para acções de consultoria, pode contactá-la no mail [email protected]. E pode segui-la também no Instagram.

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