Este é o primeiro grifo-de-ruppell marcado com GPS em Portugal

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Um juvenil foi encontrado magro e debilitado em Vouzela no início de Setembro. Depois de recuperado no CERVAS a ave foi devolvida à natureza a 25 de Outubro. Criticamente em Perigo de extinção, esta espécie de abutre de África tem vindo a ser vista, nos últimos anos, na Península Ibérica.

Tal como todos os abutres, o grifo-de-ruppell (Gyps rueppellii) é um animal imponente e quem o vê não lhe fica indiferente.

É um “abutre enorme, com o corpo escuro, sendo um pouco menor que o grifo-comum. Os adultos têm a ponta das penas do corpo e dos ombros claras, o que lhes confere uma aparência escamada, tendo também os olhos e o bico claros”, descreve o portal eBird.

Grifo-de-ruppell no CERVAS. Foto: Ricardo Brandão/CERVAS

Está Criticamente em Perigo de extinção segundo a Lista Vermelha da União Internacional para a Conservação da Natureza (UICN).

Mas nos últimos anos, este abutre que se reproduz em África tem sido registado na Europa.

A ave “ingressou no CERVAS Centro de Ecologia, Recuperação e Vigilância de Animais Selvagens, no dia 3 de Setembro após ter sido recolhido em Figueiredo das Donas, concelho de Vouzela. Um habitante local, Manuel Silva, encontrou-o no chão, debilitado, dentro da sua propriedade e contactou a equipa do SEPNA/GNR de Viseu, que de imediato encaminhou o animal para o CERVAS, em Gouveia”, contou à Wilder Ricardo Brandão, coordenador daquele Centro.

“A ave estava magra e por isso foi necessário alimentá-la com diversos tipos de cadáveres (coelho e vários ungulados) e colocá-la em contacto com outros abutres numa instalação de treino de grandes dimensões, onde recuperou a forma física e a capacidade de voo.”

Grifo-de-ruppell no CERVAS. Foto: Ricardo Brandão/CERVAS
Grifo-de-ruppell no CERVAS. Foto: Rui Telmo Romão

Foi o primeiro indivíduo desta espécie a ingressar no CERVAS.

Segundo Ricardo Brandão, “os procedimentos foram os habituais em casos de recuperação de abutres jovens debilitados – alimentação, socialização e treino de voo – pelo que não houve nenhuma alteração em relação ao normal”.

Grifo-de-ruppell no CERVAS. Foto: Rui Telmo Romão

“Um aspecto que se revelou ligeiramente diferente foi o comportamento da ave pois era nervosa, um pouco mais do que os grifos, manifestando rapidamente sinais de stress e desconforto quando algum dos técnicos se aproximava da instalação, pelo que todos os contactos foram reduzidos ao mínimo indispensável.”

No dia 25 de Outubro foi devolvida à Natureza no Parque Natural do Douro Internacional, perto do rio Águeda junto à capela de Santo André das Arribas em Almofala (Figueira de Castelo Rodrigo).

Colocação de emissor GPS no grifo-de-ruppell no CERVAS. Foto: Ricardo Brandão/CERVAS

Nesse momento também foram devolvidos à natureza dois abutres-pretos – também marcados com GPS pela VCF – e um grifo, apenas marcado com anilhas de cor, restabelecidos em diversos centros de recuperação.

No mesmo dia, aquele grifo-de-ruppell tinha sido equipado no CERVAS com um emissor GPS pela Vulture Conservation Foundation (VCF).

Para José Tavares, director da VCF, este foi um momento importante. “É o primeiro grifo de ruppell marcado com um emissor em Portugal e o terceiro na Europa. E é um juvenil apanhado no início de setembro, sugerindo eventualmente que é uma ave nascida na Europa”, explicou à Wilder.

Libertação do grifo. Foto: Ricardo Brandão/CERVAS

Por enquanto não se sabe onde nasceu este grifo. “As colónias mais próximas estarão no Níger-Mali-Chade. Não se conhece reprodução em Marrocos. Poderá ter nascido em África ou na Europa…”

Agora, graças ao emissor GPS, a VCF espera conseguir acompanhar os movimentos deste grifo. “E se sobreviver e o GPS continuar a emitir, se volta para África e de onde vem”, acrescentou José Tavares.

Libertação do grifo. Foto: Ricardo Brandão/CERVAS
Libertação do grifo. Foto: Ricardo Brandão/CERVAS

O Parque Natural do Douro Internacional é um “território adequado” para libertar estes abutres. “Já alberga populações nidificantes de três espécies de abutres e tem um habitat propício a estas aves necrófagas. Tanto na vertente portuguesa como na espanhola existem fontes de alimento nas quantidades necessárias, em campos de alimentação de aves necrófagas”, explica o ICNF.

Reprodução em Portugal no horizonte?

A espécie está a aumentar na Europa. “Nos últimos anos, cerca de 75 grifos-de-ruppell são contados todos os anos em migração em Gibraltar”, salientou José Tavares.

Segundo o Instituto de Conservação da Natureza e das Florestas (ICNF), uma das entidades que devolveram as aves à liberdade, esta “espécie com origem africana” tem “aumentado na Europa, mas ainda é muito rara no território. Embora várias dezenas de indivíduos da espécie sejam referenciados todos os anos e em número crescente, ainda não é conhecido qualquer caso de reprodução no continente europeu – embora alguns indivíduos tenham emparelhado com grifos”.

José Tavares recorda que, “por exemplo, este outono havia quatro indivíduos diferentes (marcados com marcas alares em Marrocos) em Sagres. Não se conhece reprodução da espécie na Europa, apesar de se terem registado alguns casais mistos e até a postura de ovos nestes casais, que poderão não ser viáveis.”

Na sua opinião, é expectável que esta espécie venha a reproduzir-se em Portugal num futuro próximo.

De momento, a VCF está a participar na elaboração de um “plano de acção para a espécie, patrocinado pela Junta de Andaluzia, Espanha, que já considerou oficialmente esta espécie como europeia (é, pois, a quinta espécie de abutre da Europa)”.

“Uma das prioridades é, precisamente, tentar marcar grifos-de-ruppell na Europa; a outra será monitorizar e estudar as colónias de cria no Sahel para ver o que está a acontecer.”

Helena Geraldes

Sou jornalista de Natureza na revista Wilder. Escrevo sobre Ambiente e Biodiversidade desde 1998 e trabalhei nas redacções da revista Fórum Ambiente e do jornal PÚBLICO. Neste último estive 13 anos à frente do site de Ambiente deste diário, o Ecosfera. Em 2015 lancei a Wilder, com as minhas colegas jornalistas Inês Sequeira e Joana Bourgard, para dar voz a quem se dedica a proteger ou a estudar a natureza mas também às espécies raras, ameaçadas ou àquelas de que (quase) ninguém fala. Na verdade, isso é algo que quero fazer desde que ainda em criança vi um documentário de vida selvagem que passava aos domingos na televisão e que me fez decidir o rumo que queria seguir. Já lá vão uns anos, portanto. Desde então tenho-me dedicado a escrever sobre linces, morcegos, abutres, peixes mas também sobre conservacionistas e cidadãos apaixonados pela natureza, que querem fazer parte de uma comunidade. Trabalho todos os dias para que a Wilder seja esse lugar no mundo.

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