Gaivotas-de-Audouin (Larus audouinii) na ilha da Barreta. Foto: Ray Tipper

Esta colónia de gaivotas-de-Audouin fica no Algarve e é provavelmente a maior do mundo

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Ameaçada de extinção, a gaivota-de-Audouin encontrou um refúgio para se reproduzir na Ilha da Barreta, na Ria Formosa. A Wilder falou com Filipe Moniz, do ICNF, que acompanha esta colónia desde o começo.

O bico muito vermelho e as patas mais escuras são a forma imediata de identificar a gaivota-de-Audouin, que é também mais pequena do que outras gaivotas mais comuns em Portugal, como a gaivota-de-patas-amarelas.

Na Ilha da Barreta, no Algarve, acredita-se que pode estar a maior colónia nidificante desta espécie a nível mundial, embora falte para já um registo escrito que valide essa suspeita, ressalva Filipe Moniz, que acompanha a espécie em Portugal. Também conhecida por Ilha Deserta, a Barreta, no concelho de Faro, é uma das ilhas-barreira do Parque Natural da Ria Formosa.

Foto: Filipe Moniz

A gaivota-de-Audouin (Larus audouinii) é uma ave migradora que passa os meses mais frios em África, mas que se reproduz principalmente nas costas do Mediterrâneo, em Espanha, Grécia, Turquia, Norte de África e noutros locais da região – quase sempre em pequenas colónias. Em 2020, devido à redução das populações, a espécie deixou de ser considerada Pouco Preocupante para passar a Vulnerável à extinção.

Mas no Algarve, a história é diferente. Este ano, contaram-se 4.245 ninhos de gaivotas-de-Audoin, no censo anual organizado na ilha da Barreta pelo Instituto de Conservação da Natureza e das Florestas (ICNF). Este aumento de quase 60% em relação a 2019 – em 2020 não houve censo devido à pandemia – é a confirmação de uma tendência de subida que se repete praticamente todos os anos, desde que as contagens começaram em 2012.

Resultados dos censos de gaivota-de-Audouin (nº de ninhos)

Fonte: CEMPA/ICNF

A realização dos censos, aliás, deveu-se à percepção de que em poucos anos o número de ninhos estava a crescer rapidamente, conta Filipe Moniz, que trabalha no CEMPA – Centro de Estudo de Migrações e Protecção de Aves, do ICNF.

Um regresso recente

Foi no início deste século que a espécie voltou a Portugal, depois de quase 80 anos sem registos, desde 1923. Logo em 2001, as primeiras observações fizeram-se em Castro Marim, próximo da fronteira com Espanha. Seguiu-se uma pequena colónia em Santa Luzia, concelho de Tavira, em 2005. Finalmente em 2008, a espécie começou a nidificar na Ilha da Barreta – onde a colónia tem vindo a crescer até hoje, contrariando a tendência de decréscimo das populações junto ao Mediterrâneo.

Foto: Ray Tipper

Mas porquê aqui? “Na Ilha da Barreta não há muita perturbação humana, mesmo no Verão, e já existia uma colónia de gaivotas-de-patas-amarelas anterior, o que terá ajudado a atrair essas aves”, responde Filipe Moniz. “A Barreta tem também vegetação rasteira e sem árvores. E esta zona da costa do Algarve ainda é um sítio com muita actividade pesqueira.”

A dependência da indústria da pesca é simples de explicar. Estas aves são menos adaptáveis do que espécies como a gaivota-de-patas-amarelas e alimentam-se quase exclusivamente de peixe, que procuram durante a noite. “Quando os pescadores levantam as redes, puxam os cardumes de peixe para cima e assim estas gaivotas conseguem arranjar mais alimento com menos viagens”. A mesma vantagem é ganha com as rejeições, quando as embarcações devolvem ao mar peixe já pescado.

Foto: Ray Tipper

Mais regras, menos juvenis

Em contrapartida, quando as regras da actividade apertam, sente-se o resultado. Foi o que aconteceu desde 2010 com a redução das pescas no Mediterrâneo, uma das causas principais do “colapso” daquela que tem sido considerada a maior colónia mundial de gaivotas-de-Audouin, no Delta do Ebro, Catalunha. Esse acontecimento provocou “uma rápida redução populacional” da espécie a nível global, indica a União Internacional para a Conservação da Natureza.

“Começou a haver uma grande redução da pesca no Mediterrâneo, com a definição de moratórias que impediram esta actividade nalguns dias da semana, e também uma forte diminuição das rejeições, ou seja, de peixe que é deitado ao mar”, lembra Filipe Moniz. Como resultado da falta de alimento, essas aves deixaram de conseguir produzir tantos juvenis por ano: “Em vez de três, têm apenas um”, nota o mesmo responsável.

E essa não foi a única consequência. Houve gaivotas que alteraram a sua área de nidificação para a beira do Atlântico, onde têm mais alimento disponível. Isso mesmo foi percebido pelas anilhas de cor de gaivotas-de-Audouin observadas na Ilha da Barreta, que as identificam como nascidas na colónia do Delta do Ebro.

Foto: Ray Tipper

Observadas em nove locais

Além das alterações na pesca, outra das causas do colapso no Delta do Ebro foi a predação da colónia, que afecta a espécie também na Ilha da Barreta. Nesta última, o principal problema são os gatos assilvestrados que ali foram deixados à sua sorte. “Quando estes animais encontram uma colónia, esta representa comida fácil.”

A predação é uma das ameaças às aves marinhas que estão a ser combatidas pelo LIFE Ilhas Barreira, no Parque Natural da Ria Formosa, recorda Filipe Moniz. Co-financiado por fundos comunitários e coordenado pela Sociedade Portuguesa para o Estudo das Aves, este projecto tem o ICNF como um dos parceiros.

Foto: Ray Tipper

Mas apesar dos predadores, prevê-se que nos próximos anos continue a crescer o número de gaivotas-de-Audouin no Algarve, até porque na Ilha da Barreta há espaço para isso. Também a campanha de anilhagem da espécie, que começou em 2010 e acontece quase todos os anos, quando estas aves têm cerca de um mês, deverá continuar. “Até hoje já temos 2.700 gaivotas anilhadas, das quais 900 foram observadas, num total de 4.600 registos”, diz o mesmo responsável.

E os resultados são bem interessantes. A partir das comunicações feitas por ‘birdwatchers’ nas suas viagens, sabe-se que estas gaivotas nascidas na Ilha da Barreta já chegaram a nove localizações diferentes: além de Portugal, também Espanha, Canárias, Cabo Verde, Marrocos, Argélia, Mauritânia, Senegal, Gâmbia e Saara Ocidental.

Inês Sequeira

Foi com a vontade de decifrar o que me rodeia e de “traduzir” o mundo que me formei como jornalista e que estou, desde 2022, a fazer um mestrado em Comunicação de Ciência pela Universidade Nova. Comecei a trabalhar em 1998 na secção de Economia do jornal Público, onde estive 14 anos. Fui também colaboradora do Jornal de Negócios e da Lusa. Juntamente com a Helena Geraldes e a Joana Bourgard, ajudei em 2015 a fundar a Wilder, onde finalmente me sinto como “peixe na água”. Aqui escrevo sobre plantas, animais, espécies comuns e raras, descobertas científicas, projectos de conservação, políticas ambientais e pessoas apaixonadas por natureza. Aprendo e partilho algo novo todos os dias.

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