Medusa Blackfordia virginica. Foto: Paula Chainho

Blackfordia virginica: Esta medusa invasora chegou a Portugal há quase 40 anos

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No âmbito de uma série sobre espécies aquáticas invasoras, Paula Chainho, investigadora do MARE – Centro de Ciências do Mar e do Ambiente na Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, ligada ao projecto LIFE Invasaqua, explica o que já se sabe sobre esta medusa presente no Estuário do Mira, na costa alentejana.

Que espécie é esta?

A origem desta medusa é incerta, havendo autores que indicam o Mar Cáspio, o Mar Negro e o Mar de Azov, situados entre a Europa e a Ásia, como a sua área de distribuição nativa. Outros sugerem que a espécie é nativa da costa atlântica da América do Norte.

Tratando-se de uma medusa, a Blackfordia virginica pertence ao grupo dos cnidários, um grupo de animais aquáticos bastante simples onde estão incluídos também os corais e as anémonas. À semelhança de outras medusas, tem um ciclo de vida com duas fases distintas: uma em que assume a forma de uma medusa com vida livre, e uma fase de pólipo em que vive agarrada a substratos duros, como rochas ou conchas.

Os pólipos têm basicamente a forma de um saco e fixam-se às superfícies pela extremidade oposta à da boca, que está rodeada por tentáculos. Não crescem mais do que meio centímetro e reproduzem-se assexuadamente, libertando uma espécie de clones em forma de medusas. Por sua vez, estas possuem uma cúpula globular transparente que não atinge mais do que dois centímetros de diâmetro. As medusas reproduzem-se sexuadamente, ou seja, com o cruzamento de células sexuais femininas e masculinas.

Blackfordia virginica. Foto: Paula Chainho

Ao reproduzirem-se, por seu turno, as medusas dão origem a plânulas, umas larvas ovais que se movimentam na coluna de água e vão depois assentar no substrato, formando novamente pólipos coloniais. A libertação destas medusas acontece quando há uma subida da temperatura da água e um aumento da disponibilidade de alimento, tendo-se verificado a presença destes cnidários no estuário do Mira entre Maio e Novembro.

A Blackfordia virginica é um predador não seletivo de zooplâncton, podendo consumir larvas de crustáceos e até mesmo ovos de peixes, mas também complementa a sua dieta alimentando-se de matéria orgânica que se encontra suspensa na água.

Esta medusa é perigosa para os humanos? 

Não, é completamente inofensiva. Apesar de todos os cnidários terem nematocistos, umas estruturas que libertam substâncias urticantes (que causam queimaduras, irritações) para os cnidários se poderem defender de predadores, muitas delas não são tóxicas para os humanos, como é o caso da Blackfordia virginica.

Como chegou a Portugal?

A presença desta medusa é conhecida em Portugal desde 1984, ano em que foi registada no estuário do Mira, que fica junto às localidades de Odemira e Vila Nova de Milfontes. Em 2008 foi também verificada a sua ocorrência no estuário do Guadiana e, apesar de a sua abundância ser aí mais baixa do que no Mira, continua a observar-se a presença de exemplares. Ou seja, isso parece indicar que esta população também já se encontra estabelecida.

Quanto à forma como poderá ter chegado ao estuário do Mira é ainda uma incógnita, uma vez que o ciclo de vida desta espécie se desenvolve no interior do estuário. As medusas são movimentadas para as zonas superior e inferior do estuário ao longo do ciclo de maré, mas realizam migrações verticais na coluna de água – movendo-se para cima e para baixo – para dessa forma impedirem o seu arrastamento para o mar. Por isso, conjetura-se que os pólipos possam ter chegado incrustados em cascos de embarcações provenientes de outros locais onde a Blackfordia virginica ocorra.

Estas medusas poderiam também ser transportadas nas águas de lastro de embarcações que fazem o transporte de mercadorias. No entanto deixou de haver portos ativos no estuário do Mira desde antes do final do século XIX e, desde então, a navegação é apenas de caracter recreativo. De qualquer forma, a realização de análise do DNA dos exemplares do Mira revelou uma baixa diversidade genética, indicando que provavelmente terá havido um único evento de introdução e toda a população atual é descente desses pioneiros introduzidos na década de 80 ou antes. 

E como é que pode ser detectada?

Apesar da sua pequena dimensão, as medusas de Blackfordia virginica podem atingir elevadas densidades: verificou-se a presença de cerca de 1000 exemplares por cada metro cúbico no estuário do Mira, durante os meses de verão.

A presença destas medusas pode ser mais facilmente observada durante a ocorrência de blooms, ou seja, quando ocorrem elevadas concentrações, sendo visíveis pequenos globos transparentes perto da superfície da água. No entanto estas observações serão apenas possíveis nas zonas intermédia e superior do estuário do Mira, onde a presença de água doce é maior, e que são frequentadas por praticantes de desportos náuticos e passeios em barcos de turismo. Isto porque estas medusas não descem até à zona costeira onde se localizam as praias.

Exemplares recolhidos de Blackfordia virginica, na fase de medusa. Foto: Paula Chainho

Mas afinal qual é o problema com esta medusa?

A medusa de Blackfordia virginica é um predador não selectivo de zooplâncton – organismos que vivem suspensos na coluna de água – podendo alimentar-se de larvas de crustáceos e cracas e de ovos de peixe. Como esta espécie se alimenta em contínuo, o consumo de zooplâncton pode ser muito intenso durante a ocorrência de blooms. Pode ter também impactos económicos, ao afetar espécies de peixes com valor comercial.

Não temos dados concretos que demonstrem impacto sobre peixes nativos, uma vez que no Mira não há pesca comercial e não tem havido uma monitorização consistente das espécies piscícolas. Mas sabemos que nos conteúdos estomacais destas medusas são encontrados ovos de biqueirão, uma espécie que serve de alimento a várias outras.

É possível erradicar as populações desta espécie? 

Não é possível, uma vez os pólipos emitem inúmeras medusas e são de difícil deteção e erradicação devido às suas reduzidas dimensões. Durante a ocorrência de blooms, os pescadores queixam-se frequentemente de que esta espécie enche completamente as redes mas, apesar disso, seria difícil fazer um controle populacional através da pesca.

Amostragem no Mira com uma rede de plâncton, uma vez que as medusas são planctónicas. Foto: Paula Chainho

Então, que medidas se podem tomar?

É importante prevenir a dispersão desta espécie para outros sistemas estuarinos. Uma das medidas possíveis é limitar a translocação de exemplares de ostra-portuguesa do estuário do Mira para outros estuários, uma vez que os pólipos de Blackfordia virginica podem estar instalados sobre as cascas dessas ostras. A limpeza frequente dos cascos das embarcações de recreio é outra forma possível de controlo do transporte desta espécie para novos locais.

E qual é a situação noutros sítios do mundo onde é invasora?

A distribuição desta espécie é bastante dispersa por todo o mundo, com populações registadas na Califórnia, EUA, no Brasil, Argentina, Índia e vários países da Europa, incluindo França e Espanha. As densidades encontradas no estuário do Mira foram das mais altas registadas nos locais onde a Blackfordia virginica foi introduzida.

Uma curiosidade

Ainda não se sabe exatamente quais são os mecanismos usados pelas pequenas medusas de B. virginica para efetuarem as migrações verticais que lhes permitem ficarem retidas dentro do estuário, mas a segregação de hormonas que regulam os ritmos circadianos pode ser uma possibilidade. A identificação dessa hormona é um tema atual de estudo, sendo possível que as medusas segreguem melatonina, a hormona que também é usada pelos seres humanos no controlo dos ritmos do sono/vigília, para regular ritmos associados aos ciclos de maré.


Série Espécies Aquáticas Invasoras

Em parceria com o projecto LIFE Invasaqua, a Wilder dá-lhe a conhecer algumas das principais espécies aquáticas invasoras em Portugal. O LIFE Invasaqua é um projecto ibérico co-financiado por fundos comunitários que divulga informação acerca da ocorrência e combate a espécies invasoras.

Recorde o que se passa em Portugal com o siluro, o mexilhão-zebra, a rã-de-unhas-africana, o alburno, a amêijoa asiática, o caranguejo-peludo-chinês, a amêijoa-japonesa, a gambúsia e o lagostim-sinal.

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