Orvalhinha (Drosera rotundifolia). Foto: Espirat/WikiCommons

O que procurar no Verão: orvalhinhas, plantas carnívoras nativas

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Podem não saber, mas existem plantas carnívoras nativas em Portugal. Contrariamente ao nosso imaginário, estes seres não são gigantes nem aterrorizadores. São plantas pequenas, frágeis e de uma beleza ímpar.

As plantas carnívoras ou insectívoras, como todas as outras plantas, realizam fotossíntese. No entanto, possuem ainda adaptações que lhes permitem atrair, capturar e digerir pequenas presas, que são usadas como complemento nutricional. Esta estratégia de sobrevivência ocorre porque, na maioria das vezes, estas plantas vivem em solos pobres, onde a disponibilidade de nutrientes é quase nula.

Drosera rotundifolia. Foto: Espirat/WikiCommons

Estima-se que, em todo o mundo, existam mais de 800 espécies distribuídas por 24 géneros. Em Portugal Continental ocorrem oito espécies diferentes de plantas carnívoras, representativas de quatro géneros e de três famílias botânicas. Nos Arquipélagos da Madeira e dos Açores, não há registo de espécies nativas.

Todas as espécies são únicas, umas mais raras e outras mais vulneráveis, mas todas apresentam uma beleza aparentemente exótica e um charme particular. De todas as espécies nativas destaco as do género Drosera, que se encontram agora em flor e que são vulgarmente conhecidas como orvalhinha (Drosera rotundifoliaDrosera intermedia).

A orvalhinha

As orvalhinhas são pequenas plantas vivazes ou perenes, solitárias ou gregárias, com uma extraordinária capacidade de regeneração vegetativa. Da família Droseraceae, estas plantas são facilmente reconhecidas por apresentarem folhas basais em forma de roseta, providas de numerosos pêlos viscosos na página superior e na margem das folhas. 

Drosera rotundifolia é também conhecida como orvalhinha-de-folha-redonda, orvalho-do-sol, rabo-de-raposo ou rorela. Pode crescer até 7 cm de altura. 

As folhas são pequenas e possuem forma ovada, de cor verde-limão com longos e finos pêlos pegajosos avermelhados. 

As flores surgem agrupadas em inflorescências de 6 a 10 flores, em caules floríferos que podem atingir até 20 cm de altura. São pequenas, com cerca de 5 mm de diâmetro, com pétalas brancas, ocasionalmente com veios rosados. O fruto é capsular, ovóide e liso. As sementes são muito pequenas, reticuladas, aladas e abundantes.

Drosera rotundifolia. Foto: Petr Dlouhy/WikiCommons

Drosera intermedia, também conhecida como orvalhinha-de-folhas-espatuladas ou rorela, pode crescer até 10 cm de altura e tem uma coloração maioritariamente avermelhada. 

As folhas são oblongas a obovadas, ascendentes ou praticamente eretas, em forma de espátula ou colher. São de cor verde, cobertas de pêlos vermelhos, finos e brilhantes.

As flores são pequenas, brancas ou ligeiramente rosadas. Surgem em inflorescências, em conjunto de 3 a 12 flores, suportadas por hastes que se erguem na parte central da roseta das folhas.

O fruto é uma cápsula ovóide e lisa e contém inúmeras pequeníssimas sementes.

O período de floração das duas espécies de orvalhinhas é muito semelhante, ocorrendo entre os meses de junho e de setembro.

Drosera intermedia. Foto: Krzysztof Ziarnek/WikiCommons

No inverno, com a descida da temperatura e menos disponibilidade de horas de luz, as orvalhinhas entram em estado de “dormência”. Nesta fase as plantas criam um hibernáculo, uma estrutura especial, que assume a forma de um aglomerado de folhas muito compacto, sem pêlos pegajosos, que lhes permitem suportar o frio. O frio do habitat natural destas espécies pode ser suficiente para as matar. Após o período invernal, as plantas voltam a crescer, renovando toda a estrutura foliar e os pêlos pegajosos durante a primavera e o florescimento no verão.

Distribuição nativa

As orvalhinhas são espécies cosmopolitas, podendo encontrar-se em várias regiões do mundo.

Drosera rotundifolia tem uma distribuição nativa bastante alargada, que compreende todo o hemisfério norte, as Filipinas e a região oeste da Nova Guiné. 

Em Portugal, é mais comum nas regiões do norte e centro do país, em locais muito húmidos e pantanosos, habitualmente em solos ácidos e com baixa concentração de nutrientes. Prefere crescer entre os musgos do género Sphagnum ou entre outras plantas pantanosas, em locais de meia-sombra, geralmente em zonas de montanha. Não tolera temperaturas superiores a 30ºc.

Drosera intermedia é nativa da Europa, da Ásia e do norte e sudeste da América do Norte e da América do Sul.

Em Portugal ocorre um pouco por todo o país, sobretudo na faixa litoral, excepto na região do Algarve. É comum em prados e turfeiras ricas em musgos do género Sphagnum, margens de charcos, linhas de água e pântanos, muitas vezes em condições anfíbias. Prefere solos ácidos, húmidos e temporariamente encharcados, com baixa concentração de nutrientes. É uma espécie tolerante a longos períodos de submersão e a períodos de seca nos meses de verão.

As orvalhinhas são plantas muito curiosas e especiais. A sua beleza exótica e a particularidade de se alimentarem de pequenos animais, leva a que sejam muito procuradas por colecionadores e paisagistas de todo o mundo. 

Drosera rotundifolia. Foto: T. Kebert/WikiCommons

Além do interesse ornamental e do colecionismo, estas plantas são também importantes do ponto de vista medicinal.

Toda a planta contém naftoquinonas, das quais a principal é a plumbagina, que lhe confere propriedades antiespasmódicas, anti-bacterianas, antiparasitárias, anti-fúngicas e anti-cancerosas. 

As orvalhinhas têm aplicação em medicina natural, no tratamento de tosse seca espasmódica e noutras doenças respiratórias, incluindo a tuberculose. Nos últimos anos também têm sido bastante estudadas no tratamento de outras doenças, nomeadamente o cancro.

Do ponto de vista da conservação é urgente preservar o habitat destas plantas, que se encontram altamente ameaçadas. A contínua destruição das turfeiras provocada pela poluição, pelos incêndios, e pela exploração da turfa, tem reduzido significativamente as populações nativas destas espécies.

Carnivoria 

A designação científica das orvalhinhas está muito relacionada com as características morfológicas das folhas, responsáveis pela carnivoria destas plantas. 

O género Drosera deriva das palavras gregas drósosdroseros que significam “orvalho” e “coberto de pêlos”, respetivamente, muito devido às folhas cobertas de pêlos com as pontas pegajosas e brilhantes, que parecem orvalho.

A palavra latina rotundifolia deriva da combinação entre duas palavras: rotundos-, que significa “redondo ou esférico” e de –folius que significa “folha”, ou seja que tem “folha redonda”.

O restritivo específico intermedia deriva do latim intermediário e está relacionado com o facto de esta espécie ser uma planta cujas características morfológicas se encontram no meio de dois extremos, referindo-se à cor, tamanho e forma, em relação a outras espécies do mesmo género.

Drosera rotundifolia. Foto: Muriel Bendel/WikiCommons

As orvalhinhas e todas as espécies do género Drosera possuem células glandulares que segregam gotas brilhantes, viscosas, pegajosas, adocicadas e com odor a mel que atraem e capturam os insetos. Quando a presa é capturada, desencadeia-se um estímulo químico que faz com que os pêlos brilhantes se enrolem sobre si próprios, em direção ao centro da folha aprisionando-a, dando-se depois início ao processo de dissolução e digestão das substâncias corporais da presa. Nesta fase os pêlos absorvem os compostos azotados resultantes da digestão permitindo que a planta se alimente. 

Conforme mencionado anteriormente, este é um processo nutritivo complementar, pois as orvalhinhas são seres fotossintéticos como todas as plantas.

As outras espécies nativas

O pinheiro-baboso ou erva-pinheira-orvalhada (Drosophyllum lusitanicum), da família Drosophyllaceae é a única espécie do género Drosophyllum. É uma planta endémica da Península Ibérica e do norte de Marrocos e está classificada como espécie “Vulnerável”, segundo a União Internacional para a Conservação da Natureza (UICN)

Pinguicula vulgaris e a Pinguicula lusitanica são duas espécies da família Lentibulariaceae. A P. lusitanica é uma espécie nativa do oeste da Europa e Noroeste de África. Em Portugal pode ser encontrada um pouco por todo o território, sobretudo na faixa do litoral. A P. vulgaris tem uma distribuição mundial mais extensa, que compreende o continente Europeu, a América do norte e o norte da Ásia. No entanto, em Portugal é muito rara, existindo registos da sua presença apenas na região norte do país. É uma espécie classificada como “Quase Ameaçada” em Portugal, pela UICN.

Utricularia australis, a Utricularia gibba e a Utricularia subulata também pertencem à família Lentibulariaceae, e são espécies que vivem submersas, em comunidades aquáticas de lagos, charcos e outras águas paradas. 

No geral são espécies com uma distribuição nativa mundial muito extensa, que compreende maioritariamente as regiões tropicais e subtropicais do Velho Mundo. Em Portugal as comunidades destas espécies são muito pequenas e localizam-se principalmente na faixa do litoral. 

Segundo a UICN, a U. australis e a  U. gibba estão classificadas com estatuto “Vulnerável” em Portugal e a U. subulata está classificada como espécie “Regionalmente Extinta”.

Agora já sabe que as plantas carnívoras são inofensivas e que as pode explorar e encontrar em território nacional. Mas não se esqueça de apreciar a sua beleza natural sem as colher e sem as cortar, preservando-as.


Dicionário informal do mundo vegetal:

Ovada – folha com a forma de um ovo mais larga e arredondada perto da base.

Oblonga – folha com forma alongada e estreita e com os polos arredondados.

Obovada – folha com a forma de um ovo invertido, mais estreita na base do que no ápice da folha.

Cosmopolita – género de plantas que tem uma distribuição por quase todo o mundo.


Todas as semanas, Carine Azevedo dá-lhe a conhecer uma nova planta para descobrir em Portugal. Encontre aqui os outros artigos desta autora.

Carine Azevedo é Mestre em Biodiversidade e Biotecnologia Vegetal, com Licenciatura em Engenharia dos Recursos Florestais. Faz consultoria na gestão de património vegetal ao nível da reabilitação, conservação e segurança de espécies vegetais e de avaliação fitossanitária e de risco. Dedica-se também à comunicação de ciência para partilhar os pormenores fantásticos da vida das plantas. 

Para acções de consultoria, pode contactá-la no mail [email protected]. E pode segui-la também no Instagram.

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