Carine Azevedo apresenta-nos a zelha, uma das espécies da nossa floresta que mais lhe despertou curiosidade quando a viu pela primeira vez.
Ao fim destes anos todos a trabalhar e a falar sobre florestas, percebi que a maioria das pessoas tem uma ideia errada sobre as florestas portuguesas.
Acham que são poucas as espécies que a constituem e que são principalmente espécies exóticas com objetivo de produção e pouco mais.
Na verdade, são inúmeras as espécies de árvores, arbustos e herbáceas que constituem a floresta nacional, e a sua grande maioria são espécies nativas, que transformam a nossa floresta num espaço de biodiversidade único, fazendo parte integrante de um dos ecossistemas mais ricos do mundo em diversidade vegetal.
A zelha (Acer monspessulanum), também conhecida como bordo-de-montepellier, é uma das espécies que compõem a floresta nacional e desconhecida de muitos. Foi uma das espécies que mais me despertou curiosidade quando a vi pela primeira vez.
E para que não tenham dúvidas sobre o significado de alguns termos usados, podem ver a sua explicação no final do texto.
A zelha
A zelha é um arbusto ou pequena árvore, que pertence à família Sapindaceae.
As folhas são caducas, simples, palmadas, relativamente mais pequenas que as das outras espécies do género Acer. Apresentam em geral 3 lóbulos – folhas trilobadas, margem inteira e um pecíolo longo, que pode chegar aos 7 centímetros. São ligeiramente coriáceas, verde-escuras e lustrosas na página superior e com uma leve pubescência nas axilas das nervuras, que as tornam glaucas na página inferior. No outono as folhas ficam com tonalidade amarelo, laranja ou vermelho.
A floração ocorre entre março e abril e, tal como acontece com outras espécies do género Acer, a zelha é uma espécie polígama – planta que possui flores femininas, flores masculinas e flores hermafroditas no mesmo indivíduo. As flores são pequenas, verde-amareladas, dispostas em cachos pendentes. As flores surgem antes, ou simultaneamente com as folhas, e são muito melíferas.
O fruto é seco – dupla sâmara, provido de asas membranosas, glabras e convergentes, de cor verde a avermelhada, quando jovem, e castanho-avermelhada após a maturação. O fruto mantém-se na árvore após a queda das folhas e as asas facilitam a diversão das sementes pelo vento.
A designação científica desta espécie está associada a algumas das suas características morfológicas. O nome do género Acer deriva da palavra latina ǎcěr, que significa “acerado”, ou seja, que corta, pontiagudo, afiado. Este termo refere-se à forma do ápice das folhas e também está associado à dureza da madeira da zelha, que terá sido utilizada pelos romanos para o fabrico de lanças.
A designação monspessulanum refere-se à cidade de Montpellier, em França, local onde terão sido recolhidas as primeiras amostras desta espécie e onde foi descrita pela primeira vez para a Ciência.
Resistência e longevidade
A zelha é uma espécie de crescimento lento, que alcança uma grande longevidade, podendo atingir os 300 anos.
É uma espécie nativa da região mediterrânica. Em Portugal é espontânea a norte do rio Tejo, podendo encontra-se com maior frequência no centro e norte interiores, mas também na estremadura. É uma das duas espécies nativas do género Acer no território nacional.
Ocorre em zonas de matos, baldios, bosques caducifólios ou mistos e em montes e montanhas baixas, muitas vezes em associação com outras espécies folhosas.
É uma árvore rústica, de plena luz que tolera mal o ensombramento, sendo uma das poucas espécies do género que aprecia a luz direta do sol, sobretudo na fase adulta. Prefere os solos calcários e secos, mas também cresce em solos ácidos. Suporta solos pobres e pedregosos, longos períodos de seca e possui uma grande resistência ao frio, suportando temperaturas até aos -23ºc.
A zelha exibe uma coloração interessante das folhas, durante o outono. Ficam amarelas, laranjas ou vermelhas, o que a torna uma espécie muito atrativa do ponto de vista ornamental. É comum como árvore ornamental, em parques e jardins, em alinhamentos de árvores de avenidas e alamedas, bem como em sebes. Pode ser plantado de forma isolada ou em grupo, formando pequenos tufos.
É uma espécie muito apreciada entre os entusiastas do bonsai. As folhas pequenas e o hábito arbustivo respondem bem às técnicas para estimular a redução e ramificação dos ramos e das folhas.
Tem um papel ecológico muito importante. É uma árvore útil na estabilização de taludes e no combate à erosão dos solos, devido às suas raízes profundas. As suas flores atraem inúmeros insectos, em particular as abelhas, devido à abundância de néctar.
A madeira é dura, clara, densa e de boa qualidade, muito utilizada em trabalhos de marcenaria, carpintaria, torneamento e no fabrico de instrumentos musicais.
Os áceres e as lendas
Alguns registos antigos referem que devido à sua dureza e resistência, a madeira de zelha terá sido utilizada na construção do famoso Cavalo de Tróia, protagonista na derrota dos troianos, uma das histórias narradas por Homero na Ilíada.
Na mitologia grega e romana, a zelha, bem como outras espécies do género, eram consideradas “árvores fatais” devido à particularidade das suas folhas se tornarem vermelhas, “cor de sangue” no outono. Os gregos dedicavam esta árvore a Fobos, deus do medo, que juntamente com o seu irmão Deimos, deus do terror, apoiaram o seu pai Ares, deus da guerra, em todas as batalhas.
Também para os celtas, os áceres eram árvores sagradas.
Atualmente podemos ver a folha de ácer na bandeira do Canadá. Desde o século XVIII, o ácer é considerado um símbolo do Canadá. Isto deve-se à predominância deste género nas florestas canadenses, tendo sido declarada como o “rei” das florestas e símbolo do povo.
Os áceres nativos
Para além da zelha, também o padreiro ou falso-plátano (Acer pseudoplatanus) é uma espécie do género Acer nativa em território nacional.
O falso-plátano é uma árvore de grande porte, que pode atingir os 30 metros de altura. De folha caduca, crescimento rápido e longa longevidade, pode viver entre 300 a 400 anos.
É uma espécie nativa do sul e centro da Europa e Ásia Menor. Em Portugal, surge espontaneamente a norte do rio Tejo, tendo preferência por regiões montanhosas.
É uma excelente árvore de sombra, devido à sua copa frondosa e densa. Tal como a zelha, também tem um papel fundamental do ponto de vista estético e paisagístico, sendo comum em parques e jardins, alinhamento em avenidas e alamedas. As suas folhas no outono criam um efeito visual bastante interessante além de ser uma espécie resistente à poluição urbana.
A zelha ocupa um lugar de destaque na minha lista de espécies nativas. Adoro as suas flores verde-amareladas, as suas folhas estreladas, bastante coloridas no outono e em particular os seus frutos que me lembram a minha infância. Recordo de os apanhar do chão, de os lançar ao ar e de os ver voar ao vento como se fossem pequenos helicópteros. Já alguma vez o fizeram? Se não, têm de experimentar.
Dicionário informal do mundo vegetal:
Palmada – As nervuras da folha surgem da base foliar, junto à inserção do pecíolo, radiando em direção às margens, assemelhando-se, no aspeto geral, à mão com os dedos abertos.
Lóbulo – Partes da folha com recorte pouco acentuado.
Folha trilobada – Que tem três lobos ou lóbulos
Pecíolo – pé da folha que liga o limbo ao caule.
Limbo – Parte larga de uma folha normal.
Todas as semanas, Carine Azevedo dá-lhe a conhecer uma nova planta para descobrir em Portugal. Encontre aqui os outros artigos desta autora.
Carine Azevedo é Mestre em Biodiversidade e Biotecnologia Vegetal, com Licenciatura em Engenharia dos Recursos Florestais. Faz consultoria na gestão de património vegetal ao nível da reabilitação, conservação e segurança de espécies vegetais e de avaliação fitossanitária e de risco. Dedica-se também à comunicação de ciência para partilhar os pormenores fantásticos da vida das plantas.
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