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Abetardas-comuns. Foto: Miguel Dantas da Gama

Em Villafáfila à procura das abetardas

12.02.2019

A caminho de Chaves, as previsões de grande tormenta não se confirmam. Apenas uns farrapos de neve na travessia do Alvão. O pior, ou o melhor, depende do ponto de vista, dá-se quando já em Espanha atingimos a Sanábria.

 

Aí a neve cai com intensidade e na única faixa da autovia que se mantém transitável progredimos com dificuldade, utilizando os sulcos abertos pelas viaturas que instavelmente seguem à nossa frente. A dada altura, a coisa fica mais negra, com a paisagem cada vez mais… branca.

A tarde cai, a luz esbate-se. Quando admitimos ter que parar, surge um limpa-neves que tudo resolve. Ultrapassado este troço mais elevado do percurso, o céu desanuvia-se. Já noite, põe-se um frio de rachar, agravado por uma brisa cortante. Alcançamos a aldeia próxima de Benavente que nos servirá de base durante um fim-de-semana que promete ser muito frio e com muito sol.

Somos a equipa avançada de um grupo maior que só amanhã viajará, todos integrados na saída de campo à Reserva Natural Lagunas de Villafáfila promovida pelo FAPAS – Fundo para a Protecção dos Animais Selvagens, neste início de Fevereiro. 

Sábado de manhã. Junto ao portão da Casa do Parque, ou Casa da Reserva, aguardamos a abertura do seu centro de recepção de visitantes. Pouco depois ficamos a saber que a água escasseia nas lagoas, um problema que (também) se abate por toda a Meseta Ibérica e que se reflecte na menor quantidade de aves presentes neste Inverno. No edifício apreciamos o bem elaborado centro de interpretação e a seguir avançamos para as lagoas que o envolvem. Muitos gansos, patos, galeirões conferem-se dos vários observatórios construídos ao longo de um percurso que serpenteia por entre as manchas de água. 

 

Gansos-comuns. Foto: Miguel Dantas da Gama
Gansos-comuns. Foto: Miguel Dantas da Gama

 

Ao deixar a Casa do Parque já definimos um itinerário pelo território, tendo em conta o preocupante constrangimento da falta de água. Há lagoas em que não vale a pena apostar. 

A caminho de Otero de Sariegos a enorme planura que caracteriza Villafáfila estende-se a perder de vista, seja qual for a direcção por que a apreciemos. Centenas de estorninhos criam uma característica e muito dinâmica nuvem negra num cenário onde, por ausência de elementos salientes na paisagem, sobressaem os velhos e belos pombais de adobe, tão característicos na região. Bandos de abibes-comuns (Vanellus vanellus) cruzam a estrada a baixa altitude e pousam na estepe imensa.

A Reserva Natural Lagunas de Villafáfila, situada na província de Zamora à cota dos 700 metros, faz parte da Rede de Espacios Naturales de Castilla e Léon e é importante pela avifauna associada à água que alberga. O seu complexo lagunar abrange uma área de cerca de 600 hectares quando as suas águas atingem a cota máxima. Nesta época é suposto acolher muitas espécies provenientes do norte que, fugindo do frio, aqui encontram refúgio. Principalmente naqueles anos em que a norte o Inverno é muito rigoroso. Abril é também uma época interessante para visitar Villafáfila devido às muitas aves que a ela acorrem na Primavera.

 

Laguna de Villafáfila. Foto: Miguel Dantas da Gama
Laguna de Villafáfila. Foto: Miguel Dantas da Gama

 

A Laguna de Salina Grande em Otero é a que detém mais água e por isso congrega mais aves. Apostamos nela, instalando-nos no seu observatório, munidos de binóculos e telescópio. Os gansos-comuns (Anser anser) destacam-se devido ao porte. Patos-trombeteiros (Anas clypeata), patos-reais (Anas platyrhynchos), galeirões-comuns (Fulicra atra) e zarros-comuns (Aythya ferina) são sobrevoados por abibes, sempre muito activos, e também por estorninhos.

Com o telescópio conseguimos vislumbrar um pequeno bando de grous-comuns (Grou grou). Nestes dias, Villafáfila irá revelar-se uma fraca aposta para observar a movimentação dos bandos desta graciosa espécie. Mas no razoável número de aves presentes na lagoa, destaca-se um pato-ferrugíneo (Tadorna ferrugínea). A sua cor alaranjada sobressai à distância.

 

Observatório de aves. Foto: Miguel Dantas da Gama
Observatório de aves. Foto: Miguel Dantas da Gama

 

Deixamos Salina Grande, continuando a circundar a reserva pelo sul. Ao longo da estrada abundam postes de madeira que servem de poiso a búteos (Buteo buteo) peneireiros-vulgares (Falco tinnunculus) e, mais à noite, a mochos-galegos (Athene noctua). Caixas-ninho aí instaladas fomentam a reprodução destas aves com as quais se controlam as populações de roedores. 

Durante a tarde avistamos um tartaranhão-ruivo-dos pauis (Circus aeroginosus), várias cegonhas-brancas (Ciconia ciconia) e milhafres-reais (Milvus milvus). Estes últimos foram uma constante nos céus do fim-de-semana. Também bandos de petinhas, cartaxos e muitos pombos em redor dos pombais tradicionais.

Passamos a aldeia de Tapioles e desviamo-nos da estrada para percorrer um dos extensos estradões rurais que com alguma esquadria riscam a reserva. Umas manchas claras na paisagem  sobressaem no verde uniforme da estepe, de onde a onde interrompido pelo tom castanho das parcelas de terreno lavrado. São o motivo que mais nos impeliu a regressar a Villafáfila. A princípio não passam disso mesmo, umas manchas longínquas movendo-se lentamente. Mas à medida que nos aproximamos, os contornos de um bando de abetardas-comuns (Otis tarda) ganham forma. São aves imponentes, de grandes dimensões, e Villafáfila é particularmente importante para a espécie, no contexto europeu.

 

Abetardas-comuns. Foto: Miguel Dantas da Gama
Abetardas-comuns. Foto: Miguel Dantas da Gama

 

Sempre atentas, controlam qualquer tentativa de aproximação, facilmente detectável num terreno plano e aberto. Quando se sentem intimidadas, levantam voo, pesadamente, afastam-se umas boas centenas de metros e voltam a pousar. Mesmo assim conseguimos encurtar distâncias nas várias ocasiões em que as fomos localizando. Satisfeitos com os avistamentos alcançados seguimos para o observatório da Laguna de Barillos (Revellinos). A passagem foi breve. A escassez de água é aqui mais evidente.

O dia termina, de novo na Casa da Reserva, para visualizar um vídeo sobre este espaço natural, já na companhia de todo o grupo participante na saída de campo. Amanhã aproveitaremos toda a manhã para tentar partilhar o que hoje de melhor desfrutamos nesta importante reserva húmida da Península Ibérica.

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