O novo projecto Peixes Nativos está a desafiar alunos de escolas portuguesas a ‘porem as mãos na massa’, neste caso as mãos na água, para aprenderem a monitorizar e a proteger várias espécies de peixes nativos de Portugal. A Wilder falou com a coordenadora científica, Carla Sousa Santos, e conta-lhe tudo.
Com apenas 9 ou 10 anos, cerca de 40 alunos de duas turmas no concelho de Torres Vedras já estão a conhecer os peixes que habitam pequenos rios e ribeiras da região. Além de estudarem o tema na escola, armam-se em mini-biólogos e acompanham os cientistas na monitorização de peixes como o pequeno ruivaco-do-oeste, que ocorre apenas em cursos de água do município.
Baptizado como Peixes Nativos e coordenado pelo ISPA-Instituto Universitário, este projecto que está a dar os primeiros passos tem vários objectivos: despertar a curiosidade científica dos mais jovens e a vontade de ajudarem a conservar o mundo natural, mas também reaproximar as populações locais dos seus pequenos rios costeiros, contou à Wilder a coordenadora científica do projecto, Carla Sousa Santos.
“Nas últimas décadas, as pessoas viraram costas aos rios, mas lembram-se de ser crianças, de aprenderem ali a nadar e até de apanharem peixes à mão”, nota esta investigadora do MARE-ISPA (Centro de Ciências do Mar e do Ambiente), que lançou o projecto em Novembro passado.
Em paralelo, e não menos importante, a equipa quer montar uma rede de monitorização científica de peixes de água doce que funcione todos os anos. Só assim será possível “detectar padrões e prever tendências especialmente importantes no contexto actual de alterações climáticas, para que se possa, se for caso disso, tomar decisões bem fundamentadas com vista à preservação destas espécies”, adianta.
Para já, as acções estão a decorrer em duas turmas no concelho de Torres Vedras, com o apoio do município. A meta para os próximos quatro anos é alargar a outros concelhos ribeirinhos da Região Oeste – onde estão identificados 14 cursos de água costeiros – sempre em parceria com a empresa Águas do Tejo Atlântico. De seguida, o Peixes Nativos pretende chegar aos concelhos ribeirinhos do Sudoeste Alentejano e do Algarve.
Porquê os rios costeiros?
Estes pequenos rios têm uma bacia hidrográfica independente, pelo que não são afluentes de grandes cursos de água. “São os últimos redutos de sobrevivência para a maioria das espécies endémicas de Portugal”, sublinha a investigadora, que nota que por isso podem ser “zonas de protecção e conservação deste património único e inestimável”.
Até agora, os cientistas identificaram pelo menos 21 espécies de peixes ciprinídeos nativos que habitam os rios portugueses, que chegaram ao território português “através dos seus próprios meios, em muitos casos vários milhões de anos antes da espécie humana cá chegar.” Os peixes ciprinídeos são a maior família de peixes de água doce no mundo.
Destas 21 espécies, sete são endémicas, ou seja, encontram-se apenas em rios de Portugal, na grande maioria em rios costeiros: ruivaco-do-Oeste, ruivaco, escalo-do-Mira, escalo-do-Arade, boga-do-sudoeste, boga-portuguesa e boga-de-Lisboa, enumera a investigadora. Há ainda outras espécies exclusivas da Península Ibérica, como por exemplo o bordalo ou a boga-de-boca-arqueada.
Por outro lado, há uma diferença “muito importante” que distingue uns rios costeiros de outros. “No Norte há água durante todo o ano e os rios não perdem a sua conectividade hídrica”, enquanto que no Centro e Sul, pelo contrário, os rios sujeitam-se ao regime mediterrânico e caracterizam-se “por caudais torrenciais no Inverno e secas durante o Verão.”
Resultado? Nos meses mais quentes, estes rios do Centro e Sul podem mesmo “perder a sua conectividade, ficando reduzidos a uma série de poças ou pegos, muitas vezes sem conexão entre si.” Um desafio para os peixes que ali se encontram, “confinados em volumes muito reduzidos de água, onde têm de suportar condições altamente desfavoráveis para a sua sobrevivência até que surjam as primeiras chuvas e o rio volte a correr de forma contínua…”.
E a tendência, aliás, é para esta situação aumentar, devido às alterações climáticas, tendo em conta que há cada vez mais meses do ano com pouco ou nenhuma queda de chuva, adverte Carla Sousa Santos.
Foi no ruivaco-do-Oeste que tudo começou
Em 2005, a equipa do MARE-ISPA descreveu cientificamente uma espécie baptizada de ruivaco-do-Oeste. Já há muito que este peixe era conhecido por moradores do concelho de Torres Vedras, mas para a Ciência, só naquele ano passou a ser real.
“Por ser uma espécie a que estaremos para sempre emocionalmente ligados, empenhámos-nos em múltiplas acções que dessem a conhecer este património natural único de que muitas vezes só os avós tinham ouvido falar”, recorda a coordenadora científica do projecto.
“Chamavam-lhes ‘reibacos’ e apanhavam-nos facilmente, à mão, numa época em que ainda eram muito abundantes e as pessoas ainda aprendiam a nadar no rio. Depois deixaram de ser vistos e as pessoas mais antigas achavam que já não existiam.”
Foi assim que um grupo de investigadores decidiu mostrar às pessoas que a espécie ainda existia e que era geneticamente distinta de outras espécies, sendo aliás “um património inestimável que ocorre apenas em três rios (Sizandro, Alcabrichel e Safarujo)”, destaca.
O sucesso das acções em escolas do concelho de Torres Vedras, incluindo a ida com as crianças até aos rios para verem estes peixes pela primeira vez, levou-os a perceber que “essas iniciativas eram fundamentais” e serviu de motor ao lançamento do projecto Peixes Nativos, adianta a coordenadora científica. E conclui: “O caminho para preservar a biodiversidade é ligar cada vez mais a academia à sociedade: só se preserva o que se conhece e pelo qual ganhamos empatia.”
[divider type=”thin”]Saiba mais.
Carla Sousa Santos indica-lhe sete peixes de água doce que pode encontrar em rios portugueses, todos eles com um estatuto de conservação Criticamente em Perigo de extinção:
– Saramugo (Anaecypris hispanica) – Endemismo ibérico, ou seja, encontra-se apenas na Península Ibérica. Esta espécie sofreu um grande declínio nas últimas duas décadas e já só ocorre em cinco sub-bacias do Guadiana e num afluente do Guadalquivir. Actualmente é objecto de um programa Life de conservação, co-financiado por fundos comunitários;
– Ruivaco-do-Oeste (Achondrostoma occidentale)- Endemismo português, ocorre apenas em três rios da região Oeste;
– Boga-portuguesa (Iberochondrostoma lusitanicum) – Endemismo português, ocorre no curso inferior do Tejo, no Sado e em alguns rios costeiros na região de Sines e de Sintra/Cascais/Oeiras;
– Boga-de-Lisboa (Iberochondrostoma olisiponensis) – Endemismo português muito raro, ocorre apenas em alguns pontos do curso inferior do Tejo;
– Escalo-do-Mira (Squalius torgalensis) – Endemismo português, ocorre apenas no rio Mira, que desagua em Vila Nova de Milfontes, no Litoral Alentejano;
– Escalo-do-Arade (Squalius aradensis) – Endemismo português presente no rio Arade, que desagua em Portimão, e em alguns rios costeiros da costa Vicentina e Algarve;
– Boga-do-sudoeste (Iberochondrostoma almacai) – Endemismo português, ocorre apenas nos rios Mira, Arade e Quartejar.
Conheça o site Peixes Nativos e a página deste projecto no Facebook.
Aprenda também sobre um projecto de reprodução em cativeiro para ajudar a travar a extinção do ruivaco-do-Oeste.