O co-presidente do Grupo de Especialistas em Felinos da UICN fala à Wilder dos novos desafios para o lince-ibérico, das ameaças e de como apenas “ganhámos o primeiro ‘sprint’”. O maior projecto de conservação da Europa precisa de ganhar também a corrida de fundo.
Wilder: A descida de categoria do lince-ibérico foi uma surpresa ou algo que já estava à espera?
Urs Breitenmoser: A descida de categoria de Criticamente em Perigo para Em Perigo demorou vários anos. Foi avaliada por dois assessores principais, os cientistas espanhóis Alejandro Rodríguez e Javier Calzada, e depois foi revista por vários membros do Grupo de Especialistas em Felinos na UICN (União Internacional para a Conservação da Natureza).
No entanto, esta não foi uma decisão demorada; faz parte das regras da Lista Vermelha da UICN. Para que uma espécie desça de categoria, o respectivo critério (por exemplo, o número de indivíduos adultos numa população) tem de ser cumprido durante cinco anos consecutivos. Esta regra garante que a alteração de categoria se baseia numa alteração real no estatuto e não apenas numa flutuação populacional a curto-prazo.
Por isso, aqueles que acompanham o desenvolvimento do lince-ibérico já estavam à espera (e com esperança) desta reclassificação há vários anos.
W: Uma alteração destas na Lista Vermelha da UICN é rara ou normal?
Urs Breitenmoser: É rara. Na verdade, são muito poucas as espécies que estavam na categoria de Criticamente em Perigo e que desceram para Em Perigo. Para os felinos e para a Europa, o lince-ibérico é a primeira espécie desde sempre.
W: O que aconteceu de mais importante para possibilitar a reclassificação?
Urs Breitenmoser: Quando, em 2002, tivemos de subir o lince-ibérico para Criticamente em Perigo, a situação era extremamente perigosa porque não havia nenhum programa de reprodução a funcionar. Só há dez anos nasceram os primeiros linces em cativeiro. Agora temos um programa de reprodução capaz de fornecer animais suficientes para mais e maiores projectos de reintrodução.
Além disso, foram sendo preparados os habitats, a recuperação do coelho-bravo e campanhas de sensibilização para o regresso do lince.
W: Estamos a aprender com a conservação do lince?
Urs Breitenmoser: Sim, claro. Para mim, este é o maior programa de conservação na Europa e vai ser um sucesso conservacionista de topo – se a recuperação do lince-ibérico continuar. Estamos a aprender muito sobre a recuperação de um felino ameaçado. As estratégias e conceitos usados podem ser aplicados muito além dos felinos ou dos carnívoros.
W: Então está satisfeito com os progressos?
Urs Breitenmoser: Bem, apesar de esta reclassificação ser um primeiro grande passo e um grande sucesso conservacionista, temos de enfatizar que o lince-ibérico ainda está Em Perigo. De forma alguma esta é uma categoria satisfatória. Os esforços de conservação precisam mesmo de continuar.
Hoje temos os instrumentos para conservar a espécie e também penso que agora todos em Espanha e Portugal estão sensibilizados para a complicada situação do lince. Mas alguns riscos continuam a existir.
W: Como por exemplo?
Urs Breitenmoser: Acima de tudo a ameaça constante dos novos surtos de doenças do coelho-bravo, algo que pode voltar a ameaçar de forma imediata a população de linces.
Precisamos continuar a expandir a área de distribuição da espécie e preparar o habitat e as populações de coelho-bravo.
Depois, as pequenas populações locais precisam de ser ligadas para possibilitar uma meta-população. Isto exige corredores ecológicos. Até agora, os esforços de conservação estavam concentrados nas melhores áreas disponíveis e foram feitos com um enorme compromisso. No futuro, vamos precisar de um esforço muito mais alargado, o que vai trazer o risco de fracassos locais.
Receamos que os compromissos locais, nacionais e internacionais e também o financiamento possam diminuir no futuro e que o interesse na conservação do lince-ibérico possa enfraquecer. Mas estes esforços devem ser conservados e mesmo aumentados enquanto o lince for uma espécie Em Perigo. Ganhámos o primeiro “sprint”; agora também precisamos ganhar a corrida de fundo.
W: Está preocupado, ou não, com os atropelamentos?
Urs Breitenmoser: Sempre tive uma relação ambivalente com as mortalidades por atropelamentos. Por um lado, cada lince que morre numa estrada é simplesmente demasiado. Por outro, é inevitável um aumento das mortes por atropelamento nas nossas paisagens se uma população aumentar e se espalhar. Assim, penso que nós – e o lince-ibérico – simplesmente temos de viver com esta ameaça.
W: Mas o que se pode fazer para mitigar este problema?
Urs Breitenmoser: o que podemos fazer é intervir em situações específicas, através de vedações e passagens ou através de controlos de velocidade. E da educação das pessoas para conduzirem com cuidado.
Mas não acredito que o aumento das mortes nas estradas estará a aumentar o risco das populações (apenas dos indivíduos); é uma má consequência do aumento da população e do aumento do número de animais dispersantes.
Claro que a expansão natural das populações seria muito mais rápida sem as mortes nas estradas, mas não é impossível.