As operações de mineração em mar profundo podem provocar impactos toxicológicos significativos nos organismos que lá vivem, revela um estudo liderado pela Universidade do Algarve, publicado na revista científica Environmental Pollution.
O estudo simulou operações de mineração submarina na baía de Portmán, na região de Múrcia, em Espanha, para investigar os efeitos numa espécie de mexilhões provocados pela pluma de sedimentos na água, gerada por operações de arrasto no fundo. A pluma de sedimentos é como uma nuvem submarina com grande concentração de sedimentos finos suspensos na água.
Nestas operações, foram ressuspensos sedimentos contaminados com metais que tinham sido depositados ao longo de décadas na baía de Portmán, banhada pelo Mar Mediterrâneo, como escórias de uma exploração mineira antiga. Em apenas seis dias, induziram impactos toxicológicos nos mexilhões estudados.
Para esta experiência foram usados dois navios oceanográficos espanhóis, um a arrastar sobre o fundo marinho e o outro a efectuar medições, e foram transplantados mexilhões criados numa aquacultura, colocados em caixas a três metros do fundo marinho, sobre a zona de ensaio de mineração e também em zonas mais afastadas.
A espécie de mexilhão analisada foi o Mytilus galloprovincialis, que ocorre naturalmente em Portugal e Espanha, usada para consumo humano.
A investigação dos efeitos tóxicos nos organismos foi liderada por Nélia Mestre, do Centro de Investigação Marinha e Ambiental (CIMA) da Universidade do Algarve. Publicada em Setembro passado na revista Environmental Pollution, realizou-se em colaboração com outros investigadores do CIMA, da Universidade de Barcelona (Espanha), da Universidade Politénica de Marche (Ancona, Itália) e da Estação Zoológica Anton Dohrn (Nápoles, Itália).
“Para este estudo, medimos vários parâmetros, como a concentração de metais nos sedimentos do fundo e uma bateria de biomarcadores nos vários tecidos dos organismos, e concluímos que todos os valores eram muito elevados”, sintetiza a investigadora. Os biomarcadores são indicadores biológicos mensuráveis do efeito dos vários contaminantes nos organismos em estudo.
“O principal objetivo do nosso trabalho foi testar metodologias de avaliação, monitorização e minimização do impacto ambiental em condições semelhantes às geradas pela extracção de sulfuretos polimetálicos no mar profundo”, acrescenta Nélia Mestre.
Portugal aguarda decisão da ONU
As necessidades crescentes de recursos minerais, para responder a um modo de vida cada vez mais dependente da tecnologia, estão a levar ao esgotamento dessas matérias-primas nas áreas continentais.
Por esse motivo, o desenvolvimento de tecnologia para procurar e extrair recursos minerais nos grandes fundos marinhos está a tornar-se cada vez mais atrativo, através de uma atividade que até há pouco tempo era apenas um cenário de ficção científica.
“Muitos dos recursos minerais marinhos (combustíveis fósseis e recursos não metálicos) encontram-se nas plataformas continentais geológicas. No entanto, as plataformas continentais que resultam da interpretação jurídica da Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar e que podem incluir, como no caso de Portugal, áreas para além das 200 milhas marítimas, constituem uma possível fonte de outros recursos minerais, essencialmente metálicos”, refere Pedro Madureira, coordenador técnico e científico do Projeto de Extensão da Plataforma Continental.
“Existe uma expetativa legítima de que a plataforma continental portuguesa possa obter recomendações favoráveis por parte das Nações Unidas, tornando estas áreas de solo e subsolo um novo património para o Estado Português”, adianta o mesmo responsável, que é também geólogo e professor da Universidade de Évora.
E sublinha: “A existência de ecossistemas únicos no mar profundo coloca novos e enormes desafios à exploração sustentável dos depósitos minerais aí formados, aos quais a potencial indústria extrativa está disposta a tentar dar resposta.”
Efeitos quase desconhecidos
Num estudo recente, publicado na revista científica Marine Environmental Research, em Agosto, foi feita uma síntese do estado atual do conhecimento sobre a resiliência da fauna marinha bentónica (que vive junto ao fundo) às atividades mineiras.
Neste trabalho, realizado por uma equipa de oito países europeus – incluindo investigadores da equipa de Nélia Mestre – concluiu-se que existe um enorme desconhecimento dos vários ecossistemas do mar profundo e dos potenciais efeitos das explorações mineiras (incluindo, além dos sulfuretos polimetálicos, os nódulos e as crostas de ferro e manganês).
De acordo com a Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar, a Autoridade Internacional dos Fundos Marinhos deve assegurar a proteção efetiva dos ambientes marinhos em nome da Humanidade, evitando danos graves durante as operações de mineração.
No entanto, a definição de danos graves é problemática no caso dos ecossistemas de profundidade, onde o desconhecimento é mais a regra do que a exceção.
O estudo científico realizado na Universidade do Algarve procurou contribuir de forma significativa para este tópico, através do desenvolvimento de metodologias de avaliação de risco ambiental a aplicar na exploração do mar profundo.
[divider type=”thin”]Saiba mais.
O que são sulfuretos polimetálicos?
Os sulfuretos polimetálicos existentes na Zona Económica Exclusiva de Portugal formaram-se na Crista Média-Atlântica. A água do mar que penetra na rocha da crosta oceânica é aquecida e alterada pelas colunas de magma (rocha fundida), que ascendem por baixo da crista vulcânica, formando um fluido hidrotermal de alta temperatura. Quando o fluido retorna à superfície, transportando metais e outros elementos, contacta com a água do oceano a temperaturas mais baixas, e dá-se a precipitação do sulfureto na superfície do fundo oceânico. Os sulfuretos polimetálicos são potenciais recursos de cobre, zinco, chumbo, estanho, ouro e prata.
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Este texto foi editado por Inês Sequeira.