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A Primavera dos 0 aos 2000 metros de altitude

03.04.2018

O início de uma estação traz motivos renovados para explorarmos o mundo natural. António Heitor, correspondente da Wilder, mostra-lhe o que mais o impressionou nestes primeiros dias de Primavera.

 

O nosso país tem na diversidade a sua principal riqueza. Em poucos dias podemos ir do litoral ao interior, das dunas aos prados de altitude, passando por florestas e campos agrícolas. Esta variedade assegura um conjunto de bens e serviços que temos de preservar, mantendo todas as actividades que suportam tais ecossistemas.

É tempo de procurar as aves que começam achegar, mas também de tentar ver aquelas que estão de passagem.

Este ano o fim do Inverno foi caracterizado (como de costume arrisco-me a dizer) pela incerteza e irregularidade climatérica. Umas quantas tempestades intercaladas por dias solarengos e de temperatura amena já faziam antever a mudança que se aproximava.

No começo desta minha viagem Primaveril tirei proveito dessas tempestades e fiz registos bem interessantes, como a gaivota-polar, a gaivota-pequena e algumas mãos cheias de gaivotas-de-cabeça-preta. Contudo foi a gaivota-de-audouin aquela que me deu mais gozo observar. Foi a primeira vez que vi esta espécie. Todas estas aves foram vistas ao “nível do mar” e na verdade uma boa parte das nossas gaivotas já começou a viagem de regresso aos locais de nidificação. É que a partida das espécies invernantes também pode anunciar a chegada da Primavera.

 

 

Rumo ao interior, é obrigatória uma paragem nos montados de Nisa. À volta de Montalvão, a actividade pecuária já tira proveito da chegada da Primavera. Os borregos, cabritos e bezerros correm alegremente pelos prados verdes e floridos.

Por entre bico-grossudos, pardais-franceses, tentilhões, pintassilgos e pintarroxos, um som ecoava pelos campos. Um cuco anunciava a sua chegada e confesso que ao fim de 10 minutos de tanto “cucoar” decidi procurar um local mais sossegado.

Ao fundo no horizonte um bando de grandes aves pousava de forma abrupta e repentina. As silhuetas não enganavam. Eram abutres. Entre grifos e alguns milhafres, um pequeno abutre-do-Egipto voava em círculos ladeado por um grupo de andorinhões e alguns abutres-negros. Enquanto as aves de maior porte aproveitavam uma carcaça de uma ovelha, os ágeis andorinhões, acabadinhos de chegar, caçavam insectos em pleno voo procurando recuperar as forças depois da grande viagem do Inverno.

 

 

A caminho da Torre, a Serra da Estrela apresentava cores primaveris um pouco diferentes. O branco do último nevão ainda dominava e por isso não foi de estranhar que se ouvissem e vissem algumas espécies de Inverno, como os lugres, os tentilhões-monteses e as escrevedeiras-das-neves. Por entre as árvores ainda sem folhas um grupo de cias andava freneticamente à procura de alimento junto ao chão, procurando refúgio no meio dos ramos sempre que alguém se aproximava.

 

 

Todos os outros passeriformes já anunciavam a chegada da Primavera, como as milheirinhas e algumas andorinhas-das-rochas. Cantavam de forma enérgica para defender os seus territórios. Um casal de corvos procurava alimento e uma das aves pousou perto de um parque de estacionamento, provavelmente à procura dos restos dos piqueniques dos visitantes que por ali paravam. Estas aves são bem espertas e não perdem nenhuma oportunidade para uma refeição mais fácil.

À medida que subimos à Torre uma tonalidade começou a dominar a paisagem. A cor que ficou para a história foi o branco de Inverno da Serra da Estrela.

 

 

Já de regresso ao litoral, uma paragem na Lezíria do Tejo. Por aqui a actividade agrícola está a começar de forma ténue, o que não ajuda a perceber os sinais da Primavera. Só mesmo as pastagens apresentam as tonalidades típicas da estação.

Uma volta pelas lagoas do espaço de visitação EVOA permitiu-me perceber que os patos começam a mostrar “sinais primaveris”. Frisadas, patos-reais e patos-de-bico-vermelho já andavam aos pares de um lado para o outro à procura de bons locais para construir ninho. Mas o verdadeiro sinal da Primavera foi a presença de marrecos, patos que invernam maioritariamente no Norte de África e que, por isso, são vistos com maior frequência nas nossas zonas húmidas nesta altura. Estão de passagem rumo aos locais de nidificação do centro e norte da Europa.

 

 

Nos prados da Lezíria a Primavera é anunciada pelas lavercas, cartaxos, fuinhas-dos-juncos e trigueirões que cantam, marcam territórios e defendem-nos dos “invasores”. Algumas destas aves andam bem atarefadas e empenhadas na reprodução, sendo muito comum as perseguições aos intrusos. Como as aves estão tão preocupadas umas com as outras, esquecem-se da nossa presença e deixam-nos aproximar um pouco.

No meio desta agitação um pequeno vulto amarelo salta do meio da erva para um poste. Uma alvéola-amarela, esta sim um sinal tradicional da mudança de estação.

 

 

Um pouco mais à frente a agitação é maior e rapidamente noto a presença de algumas silhuetas de predadores a voar. Empoleirada num arame, uma pequena andorinha-das-chaminés escapou ilesa e recupera do susto. Ainda está para perceber como escapou às garras da rapina. Está assim confirmada a chegada da Primavera pois já chegaram as andorinhas.

 

 

Mais adiante a agitação continua. Um vulto rápido levanta do chão e voa em direcção a um poste. Era um falcão-peregrino que tentou apanhar uma ave mais distraída, mas que desta feita não teve direito a nada. Tenho a certeza que não era esta a silhueta que importunou a andorinha, até porque a forma de voar deste peregrino não é a que planava na pastagem. Depois de um tal esforço é fundamental recuperar energias e nada melhor do que um poste ao “pôr do Sol” para o fazer.

 

 

Este falcão piava de forma “irritada” e decidi continuar o meu caminho. Encontro mais à frente o “vulto desconhecido”. Várias corujas caçavam roedores na pastagem aproveitando as últimas horas do dia, provavelmente ainda não habituadas à mudança da hora.

No fim do dia de Primavera a estrela foi (mais uma vez) a invernante nocturna mais popular do estuário, a coruja-do-nabal.

 

 

E assim se passaram os meus primeiros dias de Primavera, dos 0 aos 2.000 metros de altitude.

 

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