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Abutre-preto. Foto: Juan Lacruz/Wiki Commons

Porque é que os abutres-pretos fazem dispersões juvenis?

08.09.2021

Tal como outras espécies selvagens, o abutre-preto (Aegypius monachus), a maior ave de rapina da Europa, faz dispersões juvenis. Alfonso Godino, que trabalha com esta espécie há anos, explica-lhe tudo sobre as razões destas aves majestosas.

A dispersão juvenil acontece entre Março e Julho a partir do segundo ano de vida de um abutre-preto. O período de dispersão juvenil é superior a cinco anos e será vital para toda a sua vida.

Abutre-preto. Foto: Juan Lacruz/Wiki Commons

Nesse período, estes abutres visitam enormes áreas da Península Ibérica – desde a Galiza, a Norte, à Andaluzia, a Sul -, tendo chegado mesmo ao sul de França.

Graças a dispositivos GPS, equipa de Alfonso Godino já sabe que os juvenis de abutre-preto da colónia do Parque Natural do Tejo Internacional “utilizam, de forma mais intensiva, a zona da fronteiriça hispano-lusa junto ao Tejo Internacional, mas também outras áreas protegidas como o Parque Natural da Serra de São Mamede em Portugal e a ZEC da Sierra de San Pedro, na região espanhola da Extremadura, não muito longe da fronteira com Portugal”.

“Não estávamos à espera de deslocações para França ou que percorressem todo o norte de Espanha, desde a região de Galiza até a região de Aragão”, disse Alfonso Godino. “Mas estas deslocações foram pontuais, se bem que normais, e de um grupo reduzido de indivíduos da colónia do PNTI.”

Também foram detetadas outras áreas de interesse mais afastadas da colónia, principalmente na Serra Morena ao sul de Espanha, especialmente entre as províncias de Sevilha e Badajoz.

abutre em voo
Abutre-preto. Foto: Artemy Voikhansky/Wiki Commons

“A dispersão juvenil é o processo pelo qual os abutres-pretos abandonam o território natal e vão à procura de novos territórios”, explica Alfonso Godino.

“À partida, este comportamento pretende promover o intercâmbio de indivíduos entre populações. Mas o carácter filopátrico desta espécie – igual ao de outras espécies, especialmente as rapinas – faz com que voltem para as colónias onde nasceram. A vantagem evolutiva desta conduta, e dito de forma muito fácil, é a seguinte: se eu nasci neste território é porque deve ser um bom local para me reproduzir.”

Os abutres-pretos sentem-se muito atraídos pelas colónias da sua espécie. “Aos olhos de um abutre, a colónia do Parque Natural do Tejo Internacional tem casais estabelecidos em Portugal mas também os casais do lado espanhol. E não muito longe, a 40 quilómetros – que para um abutre não é nada -, fica a grande colónia de abutre-preto da Sierra de San Pedro com mais de 500 casais. Este conjunto de elevadíssima densidade de indivíduos reprodutores, deve funcionar como um grande atrativo.”

Quando são juvenis, e quando ainda não têm que cuidar ou defender um ninho, a sua principal tarefa é garantir o seu alimento e, principalmente, aprender como o detetar.

abutre-preto em voo
Abutre-preto. Foto: Artemy Voikhansky/Wiki Commons

“Não devemos esquecer que o alimento dos abutres é altamente imprevisível no espaço e no tempo (com a excepção dos campos de alimentação). Mas dentro desta imprevisibilidade, existem padrões de mortalidade (a mortalidade pelos partos do gado e durante o verão devido à seca, as montarias, e outros) que são mais ou menos regulares ao longo do ano e entre anos e que os abutres detectam com uma altíssima eficácia. Muito provavelmente, esta eficácia na detecção das fontes de alimento é apreendida durante o período de dispersão juvenil. Isto porque nessa altura, os indivíduos jovens têm uma maior capacidade de deslocação que os adultos dado que não tem a ligação ao território da defesa e atenção do ninho.”

Esta aprendizagem está, provavelmente, ligada à componente social e à elevada concentração de abutres e outras aves necrófagas na zona transfronteiriça, o que facilita o contacto e a socialização entre indivíduos. 


Helena Geraldes

Sou jornalista de Natureza na revista Wilder. Escrevo sobre Ambiente e Biodiversidade desde 1998 e trabalhei nas redacções da revista Fórum Ambiente e do jornal PÚBLICO. Neste último estive 13 anos à frente do site de Ambiente deste diário, o Ecosfera. Em 2015 lancei a Wilder, com as minhas colegas jornalistas Inês Sequeira e Joana Bourgard, para dar voz a quem se dedica a proteger ou a estudar a natureza mas também às espécies raras, ameaçadas ou àquelas de que (quase) ninguém fala. Na verdade, isso é algo que quero fazer desde que ainda em criança vi um documentário de vida selvagem que passava aos domingos na televisão e que me fez decidir o rumo que queria seguir. Já lá vão uns anos, portanto. Desde então tenho-me dedicado a escrever sobre linces, morcegos, abutres, peixes mas também sobre conservacionistas e cidadãos apaixonados pela natureza, que querem fazer parte de uma comunidade. Trabalho todos os dias para que a Wilder seja esse lugar no mundo.

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