Daniel Veríssimo, um economista fascinado pela natureza, defende que é necessário apostar na criação de populações selvagens viáveis de ostra-europeia, e que há dinheiro disponível para isso.
As ostras são um grupo de espécies de bivalves, animais de duas conchas. Existem diferentes tipos de ostras que habitam em várias zonas do planeta, desde a Europa e a Ásia à Oceania e à América.
No continente europeu, a ostra-europeia (Ostrea edulis) ocorria em grandes números desde a costa atlântica da Península Ibérica ao Mar Negro, do Mediterrâneo ao Báltico e Mar do Norte. Apesar da distribuição ainda ser vasta, esta espécie já não tem abundância suficiente para desempenhar um papel no ecossistema. Onde antes havia recifes ou bancos de ostras que se estendiam por quilómetros, hoje existe areia, lodo ou apenas pequenas populações isoladas.
Em Portugal, a chamada ostra-portuguesa foi uma introdução antiga de ostra-asiática, provavelmente em barcos no século XVI, e era uma grande indústria nos anos 50 e 60 no Estuário do Tejo e do Sado. Já a ostra-europeia, historicamente nativa no país, tem uma concha rugosa, pode medir até 20 centímetros e pesar cerca de 100 a 200 gramas, e tem um ciclo de vida que varia entre cerca de uma a duas décadas. Esta ostra filtra água à procura de alimento e um único exemplar pode produzir entre 500.000 a 1,5 milhões de ovos, que flutuam ao ritmo da maré até encontrarem um local onde se instalarem.
As ostras são um alimento rico e desde tempos pré-históricos que são exploradas para consumo humano. Os caçadores recolectores comiam-nas e eram apreciadas como uma iguaria entre Gregos e Romanos.
Todavia, com a Revolução Industrial, o aumento da poluição química e a exploração comercial deste alimento, muitas populações acabaram por desaparecer. Hoje, novas ameaças como a acidificação do oceano, doenças, ondas marinhas de calor, químicos persistentes, poluição por plástico, e nalguns casos ‘blooms’ de algas, afetam os recifes de ostras ainda existentes.
Com a perda dos recifes de ostras, ecossistemas marinhos costeiros passaram de um estado vivo, com águas límpidas e com vários tipos de habitats, rico em espécies e dinâmico, para um estado moribundo, com águas turvas, com poucos tipos de habitats, com poucas espécies e estático. As ostras criam recifes similares aos recifes de corais em zonas temperadas, com ecossistemas bastante produtivos que suportam uma grande quantidade e abundância de vida.
São vários os benefícios que os recifes de ostras criam, sendo desde logo um berçário para vários tipos de peixes. Filtram poluição – uma única ostra pode filtrar 200 litros de água por dia – e são ETARs naturais, o equivalente marinho das zonas húmidas em rios e ribeiros. Podem ainda armazenar carbono, através da produção de conchas, e têm um grande potencial ambiental e económico.
Existem populações comerciais de ostras em aquacultura em vários pontos do país (Sado, Ria Formosa, Aveiro), mas muitas vezes são espécies exóticas num ambiente artificializado, não desempenhando um papel no ecossistema. É preciso criar populações selvagens viáveis, através de um programa de reintrodução, e restaurar ativamente zonas onde as ostras podem assentar com restos de conchas ou rochas. É necessário também criar zonas sem pesca, que sirvam como refúgios para a espécie, e zonas fronteira buffer onde a pesca poderia ser permitida, mas sem redes de arrasto para não destruir os bancos iniciais de ostras. É importante um trabalho de proximidade com comunidades de pescadores, para que participem no restauro destes bivalves e vejam os benefícios em primeira mão.
Na Austrália são usadas rochas sedimentares e até música para recuperar antigas populações de ostras. No Golfo do México, as ostras auxiliam na prevenção da erosão pesqueira e na redução do impacto das tempestades cada vez mais frequentes. Na Baía de Nova Iorque, ajudam a prevenir as cheias, e em Hong Kong a adaptar a cidade ao aumento do nível do mar. Em Espanha, o restauro de ostras é uma solução considerada para limpar o excesso de nutrientes na lagoa do Mar Menor; na Europa, no Mar do Norte, para filtrar nitratos e recuperar stocks de peixes.
Como financiar o restauro de recifes de ostras?
Alguns subsídios para pescas podem ser alinhados para novas áreas marinhas protegidas costeiras e ações de restauro ecológico. A criação de novos recifes de ostras pelas indústrias do Estuário do Tejo e do Sado pode ser uma boa medida de compensação ambiental. Ou ainda o recurso a fundos europeus que muitas vezes não são aproveitados, podem ser usado para recuperar recifes de ostras. Mas mais do que pequenos projetos pontuais, são precisas iniciativas com escala, duradouras no tempo.
Os recifes de ostras podem ajudar a recuperar stocks de peixes, criar novas oportunidades para algas como laminárias (kelp) e pradarias marinhas, e talvez para melhorar o habitat para espécies ameaçadas como a foca monge ou as tartarugas marinhas.
Em Portugal existem possivelmente muitas zonas onde os recifes de Ostras podiam ser restaurados para resolver vários tipos de problemas: para restaurar pradarias marinhas na Ria Formosa, filtrar poluição e melhorar a qualidade da água nos Estuários do Sado e Tejo, filtrar sedimentos no delta interior do Vouga, combater a erosão costeira na foz de vários rios como o Mondego, o Cávado, o Lima ou o Minho.
Os ecossistemas marinhos são dos ecossistemas mais esquecidos, mas estão também entre aqueles que têm maior potencial para serem recuperados. É preciso “vender natureza”, de mil e uma maneiras, tanto para um público especializado como para a sociedade em geral. Se milhões podem ser gastos em paredões para prevenir a erosão costeira e a colocar areia nas praias ano após ano, porque não investir milhões em soluções de base natural para restaurar ecossistemas que muitas vezes têm os mesmos benefícios?
Passear num barco à vela numa tarde de verão, descobrir toda a riqueza e beleza de uma área marinha com recifes de ostras e, no final da viagem, degustar um prato de ostras temperadas com limão. Olhar para um mar imenso, brilhante e calmo de um lado, e para uma praia livre iluminada com focas ao Sol, do outro. Sentir o cheiro a mar, ver o encanto da paisagem e apreciar um ecossistema vivo, pleno e em harmonia.
Preferimos sonhar o restauro em todo o seu esplendor, ou abraçar o conformismo face a um estado degradado? Reconciliar as atividades humanas com o mundo natural, ou viver em constante conflito? Devolver espaço à natureza e desfrutar de todos os benefícios, ou manter o cerco à natureza e gerir declínios?
Os recifes de ostras podem voltar a Portugal.