Foto: Francisca Aguiar

Pinheirinha-de-água: esta invasora passou do aquário para rios, pauis, lagoas e albufeiras

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No âmbito de uma série sobre espécies aquáticas invasoras publicada em parceria com o projecto LIFE Invasaqua, Francisca Aguiar, professora auxiliar do Instituto Superior de Agronomia e investigadora do Centro de Estudos Florestais, apresenta-nos esta planta que continua a vender-se ilegalmente em Portugal.

Que espécie é esta?

A pinheirinha-de-água (Myriophyllum aquaticum) é uma planta aquática da família Haloragaceae, nativa da América do Sul, onde tem uma distribuição alargada no Sul da Argentina, Chile, Paraguai, Perú e sul do Brasil, mas também ocorre no Uruguai, Bolívia e Colômbia.

É uma planta enraizada, robusta, que pode apresentar caules submersos e emersos. Os caules submersos são alongados e com folhas largas, tolerando profundidades até dois metros. Quanto aos caules emergentes, são frondosos e as folhas dispõem-se em andares com quatro a seis folhas em espiral ao longo do caule, parecendo um pequeno pinheiro ou abeto.

Aspeto de caules emergentes de pinheirinha-de-água (Myriophyllum aquaticum). Foto: Francisca Aguiar

As folhas emersas são de cor verde-acinzentada e muito divididas, com oito a 30 segmentos que lhes confere o aspeto de uma pena.

Como consegue reproduzir-se?

Quando a pinheirinha-de-água atinge a superfície, desenvolve caules horizontais, chamados de estolhos, que ramificam lateralmente para facilitar a cobertura da superfície da água e nos quais surgem novos caules.

Com grande frequência, surgem raízes nos nós inferiores desta planta ou mesmo em todo o comprimento dos caules – uma característica que permite a reprodução vegetativa a partir de pequenos fragmentos da pinheirinha-de-água, quer emersos quer submersos, que é a única forma de reprodução fora da área onde é nativa.

Esta é uma espécie que tem indivíduos masculinos e femininos. Quanto às flores, quer masculinas quer femininas, são de pequenas dimensões e podem ver-se nas axilas das folhas emergentes. 

Onde é que está presente em Portugal?

Atualmente, a pinheirinha-de-água pode ser encontrada em ecossistemas de água doce um pouco por todo o país, do Minho ao Algarve, mas sobretudo na Beira Litoral, Entre-Douro-e-Minho e no Ribatejo e Oeste. Ocorre em massas de água parada ou com pouca velocidade de corrente e ricas em nutrientes, como sistemas fluviais, lagoas, pauis, valas de terra, charcos, albufeiras e solos encharcados como margens de rios ou outros, e ainda em arrozais.

Aspeto de uma população de pinheirinha-de-água no Rio Sorraia. Foto: Francisca Aguiar

Esta invasora expandiu-se em pauis, lagoas e áreas protegidas ou de interesse para conservação, como a Paisagem Protegida Local do Açude da Agolada. Recentemente, o combate à pinheirinha-de-água foi dado como prioritário em vários Planos de Gestão de Região Hidrográfica em Portugal, como do Minho e Lima, Cávado, Ave e Leça, para além das bacias do Vouga, Mondego, Tejo e Ribeiras do Oeste.

E como é que chegou ao território português? 

Tal como noutros países, pensa-se que foi introduzida em Portugal como planta de aquário ou ornamental em lagos de jardins e tanques. Foi colhida em meio natural pela primeira vez em 1936, no Porto, perto da Estação de Zoologia Marítima Dr. Augusto Nobre, na foz do Rio Douro – exemplar que foi herborizado no herbário Botânica Dr. Gonçalo Sampaio, na mesma cidade. Suspeita-se de que a planta poderá ter escapado acidentalmente a partir dos aquários de água-doce da Estação de Zoologia Marítima. Nesse mesmo ano foi encontrada na Ria de Aveiro, na Murtosa e no Braço do Vouga.

Na Bacia do Mondego, em Montemor-o-Velho, foi herborizado um exemplar quase 20 anos depois, em 1955. Mais tarde, em 1961, esta planta foi considerada naturalizada nas Bacias do Vouga e Mondego, ocupando extensões consideráveis, expandindo-se também depois noutras regiões. Na Beira Litoral e no Ribatejo pensa-se que tenha havido introduções acidentais através de plantas de arroz para transplante, que poderiam incluir pequenos fragmentos de pinheirinha-de-água. Nas restantes regiões (Douro Litoral e Minho) pensa-se que poderá ter sido introduzida acidental ou voluntariamente como ornamental.

De facto, em 1975, ainda fazia parte dos catálogos de venda dos viveiristas como planta ornamental, o que poderá ter contribuído para a sua introdução em diferentes bacias. Esta introdução pode ter sido voluntária pelas populações locais que, desconhecendo os problemas que poderiam causar, pretenderam melhorar a paisagem fluvial. Pensa-se também que poderá ter havido introdução de fragmentos através de barcos ou equipamentos de rega que se deslocam entre bacias mais ou menos distantes e contaminação através de valas e canais de rega ou drenagem.

Estas hipóteses e as informações sobre os primeiros registos e focos de invasão em Portugal foram partilhadas num interessante documento de A. N. Teles & A. R. Pinto da Silva, publicado em 1975 na Separata da Agronomia Lusitana nº 36, com o título “A «pinheirinha» Myriophyllum aquaticum (Vell.) Verdc., uma agressiva infestante aquática”.

Mas afinal qual é o problema com a pinheirinha-de-água?

A pinheirinha-de-água diminui a quantidade e qualidade das massas de água, reduz o seu valor recreativo e potencial de utilização (por exemplo irrigação ou navegação) e causa dificuldades no escoamento da água, favorecendo cheias e enxurradas. Interfere ainda com sistemas de rega e centrais hidroelétricas e pode causar danos noutras infraestruturas como as pontes, e também em aquacultura.

Aspeto de uma invasão por pinheirinha-de-água. Foto: Francisca Aguiar

As populações desta espécie, quando ocupam largas extensões de massas de água, competem por espaço, luz e nutrientes com as plantas nativas aquáticas aí existentes. São exemplos a erva-do-peixe-dourado (Ceratophyllum demersum), as carvalhas (Potamogeton crispus) e a borboleta-aquática (Ranunculus peltatus), entre outras. Em relação a outras comunidades, esta invasora pode causar dificuldades de oxigenação à generalidade das espécies de peixes e alterações nos habitats dos macroinvertebrados.

Como resultado, provoca a redução de biodiversidade e desequilibra os ecossistemas, prejudicando gravemente o seu funcionamento.

Como é possível controlar ou erradicar esta espécie? 

A pinheirinha-de-água é muito influenciada pela quantidade de azoto e fósforo na água, que utiliza como “consumo de luxo” para promover a expansão das suas populações. Assim, um controlo eficaz desta invasora tem de ser acompanhado por uma limitação destes factores no meio aquático. 

Uma vez que é uma planta enraizada e que a estratégia de expansão passa pela emergência à superfície, o que poderá limitar as invasões é a subida do nível de água, quando for possível (por exemplo, abaixo de barragens). No entanto, há que ter atenção que a possível fragmentação das plantas poderá causar infestações noutras áreas. Pela mesma razão, a retirada de biomassa por meios mecânicos poderá ter consequências, com a reincidência das invasões a curto prazo.

Aspecto de uma invasão por pinheirinha-de-água. Foto: Francisca Aguiar

Quanto à utilização de herbicidas tem sido utilizada em todo o mundo, uma vez que a planta é suscetível a várias substâncias ativas (por exemplo, 2,4-D, glifosato). No entanto, estas opções têm sido abandonadas em muitos países europeus, incluindo Portugal, pelos efeitos prejudiciais para o ambiente e para outras espécies. 

No controlo biológico têm sido usados inimigos naturais da área de origem, sobretudo artrópodes e fungos. Para além destes, a carpa herbívora triploide (estéril) e outros animais (ex. castores, gado bovino, patos) podem ajudar a controlar a pinheirinha-de-água. A grande plasticidade desta planta e as dificuldades com os meios eficientes de controlo tornam a sua erradicação muito difícil e apontam para a importância da prevenção – a limpeza de barcos, vigilância nas alfândegas e instrumentos legislativos. 

E qual é a situação noutros sítios do mundo onde é invasora?

Há evidência de que a maior parte das introduções da pinheirinha-da-água deram-se na primeira metade do século passado, através da aquariofilia ou como ornamental em lagos. Um dos registos mais antigos da observação da espécie em meio natural é da Florida, nos EUA, em 1906, e no sul de África em 1919. Rapidamente, colonizou e invadiu massas de água naturais e artificiais, por exemplo albufeiras, em vários países – sobretudo em águas paradas ou de corrente fraca e em regiões de clima temperado quente ou sub-tropical.

A pinheirinha-da-água tornou-se uma grande invasora em zonas do sul de África, até ao Quénia, no sul dos Estados Unidos, Nova Zelândia, Austrália, nalguns países da Ásia e também da Europa do Sul, sobretudo Portugal e França. Também em Espanha ocorre como invasora, sendo os primeiros registos do início do século XX, na Galiza.

Caules emergentes de pinheirinha-de-água (Myriophyllum aquaticum). Foto: Francisca Aguiar

Também há registos de vastas áreas ocupadas por esta planta em zonas de climas mais frios na Europa Central e no Reino Unido. Embora menos comum, há registos de infestações na sua área de origem, do que são exemplo albufeiras no Brasil. Na União Europeia é reconhecida como uma das espécies invasoras preocupantes, na Lista da União. Muitos países dispõem de instrumentos legislativos sobre esta espécie, como é o caso de Espanha, Portugal e Japão, entre outros.

Atualmente, o Decreto-Lei n.º92/2019 interdita a “detenção, cultivo, criação, comércio, introdução na natureza e o repovoamento de espécimes de espécies incluídas na Lista Nacional de Espécies Invasoras”, que inclui a pinheirinha-de-água.

Três curiosidades…

A pinheirinha-de-água tem indivíduos masculinos e femininos, mas na Europa ainda não foram observadas plantas masculinas. Por esse motivo, não é ainda possível ou será muito residual a reprodução por via sexuada fora da região onde é nativa. 

Há evidências de que a pinheirinha-de-água tem propriedades alelopáticas, ou seja, produz substâncias químicas e liberta-as no ambiente prejudicando o crescimento de outras espécies aquáticas, como por exemplo as lentilhas-de-água (Lemna spp.).

A pinheirinha-de-água tem sido comercializada ilegalmente em pequenos vasos ou em pequenos fragmentos. Estes fragmentos, se são retirados da parte submersa, dificultam a identificação em relação a outras espécies nativas do género Myriophyllum e consequente a aplicação da legislação. Neste momento, aliás, viveiristas e lojas de aquarofilia não poderão desconhecer a lei, mas podem vender estas plantas invasoras ilegalmente, ou vender honestamente por identificação errónea. Depois, há outras vias, como o comércio on-line.


Saiba mais.

Em Ponte de Lima, há grandes preocupações com a invasão pela pinheirinha-de-água, a que o autarca do município chama erva-pinheiro.


Série Espécies Aquáticas Invasoras

Em parceria com o projecto LIFE Invasaqua, a Wilder dá-lhe a conhecer algumas das principais espécies aquáticas invasoras em Portugal. O LIFE Invasaqua é um projecto ibérico co-financiado por fundos comunitários que divulga informação acerca da ocorrência e combate a espécies invasoras.

Recorde o que se passa em Portugal com o siluro, o mexilhão-zebra, a rã-de-unhas-africana, o alburno, a amêijoa asiática, o caranguejo-peludo-chinês, a amêijoa-japonesa, a gambúsia, o lagostim-sinal, a medusa Blackfordia virginica, o lucioperca, o caranguejo-azul, a ludevígia-rastejante, o jacinto-aquático, a íbis-sagrada e o mosquito-tigre-asiático.


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