Observação da natureza: Ana Pêgo e as poças de maré (à noite)

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Nesta nova série sobre locais fantásticos para ver a vida selvagem em Portugal, a bióloga marinha e autora do livro Plasticus maritimus, Ana Pêgo, mostra-nos como é estudar as espécies que vivem nas poças de maré. À noite.

Anémonas fluorescentes, bodiões a dormir em camas de algas, camarões, ouriços-do-mar ou até polvos são apenas alguns dos tesouros que vivem nas zonas entre-marés e que Ana Pêgo, de vez em quando, visita à noite.

As expedições nocturnas à praia começaram ainda Ana Pêgo era uma criança.

“À noite temos uma percepção da praia completamente diferente da que temos durante o dia e, só por isso, já vale a pena o passeio”, explicou à Wilder. “A praia parece outra porque estamos a senti-la de forma diferente. Gosto da tranquilidade e dos sons da praia à noite.”

Ana Pêgo numa expedição nocturna. Foto: D.R.

Além disso, acrescenta, “à noite não nos dispersamos tanto nas observações; a nossa concentração fica focada nas zonas iluminadas pela lanterna (ou naquilo a que os nossos olhos se conseguem habituar a ver no escuro)”.

Ana Pêgo tem o seu “escritório” por excelência na praia, em especial nas zonas rochosas. Estuda todas as espécies que ali vivem, quer na água transparente quer agarradas às rochas ou entre algas de várias cores e feitios; desde as maiores às mais pequenas, aquelas que quase escapam a um olhar menos atento.

A maioria das vezes, as explorações acontecem de dia. Uma expedição nocturna “não é uma coisa que faça com muita regularidade, como faço com as explorações diurnas. Vou à praia à noite quando não dá para resistir a uma boa maré e, de preferência, com companhia. Admito que, no inverno, as “boas marés” de lixo também me fazem correr para a praia à noite”.

Foto: Ana Pêgo

Este mês foi duas noites seguidas. “Estava uma maré de 0,4m, incrivelmente baixa e irresistível.”

“Algumas espécies estão mais activas à noite e, por isso, vou com esperança de as encontrar. Desta vez desejava ver polvos (Octopus vulgaris) mas não encontrei nenhum. Andavam por lá vários pescadores por isso talvez os polvos tivessem sido pescados ou então estavam escondidos.”

Entre as espécies que lhe dá gozo ver à noite e que causam grande espanto nas outras pessoas, estão as anémonas (Anemonia sp) que, devido a uma proteína, ficam fluorescentes. “É lindo! As poças parece que se transformam num jardim mágico.”

Anémonas. Foto: Ana Pêgo

Nas últimas expedições nocturnas, Ana Pêgo viu “holotúrias (pepinos-do-mar, Holothuria sp), ofiurídeos negros (Ophicomina nigra), ouriços-do-mar-comuns (Paracentrotus lividus), um ouriço de outra espécie que é maior, mais redondo e roxo (Sphaerechinus granularis), o camarão-das-poças (Palaemon serratus) e caranguejos de várias espécies (como a Eriphia verrucosa)”. 

À noite também é possível ver várias espécies de peixes. “Sendo esta zona (entremarés do litoral rochoso) propícia a “berçário”, é possível ver juvenis de várias espécies: sargos, robalos, salmonetes, cabozes, etc. Mas o que eu acho mais piada é de encontrar o bodião (Symphodus melops) a dormir. Dorme deitado de lado numa cama de algas”. 

Foto: Ana Pêgo

“As algas também são lindas à noite.”

Durante a visita, Ana Pêgo viu ainda gastrópes (da espécie Tritia reticulada) a alimentarem-se de um caranguejo morto e dois bodiões (Symphodus melops) que estavam nitidamente a dormir.

Para estas observações naturalistas, a bióloga marinha vai preparada.

“Levo uma mochila com várias coisas, mas normalmente acabo por usar apenas as lanternas e o telemóvel para fazer alguns registos. As outras coisas que levo comigo são: um pequeno tabuleiro porque pode dar jeito para observar algum organismo, uma caixa com várias lupas, uma garrafa de água (porque posso ter sede, mas também porque pode ser necessário lavar alguma coisa) e, por vezes, levo um guia de campo”, enumera.

Foto: Ana Pêgo

Como ajudar a proteger estas espécies?

“As espécies da zona entre-marés do litoral rochoso são espécies marinhas que, embora extremamente bem-adaptadas a viver ao ritmo das marés, vivem num ecossistema muito frágil”, alerta Ana Pêgo. 

São várias as ameaças que enfrentam.

Actualmente, há três grandes ameaças para as espécies intertidais, segundo Frederico Almada, , investigador do ISPA-MARE (Centro de Ciências do Mar e do Ambiente).

Como explicou anteriormente à Wilder, duas delas são as espécies exóticas invasoras – como o caranguejo-azul (Callinectes sapidus) e a corvinata-real (Cynoscion regalis), que são predadores vorazes – e as alterações climáticas. Estas importam pela “instabilidade climática que trazem, como tempestades mais intensas ou temperaturas anormalmente elevadas no Verão”, o que torna o ambiente mais incerto. Para estes animais, que já vivem no limite do que conseguem aguentar, faz toda a diferença.

Mas “nós somos uma das maiores ameaças, através do pisoteio e manuseamento” dos animais, acrescentou.

Ana Pêgo vê essa ameaça de perto, em especial em praias urbanas. Nestas praias, “com uma grande pressão a vários níveis, durante todo o ano, a fragilidade torna-se ainda mais evidente”, explica.

Para proteger esta vida marinha “seria necessário levar a sério a sua conservação. E isto não implica proibir as pessoas de irem à praia. Muito pelo contrário!! Tem é que se fazer com que os visitantes se tornem bons aliados nesta protecção”, defende Ana Pêgo. Segundo esta especialista, é crucial mostrar aos banhistas e visitantes as maravilhas destes seres e explicar qual a necessidade de os proteger. 

Esta bióloga marinha organiza oficinas de Verão para crianças e jovens, nas quais leva pequenos grupos para explorar as zonas entre-marés e salientar a importância desta biodiversidade.

Ana Pêgo defende também a proibição da pesca e mariscagem e a aplicação dos códigos de conduta e lista de restrições em áreas marinhas protegidas.

Cinco dicas para uma observação da natureza na zona entre-marés

Primeiro que tudo, “deve ter cuidado consigo. Consultar a tabela de marés antes do passeio e estar atento às horas. Nunca virar as costas ao mar. Estar atento à ondulação (para não ser surpreendido com uma onda) e à subida rápida da maré (que pode bloquear passagens seguras). Ver onde se põe os pés para não escorregar, nem esmagar nenhum organismo”.

Depois, “caso tenha curiosidade de ver o que está por baixo de uma pedra, deve depois voltar a colocá-la no lugar. Isto porque há organismos que vivem por baixo e outros por cima das rochas. Deixar a rocha virada pode comprometer as suas vidas”.

“Evitar apanhar organismos, mas no caso de os colocar num balde, não deve demorar nas observações e voltar a colocá-lo na poça de onde os tirou”, segundo Ana Pêgo. “Lembre-se que a água do balde vai aquecendo e isso pode por em risco a vida dos animais.”

“Não levar organismos para casa. Parece óbvio mas há pessoas que ainda o fazem. É muito mais bonito vir visitá-los a este “oceanário selvagem”, onde podemos regressar sempre que quisermos e onde os seres vivem livres e em equilíbrio”.

Navalheira (Necora puber). Foto: Ana Pêgo

Por fim, não vá sem um guia de identificação de espécies. O “Guia FAPAS: Flora e fauna do litoral de Portugal e da Europa“, por Andrew Campbell e James Nicholls, vai ajudá-lo a identificar o que encontrar. Para uma edição mais em jeito de jogo, por que não levar o 50 Tesouros para procurar na praia – Pequeno Guia para Naturalistas, da Wilder?


Agora é a sua vez.

A próxima Oficina de Verão de Ana Pêgo acontece de 4 a 8 de Setembro (das 09h30 às 17h00) na SMUP (Sociedade Musical União Paredense), Parede, e é destinada a jovens dos 13 aos 16 anos. Aliando a Ciência e a Arte, todos os anos são explorados temas ligados aos Oceanos. Este ano o tema é “Entre-marés” e explora as incríveis adaptações da fauna marinha destas zonas. Saiba mais através deste email: [email protected]

Helena Geraldes

Sou jornalista de Natureza na revista Wilder. Escrevo sobre Ambiente e Biodiversidade desde 1998 e trabalhei nas redacções da revista Fórum Ambiente e do jornal PÚBLICO. Neste último estive 13 anos à frente do site de Ambiente deste diário, o Ecosfera. Em 2015 lancei a Wilder, com as minhas colegas jornalistas Inês Sequeira e Joana Bourgard, para dar voz a quem se dedica a proteger ou a estudar a natureza mas também às espécies raras, ameaçadas ou àquelas de que (quase) ninguém fala. Na verdade, isso é algo que quero fazer desde que ainda em criança vi um documentário de vida selvagem que passava aos domingos na televisão e que me fez decidir o rumo que queria seguir. Já lá vão uns anos, portanto. Desde então tenho-me dedicado a escrever sobre linces, morcegos, abutres, peixes mas também sobre conservacionistas e cidadãos apaixonados pela natureza, que querem fazer parte de uma comunidade. Trabalho todos os dias para que a Wilder seja esse lugar no mundo.

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