São muitas as espécies de árvores selvagens que se encontram em risco de extinção. Segundo o relatório publicado recentemente pelo Botanic Gardens Conservation International (BGCI), uma em cada três espécies de árvores está em perigo.
Das 58.497 espécies de árvores do mundo, 30% estão em risco de desaparecer. São cerca de 17.000 espécies de árvores em declínio referenciadas na Lista Vermelha da União Internacional para a Conservação da Natureza (IUCN).
O mesmo estudo revela que, das cerca de 17,5 mil árvores em risco, mais de metade das espécies são endémicas, e que mais de 440 espécies estão mesmo à beira da extinção, o que significa que restam poucos espécimes de cada uma na natureza (menos de 50 exemplares). Outras 142 árvores já foram dadas como extintas.
Da totalidade das espécies de árvores existentes, o estudo revela que apenas 41,5% estão confirmadas como seguras. Entre as espécies ameaçadas estão magnólias, carvalhos, bordos, sorveiras, ébanos e camélias.
Em Portugal, das pouco mais de 100 espécies de árvores nativas existentes no território nacional, oito estão sob ameaça, sendo o azereiro (Prunus lusitanica) uma das espécies que causa maior preocupação.
O azereiro é sem dúvida uma das mais belas árvores da nossa floresta e é muito gratificante quando percorremos uma mata e o encontramos ali mesmo, com as suas folhas verde-escuras brilhantes a contrastar com o branco das suas flores, na primavera, ou com o negro dos seus frutos, no outono.
Azereiro
O azereiro, também vulgarmente conhecido como loureiro-de-Portugal ou ginjeira-brava, é uma espécie da família Rosaceae.
É uma pequena árvore que pode crescer até aos 10 metros de altura, por vezes chegando até aos 20 metros (quando cultivado).
O tronco apresenta uma casca acinzentada, quase lisa.
As folhas são simples, persistentes, de coloração verde-escura, lustrosas e coriáceas. São mais ou menos pendentes e possuem uma forma lanceolada e pecíolo vermelho-escuro.
A floração ocorre na primavera, entre finais de abril e junho. As flores são brancas, hermafroditas, sem cheiro, reunidas em inflorescências alongadas, sob um pedúnculo sem folhas, com 30 a 80, raramente 100 flores brancas por cacho.
O fruto é uma pequena cereja (drupa) com um formato ovóide a subgloboso, verde na fase inicial de formação, passando por cores como o laranja, vermelho, púrpura e, finalmente, o preto lustroso quando amadurece no final do verão ou início do outono.
Espécie lusitana
Etimologicamente, a designação científica desta espécie está relacionada com a sua origem geográfica. O nome do género Prunus é o nome em latim dado à ameixa selvagem, do grego prune, cuja origem se perdeu com o tempo. O restritivo específico lusitanica deriva do latim lustianicus-a-um, de Lusitânia, origem geográfica da espécie – a província romana no oeste da Península Ibérica, ocupada atualmente por Portugal.
O azereiro é uma espécie relíquia da floresta Laurissilva, que sobreviveu à última glaciação na Europa, encontrando-se a sua área natural muito restrita. É uma espécie nativa de Portugal, das ilhas da Madeira, Açores e Canárias, Espanha, França e Marrocos.
Em Portugal são três as subespécies que podemos encontrar: a Prunus lusitanica subsp. lusitanica é nativa de Portugal Continental e pode ser vista nas regiões da Beira Baixa, Beira Litoral, Minho e Trás-os-Montes. A sua maior população natural está concentrada na Mata da Margaraça.
A subsp. azorica, vulgarmente conhecida como ginjeira-brava-dos-açores ou ginja-do-mato, é uma espécie endémica do Arquipélago dos Açores, quase extinta na natureza. Ocorre nas Ilhas de São Miguel, São Jorge, Pico, Terceira, Faial e Flores, onde só se conhece um exemplar.
A subsp. hixa é vulgarmente conhecida como ginjeira ou ginjeira-brava e é uma espécie endémica da Macaronésia, existindo apenas na Ilha da Madeira e nas Canárias.
O azereiro tem preferência por ambientes húmidos e sombrios, podendo formar azereirais ou azevedos ao longo das linhas de água. Também pode constituir bosques ripícolas e surgir em carvalhais.
Edaficamente, esta espécie cresce em qualquer tipo de substrato, preferindo solos siliciosos e ácidos, húmidos, férteis e bem drenados.
É uma árvore tolerante ao frio, a solos básicos e, uma vez bem estabelecida, também à seca. É muito resistente à contaminação atmosférica e ao vento, podendo até suportar o vento marítimo, devido à folhagem firme e coriácea que possui.
Valor ecológico e paisagístico
De ocorrência rara na natureza, o azereiro é muito interessante a nível ecológico e ornamental.
Do ponto de vista ecológico, possui uma elevada capacidade de adaptação ao meio, difícil de encontrar noutras espécies, nomeadamente espécies exóticas, e possui um papel fundamental ao nível das alterações climáticas, pela sua resistência ao frio, à seca, à contaminação e à alcalinidade dos solos. Alguns autores apontam-nos como uma presença essencial na criação de pequenos microclimas, favorecendo as condições ecológicas dos locais onde se desenvolvem.
O azereiro também tem um papel importante na alimentação das aves. Os seus frutos são muito apreciados, após a maturação, por algumas aves que os consomem, ao mesmo tempo que ajudam na disseminação das suas sementes.
Já para os humanos, a ingestão dos frutos não é aconselhável. Apesar de serem comestíveis (crus ou cozinhados), contêm compostos glicosídeos cianogénicos (amigdalina e prunasina) que, por hidrólise, produzem cianeto de hidrogénio – o que lhes dá um sabor e cheiro inconfundível a “amêndoa amarga” e confere toxicidade para os humanos. Se forem consumidos em excesso podem provocar paragem respiratória e até a morte. No entanto, o consumo em doses muito reduzidas pode melhorar a digestão, estimular a respiração e proporcionar um certo bem-estar.
Do ponto de vista medicinal, o azereiro é apontado como emético, bactericida e fungicida. Existem registos etnobotânicos da utilização da sua casca, como antipalúdico, e no tratamento de picadas de víboras ou de cobras, em gado. Outros estudos apontam para a sua aplicação como embelezador e protetor da pele e como indutor da permeabilidade cutânea.
A beleza natural desta árvore, das suas folhas, flores e frutos, confere-lhe um valor paisagístico muito relevante. No entanto, em Portugal, onde existem as maiores populações naturais e selvagens desta espécie, não é muito comum a sua utilização como árvore ornamental.
Para quem gosta da flora nativa, o azereiro é uma espécie apropriada para jardins e outros espaços verdes, pelas suas flores atraentes e especialmente pela sua folhagem agradável, nomeadamente como indivíduo isolado ou em pequenos grupos e até em sebes ou topiária – uso para o qual o azereiro possui grande apetência.
A sua madeira é resistente, apresenta um tom rosado, e tem sido usada em pequenos trabalhos de marcenaria e no fabrico de pequenos utensílios de cozinha, flautas e bengalas.
Quase Ameaçada ou Em Perigo
Segundo a lista vermelha da Flora Vascular de Portugal Continental e da IUCN, o azereiro consta da lista de espécies com a avaliação de “Quase Ameaçada”. Estima-se que em Portugal Continental as populações nativas desta espécie estejam a decrescer e gravemente fragmentadas, verificando-se também um declínio contínuo de indivíduos maduros.
Do ponto de vista de avaliação global (mundial) da IUCN, o azereiro (Prunus lusitanica subsp. lusitanica) e a ginjeira-brava-dos-açores (Prunus lusitanica subsp. azorica) constam da lista de espécies “Em Perigo”.
Os dados atualmente disponíveis apontam para populações muito reduzidas – entre 100 a 200 indivíduos – da ginjeira-brava-dos-açores, o que levou as autoridades europeias a integrá-la no Anexo II da Diretiva Habitats. Esta é a Directiva 92/43/CEE do Conselho, de 21 de Maio de 1992, que engloba as espécies animais e vegetais de interesse comunitário cuja conservação exige a designação de zonas especiais de conservação.
Já a ginjeira-brava (Prunus lusitanica subsp. hixa), subespécie nativa do Arquipélago da Madeira, está classificada como espécie “Vulnerável”, segundo a IUCN.
A redução de populações desta e de outras espécies, para além de reduzir a biodiversidade, afeta a renovação de oxigénio e altera ecossistemas. As árvores são o “escudo protetor” dos ecossistemas, fundamentais na proteção de outras espécies vegetais, animais e até do Homem.
Proteger as árvores vai muito para além de proteger somente algumas espécies, mas todas as espécies. É urgente agir para mudar de paradigma e evitar o colapso.
Dicionário informal do mundo vegetal:
Coriácea – que tem uma textura semelhante à casca da castanha ou do couro.
Hermafrodita – flor que possui órgãos reprodutores femininos (carpelos) e masculinos (estames).
Inflorescência – forma com as flores estão agrupadas numa planta.
Pedúnculo – “Pé” que sustenta a inflorescência.
Todas as semanas, Carine Azevedo dá-lhe a conhecer uma nova planta para descobrir em Portugal. Encontre aqui os outros artigos desta autora.
Carine Azevedo é Mestre em Biodiversidade e Biotecnologia Vegetal, com Licenciatura em Engenharia dos Recursos Florestais. Faz consultoria na gestão de património vegetal ao nível da reabilitação, conservação e segurança de espécies vegetais e de avaliação fitossanitária e de risco. Dedica-se também à comunicação de ciência para partilhar os pormenores fantásticos da vida das plantas.
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