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Foto: Raquel Vasconcelos

O que está a acontecer no Verão: os pais xarrocos tomam conta dos ovos

14.07.2021

Por estes dias, a época de reprodução deste peixe de cabeça achatada e boca grande está a chegar ao fim. Fique a conhecer o que os cientistas já sabem sobre esta fase da vida dos xarrocos.

Parece que está alguém a ressonar baixinho, mas o que se ouve são as “sirenes” de dois xarrocos (Halobatrachus didactylus). Este é um dos vários tipos de sons que estes peixes, também chamados de peixes-sapo, emitem ao longo do ano quando fazem vibrar a sua bexiga-natatória.

Som disponível em fishbioacoustics.pt

É no início da Primavera que esta espécie se começa a fazer ouvir mais activamente, quando arranca a época de reprodução. Nos primeiros dias os machos constroem os ninhos, muitas vezes próximos uns dos outros. Para isso, em Portugal, onde se situa o limite norte da área de distribuição desta espécie, procuram zonas de estuário, pois é aí que estão as águas mais quentes no Verão.

Xarroco. Foto: Raquel Vasconcelos

“Normalmente aproveitam fendas naturalmente existentes nas rochas. Caso o substracto seja arenoso por baixo das rochas, escavam por baixo das mesmas para formar ou expandir os ninhos”, explica Daniel Alves, membro do Fish Bioacoustics Lab. Este grupo português de investigação junta cientistas que estudam a comunicação acústica destes e de outros peixes e tem trabalhado com várias espécies no estuário do Tejo.

Quando os xarrocos têm os ninhos já preparados, há que atrair as fêmeas. E é então que fazem soar as “sirenes”, que também servem de aviso para afastar possíveis rivais. Se uma fêmea ficar receptiva, “entra no ninho e começa a pôr os ovos”, descreve o investigador, que é doutorando no cE3c – Centro de Ecologia, Evolução e Alterações Ambientais, ligado à Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa.

Devido à falta de visibilidade nas águas do local de estudo, na zona do Estuário do Tejo, os cientistas ainda não conseguiram filmar o ritual de acasalamento do xarroco – por isso “pode ser mais diversificado” do que já se conhece, avisa Daniel Alves. Mas para já, em experiências em piscinas, notaram que “o comportamento de corte do macho consistiu só em ‘cantar’ para atrair a fêmea”. “Não se observaram quaisquer comportamentos visuais tão comuns noutras espécies.”

Certo é que a fêmea xarroco deposita os seus ovos nas zonas rochosas do ninho, normalmente no tecto, onde ficam colados por terem uma espécie de discos adesivos. Nessa altura, tudo indica que os machos já estarão no ninho, prontos para fertilizarem imediatamente os ovos com jactos de esperma.

Ovos de xarroco fotografados no Estuário do Tejo. Foto: Marta Bolgan

“É típico nesta família, e noutras em que há a mesma estratégia de reprodução, os machos e as fêmeas darem voltas no ninho e pôr ovos e fertilizá-los no decorrer dessas voltas. Chamo voltas porque ficam mesmo de pernas para o ar, já que os ovos são postos no tecto interior do ninho”, descreve Clara Amorim, investigadora no MARE – Centro de Ciências do Mar e do Ambiente, no ISPA, e parte da equipa de coordenação do Fish Bioacoustics Lab. 

Logo de seguida a mãe abandona os ovos. Tal como em muitas outras espécies de peixes, vai ser o xarroco macho a tomar conta da prole, ao longo de cerca de dois meses. É este o tempo necessário para que as pequenas larvas de xarroco adquiram vida livre e passem a juvenis, explica Daniel Alves. Antes disso, nas primeiras semanas logo depois da eclosão, os filhotes ficam ainda presos ao tecto do ninho alimentando-se do saco vitelino presente no ovo, descreve o cientista.

Em Julho, “parte dos ovos já terão eclodido e parte das larvas do início da época já terão adquirido vida livre, podendo já ser consideradas juvenis.”

De resto, os estudos já feitos indicam que a reprodução desta espécie no Tejo “parece acontecer por volta dos quatro a seis anos de idade”, quando os peixes passam a ser considerados adultos. Sabe-se que os juvenis costumam ficar em águas rasas, enquanto que os adultos vão para águas mais profundas no Inverno, e que os xarrocos podem viver nove anos.

Especialistas na arte do engano

Mas esta história de reprodução não se fica por aqui. Acredita-se que alguns machos, à semelhança de outras espécies estudadas, recorrem à arte do engano para levar a melhor sobre rivais mais fortes.

Assim, os cientistas identificaram dois tipos de machos. “Os machos territoriais atingem grandes dimensões, podendo atingir meio metro. São consideravelmente maiores do que os machos tipo II e do que as fêmeas”, descreve Daniel Alves, que lembra que estes “são os machos que defendem ninhos, atraem fêmeas produzindo sons e guardam os ovos até as larvas terem vida livre”.

Xarroco. Foto: Raquel Vasconcelos

Já os machos tipo II recorrem a uma estratégia diferente: “Fazem-se passar por fêmeas, tendo dimensões semelhantes a elas, e procuram entrar num ninho com ovos para os fertilizarem oportunisticamente.” Para isso, estes peixes mais pequenos desenvolvem gónadas – testículos – muito grandes face ao tamanho que têm.

Objectivo? “Conseguir produzir e libertar grandes quantidades de esperma rapidamente. Como têm o mesmo tamanho das fêmeas e a barriga volumosa, muitas vezes parecem fêmeas ovadas.”

Este tipo de comportamento já foi observado noutras famílias e é muito típico em peixes, acrescenta Clara Amorim. Tipicamente, este macho mais pequeno “ou entra no ninho e faz-se passar por uma fêmea ou então coloca-se perto da abertura do ninho e esguicha esperma lá para dentro. Isso deverá acontecer quando o macho dominante está a acasalar”.


Saiba mais.

Um estudo recente liderado por Daniel Alves concluiu que os sons dos xarrocos do Estuário do Tejo estão a ser abafados pelos ruídos dos barcos e que isso afecta os comportamentos de reprodução da espécie.

Inês Sequeira

Foi com a vontade de decifrar o que me rodeia e de “traduzir” o mundo que me formei como jornalista e que estou, desde 2022, a fazer um mestrado em Comunicação de Ciência pela Universidade Nova. Comecei a trabalhar em 1998 na secção de Economia do jornal Público, onde estive 14 anos. Fui também colaboradora do Jornal de Negócios e da Lusa. Juntamente com a Helena Geraldes e a Joana Bourgard, ajudei em 2015 a fundar a Wilder, onde finalmente me sinto como “peixe na água”. Aqui escrevo sobre plantas, animais, espécies comuns e raras, descobertas científicas, projectos de conservação, políticas ambientais e pessoas apaixonadas por natureza. Aprendo e partilho algo novo todos os dias.

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