Borboleta azulinha-comum (Polyommatus icarus). Foto: Albano Soares

Jardins para a vida silvestre: Como criar jardins para as borboletas

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Aprenda com uma rede de especialistas a tornar cada recanto num oásis para ajudar a biodiversidade, desde aves e anfíbios a abelhas e morcegos. Renata Santos e Albano Soares, especialistas em insectos, contam-lhe porque as borboletas diurnas são importantes e revelam como podemos atraí-las para os nossos espaços verdes, neste terceiro artigo da série “Jardins para a vida silvestre”, uma parceria entre a Wilder e a Fundação Calouste Gulbenkian.

Em Portugal conhecem-se 139 espécies de borboletas diurnas. Todas elas são “muito muito importantes, como os outros insectos, para um bom funcionamento dos ecossistemas deste planeta; fazem parte dele”, nota Albano Soares, investigador ligado à associação Tagis – Centro de Conservação das Borboletas de Portugal.

“As borboletas evoluíram neste planeta há milhões de anos e criaram nesse longo caminho laços apertados com as plantas, como polinizadores e controladores dessas plantas, e com outros grupos da nossa fauna”, indica este entomólogo, que nota que estes insectos alados “estão na base da cadeia alimentar e alimentam um grande número de seres, desde outros invertebrados a vertebrados como as aves, peixes, répteis, anfíbios e mamíferos”.

As lagartas das borboletas, por exemplo, são muito importantes para alimentar as crias de diversas espécies de aves, como acontece com os chapins. Os morcegos, as rãs e os sapos, lagartixas, louva-a-deus e vespas são outros animais que têm estes insetos como um dos pratos principais.

Mas o que acontece às borboletas numa paisagem cada vez mais invadida pelas cidades? Um sintoma desta e de outras mudanças introduzidas pelos humanos é que estas espécies, tal como outros insetos, estão hoje em declínio. Desde logo, nos meios urbanos as espécies que podemos encontrar são em número mais pequeno do que nas áreas protegidas, resistindo apenas aquelas que estão mais adaptadas.

Ainda assim, podemos pôr mãos à obra e incentivar a presença de algumas borboletas mais comuns, que por sua vez vão cumprir o seu papel servindo de presas a outros animais e ajudando a polinizar as plantas silvestres. E claro está, vão alegrar também os nossos dias.

Os jardins urbanos assumem para isso “uma extraordinária importância”, pois “permitem formar corredores verdes que as espécies usam para se movimentarem, colonizar novos locais e acima de tudo permitir que as populações se mantenham geneticamente saudáveis e prósperas.” Num passeio do ciclo de visitas “Jardins para a Vida Silvestre” no Jardim Gulbenkian, dia 27 de março, Albano Soares e Renata Santos, também ligada à associação Tagis, partilharam algumas sugestões sobre como preparar as áreas verdes para as borboletas diurnas.

Apostar nas plantas nativas. Mas quais?

No que respeita às plantas para ter num jardim, “as espécies mais importantes serão espécies nativas da região, que muitas vezes surgem de forma espontânea e providenciam alimento ao maior número possível de espécies de borboletas, quer na fase de lagarta quer na fase de adulto”, lembra Renata Santos.

Quando saem dos ovos, as lagartas são pequenas mas vorazes, aumentando rapidamente de tamanho. Para alimentar as lagartas, explica esta entomóloga, algumas espécies mais indicadas são da família das Fabáceas, como os trevos (Trifolium spp.) e as luzernas (Medicago spp), que são plantas hospedeiras da borboleta maravilha (Colias crocera) e da azul-comum (Polyommatus icarus/cenila).

Ligadas ainda à mesma família temos as giestas, os tojos, as tremocilhas e outras leguminosas, procuradas pela azulinha (Lampides boeticus) e pela cinzentinha (Leptores pirithous) para aí porem os seus ovos.

Saramagos, mostardas, malvas e urtigas

Já as plantas da família das Brássicas – que é a mesma das couves –  são hospedeiras da borboleta-grande-da-couve (Pieris brassicae) e da borboleta-pequena-da-couve (Pieris rapae). Estas espécies são por isso muito observadas em hortas, mas também em parques e jardins onde nascem saramagos (Raphanus raphanistrum), mostardas (Sinapis spp.) e a pequena bolsa-de-pastor (Capsella bursa-pastoris), com as suas minúsculas folhas em forma de coração.

Outras plantas muito procuradas pertencem à família Malvaceae, como as malvas (Malva spp. e Lavatera spp.), ou à família Poaceae (vários géneros de gramíneas), que alimentam lagartas de inúmeras espécies de borboletas: borboletas azuis (família Lycaenidae), borboletas brancas (Pieridae) e borboletas castanhas (Nymphalidae), adianta Renata Santos.

Outras espécies interessantes para manter em zonas urbanas:

– as urtigas (Urtica), que alimentam lagartas de atalanta ou almirante-vermelho (Vanessa atalanta);

– o funcho (Foeniculum vulgare), que alimenta lagartas de cauda-de-andorinha (Papilio machaon);

– árvores de fruto como pessegueiros ou abrunheiros (Prunus), que alimentam lagartas da borboleta zebra (Iphiclides feistamelii).

Por outro lado, nem todos os adultos necessitam de alimento, especialmente quando vivem durante pouco tempo. Mas para aqueles que recorrem às plantas nectaríferas para terem energia suficiente na época de reprodução, “é bom ter também espécies da família Asteraceae, como os malmequeres e cardos (vários géneros), ou Lamiaceae, como o alecrim (Rosmarinus officinalis) e alfazemas (Lavandula spp.).”

Cortar é possível

As plantas silvestres são importantes não só para as borboletas mas também para muitos outros animais, sublinha Renata Santos, que indica que “é possível ir cortando essas plantas, de preferência depois do maior número possível dar flor e quando parte já estão a secar, como por exemplo entre o fim da Primavera e o início do Verão”.

“O ideal é cortar e deixar os restos vegetais no próprio solo”, aconselha esta entomóloga. “Assim, se houver lagartas ou outros estádios imaturos de insetos nas plantas cortadas estes permanecerão no habitat, ao mesmo tempo que a cobertura do solo proporcionada por esses restos vegetais vai ajudar a manter a humidade no solo e a aumentar a matéria orgânica”.

Outras necessidades importantes: “o solo não deve ser revolvido” e “não devem ser usados herbicidas”. Igualmente útil, se ainda não existir nesse espaço, será a criação de um ponto de água – como um charco ou mesmo aproveitando uma terrina, com pedras ou uma rampa para os insetos terem um apoio. Por último, deve-se disponibilizar terra molhada, importante por causa dos sais minerais.

O próximo artigo será dedicado aos insectos polinizadores.


Este artigo insere-se na série “Jardins para a Vida Silvestre”, uma parceria entre a revista Wilder e a Fundação Calouste Gulbenkian.

Inês Sequeira

Foi com a vontade de decifrar o que me rodeia e de “traduzir” o mundo que me formei como jornalista e que estou, desde 2022, a fazer um mestrado em Comunicação de Ciência pela Universidade Nova. Comecei a trabalhar em 1998 na secção de Economia do jornal Público, onde estive 14 anos. Fui também colaboradora do Jornal de Negócios e da Lusa. Juntamente com a Helena Geraldes e a Joana Bourgard, ajudei em 2015 a fundar a Wilder, onde finalmente me sinto como “peixe na água”. Aqui escrevo sobre plantas, animais, espécies comuns e raras, descobertas científicas, projectos de conservação, políticas ambientais e pessoas apaixonadas por natureza. Aprendo e partilho algo novo todos os dias.

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