No âmbito de uma série sobre espécies aquáticas invasoras publicada em parceria com o projecto LIFE Invasaqua, César Capinha, do Instituto de Geografia e Ordenamento do Território da Universidade de Lisboa, e Carla Sousa, do Instituto de Higiene e Medicina Tropical da Universidade Nova, explicam-nos o que se passa com este mosquito e que cuidados devemos tomar para travar a sua expansão.
Que espécie é esta?
O mosquito-tigre-asiático (Aedes albopictus) é um mosquito nativo de regiões do Sudeste Asiático e do Pacífico Ocidental, que recentemente encontrou porto seguro em Portugal Continental.
É um mosquito razoavelmente pequeno (inferior a 1 cm) e distinto da maioria dos outros que aqui ocorrem. Tem uma coloração negra, por vezes brilhante, com manchas brancas ou prateadas contrastantes, que lhe conferiu a denominação de “tigre”. A presença de uma linha média branca ou prateada no dorso é também relevante, já que permite diferenciá-lo do mosquito-da-febre-amarela (Aedes aegipty), um congénere também introduzido mas que para já circunscrito à Ilha da Madeira.
Um facto interessante nesta e noutras espécies de mosquitos é que apenas as fêmeas picam os humanos (ou outras espécies) na sua busca por sangue. Por isso, no mosquito-tigre-asiático também pode ter interesse avaliar a presença de antenas plumosas, que só ocorrem nos machos.
Onde é que está presente em Portugal?
O primeiro registo de mosquito-tigre-asiático em território português teve lugar em 2017. Atualmente conhece-se a ocorrência da espécie em duas áreas distintas: uma no Norte, em Penafiel, e a outra no Algarve, em Loulé. Apesar desta área de distribuição razoavelmente restrita, é provável que a espécie se venha a distribuir amplamente em Portugal Continental, beneficiando da existência de condições climáticas que lhe são favoráveis.
Como se dispersa pelo mundo e como chegou aqui?
O mosquito-tigre-asiático é uma das espécies invasoras com maior dispersão global nas últimas décadas, ocorrendo em todos os continentes à exceção da Antártida. O sucesso desta dispersão deriva largamente da ação das redes de comércio global, onde os seus ovos são frequentemente transportados de forma passiva em pneus usados e plantas ornamentais.
No que diz respeito à Europa, a espécie foi detetada pela primeira vez em 1979, na Albânia, sendo que o registo seguinte aconteceu já em 1990, na Itália. Desde então, expandiu substancialmente a sua área de distribuição, ocorrendo já em mais de 20 países neste continente. Uma circunstância de relevância específica para Portugal é que a espécie tem-se expandido de forma progressiva e particularmente consistente ao longo da costa mediterrânica europeia, ocupando já grande parte do sul de França e de Espanha.
Ainda assim, curiosamente, nenhuma das duas populações conhecidas em Portugal parecem estar relacionadas de forma direta com esta frente de invasão. A população na região Norte foi inicialmente identificada junto a uma fábrica de recauchutagem, e a chegada da espécie aqui aparenta estar relacionada com a importação de pneus vindos de países europeus já invadidos. Já a forma de introdução da população no Sul é mais incerta, mas provém de origem distinta.
Mas qual é o problema com este mosquito?
O mosquito-tigre-asiático é vetor de muitos vírus, vários deles de importância médica. Por exemplo, foram registados recentemente vários casos de dengue em países como a Croácia, Espanha, França e Itália associados à presença desta espécie. Da mesma forma, foram também registados casos de chikungunya (uma doença viral caracterizada por febre altas e dores nas articulações) em França e Itália. O mosquito-tigre-asiático é também considerado um vetor potencial do vírus Zika. Por enquanto, ainda não foi registado nenhum caso de doença associada a este mosquito em Portugal, mas a probabilidade de ocorrências futuras parece elevada.
Há medidas possíveis para controlar ou erradicar as populações desta espécie?
As estratégias atuais de controlo do mosquito-tigre-asiático incluem o tratamento dos locais de criação com biocidas e/ou a remoção de recipientes que possam acumular água da chuva ou da rega, uma vez que que estes podem atuar como criadouros da espécie. Em certas regiões faz-se também a aplicação de inseticidas para redução da população de mosquitos adultos. No entanto, estas técnicas têm uma eficácia variável, quer seja porque a espécie põe os seus ovos em locais insuspeitos e de difícil acesso, ou porque tende a desenvolver resistência aos inseticidas.
Estratégias mais recentes incluem a esterilização de indivíduos criados em laboratório ou a sua infeção com Wolbachia pipientis, uma bactéria que incapacita a reprodução da espécie ou diminui seu potencial de transmissão de vírus, consoante o modo como é aplicada a estratégia de controlo. Estes indivíduos, posteriormente libertados junto das populações naturais, contribuem para a diminuição da reprodução deste mosquito e do seu potencial de transmissão de doenças. Estas técnicas têm aliás resultados recentes promissores, mas a sua eficácia em áreas extensas, por exemplo à escala de um país ou continente, ainda está por determinar.
Então, que cuidados devemos ter ?
Qualquer pessoa pode ajudar no controlo de populações de mosquito-tigre-asiático (e de outros mosquitos) ao evitar ter recipientes que acumulem água estagnada, como vasos para flores, recipientes de plástico ou piscinas não tratadas.
Contributos que possam indicar alterações na área de distribuição geográfica da espécie são também importantes. Por isso, mosquitos mortos ou registos fotográficos passíveis de serem relevantes podem ser submetidos para estudo através da plataforma MosquitoWeb.pt.
Uma curiosidade, ou talvez não…
Não sendo exatamente uma curiosidade é, contudo, importante realçar que a presença da espécie por si só não leva ao surgimento de doenças. Na verdade, o conjunto de condições necessárias para a transmissão de doenças como a dengue ou a chikungunya é relativamente complexo e requer sincronia entre: (i) a presença de um hospedeiro humano portador do vírus em estado de ser transmitido ao mosquito (por exemplo, um viajante proveniente de um local com um surto da doença); (ii) a presença do mosquito; (iii) condições ambientais que permitam o vírus desenvolver-se no mosquito e por fim (iv) a presença de outro(s) indivíduo(s) a quem o mosquito possa transmitir o vírus. De qualquer modo, a picada desta espécie é por si só bastante desagradável (mais do que a da maioria dos outros mosquitos) e o melhor mesmo é não arriscar.
E agora sim, duas verdadeiras curiosidades:
Um jantar romântico: Os machos desta espécie, apesar de não se alimentarem de sangue, têm o hábito de enxamear à volta dos humanos, esperando a chegada das fêmeas e aumentando assim as suas possibilidades de copular.
Qualquer sítio serve: Esta espécie é capaz de copular em espaços extremamente pequenos, tão pequenos como um tubo de 12 milímetros de diâmetro.
Série Espécies Aquáticas Invasoras
Em parceria com o projecto LIFE Invasaqua, a Wilder dá-lhe a conhecer algumas das principais espécies aquáticas invasoras em Portugal. O LIFE Invasaqua é um projecto ibérico co-financiado por fundos comunitários que divulga informação acerca da ocorrência e combate a espécies invasoras.
Recorde o que se passa em Portugal com o siluro, o mexilhão-zebra, a rã-de-unhas-africana, o alburno, a amêijoa asiática, o caranguejo-peludo-chinês, a amêijoa-japonesa, a gambúsia, o lagostim-sinal, a medusa Blackfordia virginica, o lucioperca, o caranguejo-azul, a ludevígia-rastejante, o jacinto-aquático e a íbis-sagrada.