Comemora-se esta sexta-feira o aniversário de Charles Darwin, avisa-nos Luís Custódia, que a esse propósito nos transporta para alguns momentos menos conhecidos – mas igualmente importantes – da viagem a bordo do HMS Beagle.
Faz hoje 212 anos que nasceu Charles Darwin. O dia 12 de fevereiro foi e será sempre o Dia de Darwin. É sempre positivo evocar esta figura lendária, especialmente nos tempos que correm. Lembrar Darwin numa outra perspetiva, sobre o objeto que despertou a sua paixão e fascínio ao longo da sua vida: o mundo vivo natural, agora empurrado pela humanidade para o abismo da extinção.
Quando pensamos nas criaturas relacionadas com Darwin, vêm-nos logo à mente os famosos tentilhões das Galápagos. Contudo, existe outra espécie de ave que tem uma história curiosa à sua volta, e que ocorreu durante a famosa viagem a bordo do navio HMS Beagle.
Segundo a historiadora de ciência Janet Browne, Darwin considerou três descobertas realizadas durante essa viagem, que foram o ponto de partida para as suas ideias: os fósseis de mamíferos que trouxe à luz do dia em Bahía Blanca (a sul de Buenos Aires), os padrões da distribuição geográfica das espécies de nandus (ave) e a exuberante vida selvagem do arquipélago das Galápagos.
Para além destas descobertas, Darwin também aponta como algo marcante na sua viagem o contacto com as tribos indígenas da Terra do Fogo – os fueginos. Para ele, esse foi considerado o encontro mais perturbador: “A visão de um selvagem nu na sua terra é inesquecível”.
Voltando às descobertas de Darwin, a ave relacionada com a segunda descoberta chama-se nandu-de-Darwin, um parente das avestruzes que habita as planícies da Patagónia.
Nas suas incursões em terra pela Patagónia, Darwin tinha ouvido os gaúchos falarem de uma espécie de nandu, a que chamavam petise. Era mais pequena que outra mais comum e que habitava as planícies a norte.
Mais a sul, em Puerto Deseado, as petises já eram abundantes e o grupo apanhou um exemplar que serviu de repasto. Darwin pensava tratar-se de um individuo jovem da espécie de nandu mais comum, não lhe dando por isso a atenção necessária. Contudo, houve partes do corpo do animal que foram poupadas, suscitando a curiosidade aguçada do jovem naturalista, que conseguiu reconstruir um exemplar desta espécie, descobrindo que pertencia à variedade de nandu mais pequena e que ainda não tinha sido descrita pelos especialistas da época. Esta naturalidade acabou em exposição no museu da Sociedade Zoológica de Londres. John Gould, talvez a maior entidade ornitológica dessa época, descreveu esta espécie e batizou-a, em honra a Darwin.
Esta passagem na Patagónia foi quase há duzentos anos. Hoje em dia, o naturalista ou o viajante fascinado pela leitura de “A Viagem do Beagle”, se enveredar por uma expedição à Patagónia, obviamente já não encontrará os fueginos na Terra do Fogo, mesmo nos padrões de vida atuais da sociedade. Desapareceram, num outro capítulo triste da história da humanidade. Apenas poderá encontrá-los representados em postais e em reconstituições estáticas nos centros de interpretação.
Contudo, ao percorrer as planícies, o viajante poderá encontrar facilmente a silhueta de um nandu-de-Darwin deambulando pela vasta planície patagónica, com a sua plumagem ondulando ao vento fustigante, tendo como pano de fundo um cenário vistoso de lagos e montanhas que nos deleita a mente.
Se avançarmos agora no tempo 200 anos, surgem algumas incertezas relativas à futurologia, mas isto talvez não o seja: será que o planeta Terra estará completamente expurgado do mundo vivo natural? Aquele mundo vivo repleto das mais variadas formas de vida que tanto fascinaram Darwin e inúmeros seres humanos. Terá sido completamente esmagado pelo avanço implacável da bota da humanidade?
Como se prevê, num planeta dominado pelo avanço implacável de um mundo de plástico, betão e vidro, ainda haverá algo de interesse que desperte fascínios e entusiasmos, produzindo naturalistas como Darwin e muitos outros?
E como será a viagem de um naturalista à Patagónia daqui a 200 anos?
Será que chegará mesmo a viajar? Haverá ainda naturalistas entusiastas, ávidos de conhecimento e de experiências no terreno? Ou teremos um viajante interessado em História, que ficou maravilhado durante a visita a um museu, onde participou numa experiência virtual sobre a fauna de outrora da Patagónia? Nessa experiência, o suposto viajante entraria numa expedição alucinante pelas vastas planícies e montanhas, sendo sobrevoado por condores e tentando observar por entre a vegetação alguns petises, os já extintos nandus-de-Darwin.
Luís Custódia
Considero-me desde sempre um naturalista e entusiasta da vida selvagem. Adoro comprar e ler livros sobre esta temática. Faço observação de aves e nos últimos anos tenho feito algumas viagens neste âmbito, a última das quais à Patagónia. Sou licenciado em Biologia pela FCUL.
Apoie o projecto de jornalismo de natureza da Wilder com o calendário para 2021 dedicado às aves selvagens dos nossos jardins.
Com a ajuda das ilustrações de Marco Nunes Correia, poderá identificar as aves mais comuns nos jardins portugueses. O calendário Wilder de 2021 tem assinalados os dias mais importantes para a natureza e biodiversidade, em Portugal e no mundo. É impresso na vila da Benedita, no centro do país, em papel reciclado.
Marco Nunes Correia é ilustrador científico, especializado no desenho de aves. Tem em mãos dois guias de aves selvagens e é professor de desenho e ilustração.
O calendário pode ser encomendado aqui.