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Plátano-bastardo (Acer pseudoplatanus). Foto: © Paula Côrte-Real

Como é que as plantas dispersam as suas sementes?

28.04.2020

Conhecida como a estação das flores, a Primavera é para muitas plantas um momento decisivo para a sua reprodução e para a formação das futuras sementes. Mas estas últimas terão ainda grandes desafios pela frente até germinarem. Filipe Covelo, bolseiro de gestão de ciência e tecnologia na área de botânica, explica o que sucede.

 

Abelhas, abelhões e outros insetos andam por estes dias muito atarefados. Para muitas plantas, estes animais polinizadores são essenciais para transportarem os grãos de pólen entre as anteras, órgão da flor onde estes são formados, e o ovário, a parte feminina da flor onde estão guardados os óvulos. 

“A semente é o resultado do desenvolvimento do óvulo após a fertilização pelo grão de pólen”, descreve Filipe Covelo.

E por isso, em especial nas plantas que precisam de atrair os insectos, muitas flores são tão coloridas e cheirosas nesta altura do ano. Para aumentar o poder de atracção, fornecem-lhes néctar.

Depois de se formarem, as sementes têm ainda um longo caminho até darem origem a uma nova planta, o que muitas vezes terá de acontecer longe da planta-mãe, para diminuir a competição por recursos, como a água e a luz do sol.

Mas como acontece esta dispersão? “As plantas movem-se. Apesar de ser a ritmos e formas diferentes dos animais, estas usam diversas maneiras de dispersão para colonizarem novas áreas e procurarem condições mais favoráveis ao seu desenvolvimento”, explica o investigador, colaborador do Jardim Botânico e do Herbário da Universidade de Coimbra, no âmbito do projeto PRISC (Portuguese Research Infrastructure of Scientific Collections). 

As sementes das plantas angiospérmicas estão envolvidas por frutos. Esses podem ser os frutos que assim conhecemos, como uma romã, um pêssego ou uma melancia, mas também estruturas que não associamos dessa forma. “Por exemplo, o girassol tem frutos que se designam como aquénios.”

Em casos como esses, são muitas vezes os animais, sem darem por isso, que transportam as pequenas sementes para o local onde poderão germinar, quando as ingerem e estas passam pelo interior do sistema digestivo. Esse processo é conhecido como endozoocoria. 

“Quando estão maduros, os frutos de algumas espécies apresentam cores vivas como estratégia para atraírem dispersores”, indica o mesmo responsável. 

 

Pilriteiro (Crataegus monogyna). Foto: © Paula Côrte-Real

 

Exemplos? Os pomos dos pilriteiros (Crataegus monogyna), as drupas da cerejeira (Prunus avium) e do azereiro (Prunus lusitanica) ou as bagas da murta (Myrtus communis): “Servem de alimento para algumas aves e mamíferos, mas ao mesmo tempo, estes dispersam as sementes já com o fertilizante incluído, e permitem que a espécie possa colonizar novas áreas.” 

 

Azereiro (Prunus lusitanica). Foto: © Paula Côrte-Real

 

Murta (Myrtus communis). Foto: © Paula Côrte-Real

    

Menos coloridas, mas muito nutritivas, as bolotas atraem por sua vez aves como os gaios, que as armazenam em buracos no solo. Algumas ficam esquecidas e dão origem a novos carvalhos no Jardim.

 

Azinheira (Quercus ilex). Foto: © Paula Côrte-Real

 

Outras vezes, as sementes seguem ‘à boleia’ dos animais ajudadas por espinhos ou ganchos, “que permitem a adesão ao pelo, penas ou roupa dos seus dispersores”, numa estratégia de dispersão batizada de epizoocoria. “Quem nunca ficou com frutos ou sementes agarradas à roupa após uma caminhada no campo? A espécie Torilis arvensis (salsinha) é um dos exemplos em que os frutos apresentam estas características”, exemplifica o investigador. Outra planta que usa a mesma estratégia de dispersão é conhecida por um nome sugestivo, agarra-saias (Galium aparine).

O vento é outro agente importante, num processo conhecido por anemocoria (do grego ‘anemos’, que significa vento, mais ‘choris’, dispersão). Neste caso, “plantas como o plátano-bastardo (Acer pseudoplatanus), os salgueiros (Salix spp.), os dentes-de-leão (Taraxacum spp.) ou a tápsia (Thapsia villosa) têm pelos ou membranas que se assemelham a pára-quedas ou asas, que permitem o transporte de frutos e sementes pelo vento.” Isso também acontece com as sementes dos pinheiros, por exemplo.

 

Plátano-bastardo (Acer pseudoplatanus). Foto: © Paula Côrte-Real

 

Já os coqueiros (Cocos nucifera) recorrem à hidrocoria, que é a dispersão pela água. Como os cocos repelem a água e têm uma baixa densidade, conseguem flutuar e transportam a semente no interior. “Desta maneira dispersam a espécie para novas áreas.” Quanto às nogueiras (Juglans regia) e aos castanheiros (Castanea sativa), valem-se da ação da gravidade, numa estratégia batizada de barocoria. “Devido ao seu peso e à sua forma arredondada, [os frutos] podem rolar para um local mais afastado da planta mãe.”

Há outros processos ainda mais engenhosos, como acontece por exemplo com os pepinos-de-são-gregório (Ecballium elaterium), cujos frutos “projetam um jato líquido com as sementes como se fossem um canhão”, descreve Filipe Covelo. Trata-se da autocoria, em que as plantas recorrem a mecanismos autónomos.

“Não nos podemos esquecer daquele que é o maior dispersor do planeta, o Homem”, acrescenta. “Esta espécie rapidamente faz chegar diásporos (estruturas vegetais envolvidas na dispersão) a várias parte do mundo, originando, por vezes, situações bastante problemáticas, como por exemplo as relacionadas com espécies invasoras.”

Apesar de tantas estratégias diferentes, são poucas as sementes que chegam ao destino ideal no tempo correto. Muitas nunca chegam a originar uma nova planta, outras conseguem aguentar vários anos, imóveis, à espera da hora certa.

 

[divider type=”thin”] Saiba mais

Para conhecer melhor as plantas do Jardim Gulbenkian, pode consultar muitas das espécies botânicas deste espaço verde aqui. Conheça também o livro “Cem sementes que voaram”, um livro para crianças da editora Planeta Tangerina, que explica numa história deliciosa o difícil caminho que as sementes fazem.

Ao longo do ano, a cada mês, a revista Wilder desvenda-lhe alguns dos fenómenos que estão a acontecer no Jardim Gulbenkian e no mundo natural.

Inês Sequeira

Foi com a vontade de decifrar o que me rodeia e de “traduzir” o mundo que me formei como jornalista e que estou, desde 2022, a fazer um mestrado em Comunicação de Ciência pela Universidade Nova. Comecei a trabalhar em 1998 na secção de Economia do jornal Público, onde estive 14 anos. Fui também colaboradora do Jornal de Negócios e da Lusa. Juntamente com a Helena Geraldes e a Joana Bourgard, ajudei em 2015 a fundar a Wilder, onde finalmente me sinto como “peixe na água”. Aqui escrevo sobre plantas, animais, espécies comuns e raras, descobertas científicas, projectos de conservação, políticas ambientais e pessoas apaixonadas por natureza. Aprendo e partilho algo novo todos os dias.

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