Até ao final de Janeiro, estão a decorrer o terceiro Censo Nacional de Aves Costeiras Invernantes e o segundo Censo Nacional do Pilrito-das-praias, no âmbito do projecto Arenaria. A Wilder falou com um dos coordenadores, Paulo Catry, e explica-lhe o que está em causa e como participar.
Todos os Invernos, entre o início de Dezembro e o final de Janeiro, centenas de voluntários armados de binóculos ajudam a contar as aves que frequentam as praias portuguesas, desde a costa continental até às ilhas da Madeira e dos Açores.
Em causa está o “Projecto Arenaria – Monitorização da Distribuição e Abundância de Aves nas Praias e Costas de Portugal”, que se iniciou há mais de 10 anos, no final de 2009, com base numa parceria entre o ISPA-Instituto Universitário, o Museu Nacional de História Natural e da Ciência e a SPEA-Sociedade Portuguesa para o Estudo das Aves.
E embora se façam registos de todas as espécies observadas – incluindo as gaivotas, os corvos-marinhos e os garajaus – o principal objectivo é “saber mais sobre as espécies de aves que se alimentam na praia, ou seja, as espécies limícolas e algumas garças”, indica Paulo Catry, um dos coordenadores deste censo.
“Sentíamos que precisávamos de recolher mais informação sobre essas espécies, especialmente sobre aquelas que não se concentram tanto nos estuários e sobre as quais pouco se sabia”, lembra este docente e investigador ligado ao MARE – Centro de Ciências do Mar e do Ambiente e ao ISPA – Instituto Universitário, que explica que nos estuários já se faziam contagens regulares. Por outro lado, muitas das praias no Inverno são locais com espaço, com boas condições para a observação de aves.
Contas feitas, desde Dezembro de 2009 até ao final de Janeiro do ano passado, os observadores inscritos no Arenaria tinham contado cerca de 268.000 aves de meia centena de espécies diferentes. Ao todo, envolveram-se até hoje 308 voluntários – muitos deles mais do que uma vez, num total de 813 participações registadas ao longo dos anos todos do projecto.
Aves nas praias estão a diminuir
Já “o pilrito-das-praias (Calidris alba) e a rola-do-mar (Arenaria interpres) são as duas espécies que sobressaem” no âmbito das espécies-alvo do Arenaria, a maioria migradoras que vêm a Portugal apenas nos meses mais frios.
“Claro que há muito mais gaivotas do que estas limícolas, particularmente gaivotas-de-asa-escura (Larus fuscus) e gaivotas-de-patas-amarelas (L. michahellis), que têm por hábito vir descansar nas praias depois de se alimentarem no mar ou noutros locais como aterros sanitários”, nota Paulo Catry.
Mas também se observam muitos borrelhos – como o borrelho de coleira-interrompida (Charadrius alexandrinus) e o borrelho-grande-de-coleira (Charadrius hiaticula) -, maçaricos-galegos (Numenius phaeopus), pilritos-de-peito-preto (Calidris alpina) e garças-brancas-pequenas (Egretta thula), entre outros.
Mais de uma década após o início do projecto, já se identificam algumas tendências, nomeadamente o declínio da presença de muitas aves invernantes. Ainda é cedo para dados conclusivos, mas é possível que esteja ligado ao aumento das pessoas que procuram agora a praia também nos meses mais frios, indica o investigador.
Quanto às contagens deste ano, o esforço está a ser bastante maior, uma vez que o objectivo é cobrir toda a área costeira no âmbito do 3º Censo Nacional das Aves Costeiras Invernantes. Estes censos nacionais, que permitem obter dados mais aprofundados, costumam realizar-se de cinco em cinco anos – o que está em curso deveria ter-se realizado há um ano, mas foi adiado devido à pandemia.
Para participar, cada voluntário deve inscrever-se através dos contactos no site do projecto e combinar qual vai ser a área onde irá realizar contagens. Paulo Catry avisa que “é necessário ter alguma experiência de observação de aves”. Ainda assim, “mesmo ‘birdwatchers’ que ainda não são muito experientes, mas que estudam essas espécies e estão empenhados em aprender mais”, podem envolver-se nas contagens.
Desta vez, está a ser também dedicada atenção especial ao pilrito-das-praias, no âmbito do censo nacional da espécie, que se realizou pela última vez entre Dezembro de 2015 e Janeiro de 2016.
Ajudar a identificar… e também apanhar lixo
Os censos estendem-se à Madeira e aos Açores, onde se têm realizado contagens ligadas ao Arenaria regularmente. No caso do arquipélago açoriano, aliás, realizaram-se três acções de formação em Dezembro passado – duas na ilha de São Miguel e uma na ilha Terceira.
“Sabemos que muitas pessoas têm interesse em participar nas contagens, mas que não o fazem por não ter os conhecimentos necessários”, nota por seu turno Alba Villarroya, ligada à SPEA Açores e à realização do Arenaria no arquipélago. “Este é o motivo pelo qual decidimos realizar estas atividades formativas, nas quais apresentamos o projeto, explicamos a metodologia e damos uma pequena formação sobre identificação.”
No caso da actividade na ilha Terceira, os participantes juntaram-se ao grupo de recolha de lixo marinho Marine Waste on Terceira Island e à associação de defesa do ambiente Gê-Questa. Ao mesmo tempo que realizavam as contagens do Arenaria, fizeram uma atividade conjunta de recolha de lixo no porto de pesca de São Mateus, no concelho de Angra do Heroísmo. “Apesar da chuva que tivemos nesse dia, a actividade correu muito bem. Participaram 11 pessoas e recolhemos mais de 45 quilos de lixo!”
Quanto à participação de voluntários nas contagens, “está um bocado mais fraca do que noutros anos”, mas Alba espera receber mais inscrições até ao final de Janeiro. Entre as espécies com mais registos na região, destaca o pilrito-das-praias, a rola-do-mar, a gaivota-de-patas-amarelas – “que é a gaivota residente no arquipélago” – as garças-reais e os maçaricos-galegos.
“Mas também podemos registar espécies pouco comuns para a Europa, como o maçarico-galego-americano”, nota. “Por exemplo, neste ano temos alguns indivíduos de garça-branca-americana e garça-real-americana, pelo que devemos ter mais atenção na identificação destas espécies, o que pode ser um grande desafio para os observadores.”
Saiba mais.
Leia mais sobre a história, a metodologia e os resultados do projecto Arenaria aqui.
Conte as Aves que Contam Consigo
A série Conte as Aves que Contam Consigo insere-se no projeto “Ciência Cidadã – envolver voluntários na monitorização das populações de aves”, dinamizado pela SPEA em parceria com a Wilder – Rewilding your days e o Norwegian Institute for Nature Research (NINA) e financiado pelo Programa Cidadãos Ativos/Active Citizens Fund (EEAGrants), um fundo constituído por recursos públicos da Islândia, Liechtenstein e Noruega e gerido em Portugal pela Fundação Calouste Gulbenkian, em consórcio com a Fundação Bissaya Barreto.