A perda de agro-estepes para culturas de regadio ou terras abandonadas ultrapassou 35.590 hectares no espaço de 10 anos na Península Ibérica, e isto só na Rede Natura 2000, estimam cientistas num estudo agora publicado.
A equipa de investigadores das universidades de Lisboa, Porto e East Anglia (Reino Unido) comparou imagens aéreas em alta resolução de 21 zonas de protecção especial (ZPE) e dos espaços circundantes na Península Ibérica, tiradas em 2004/2006 e 2015. Destas, quatro ZPE situam-se em Portugal, todas elas no Alentejo: Campo Maior, Moura/Mourão/Barrancos, Castro Verde e Vale do Guadiana.
No âmbito da Directiva Aves, cada Estado-Membro da União Europeia tem de designar áreas importantes para aves protegidas, onde são concedidos incentivos financeiros para a conservação de habitats críticos para essas espécies. Estas áreas são designadas de zonas de protecção especial (ZPE) e fazem parte da Rede Natura 2000.
Nesta nova análise, que comparou as transformações dentro e fora das 21 ZPE, os resultados apontam para mudanças importantes. Foram publicados agora na revista científica Biological Conservation.
As ZPE analisadas incluem áreas importantes de agro-estepes, que incluem cereais e pastagens extensivas com rotação de culturas e períodos de pousio. “Este habitat semi-natural, criado por actividades agrícolas, alberga importantes populações de aves ameaçadas, como a abetarda (Otis tarda), o sisão (Tetrax tetrax) e o peneireiro-das-torres (Falco naumanni)”, explica a equipa de investigadores, lembrando que as agro-estepes são “um exemplo particularmente bom da coexistência de actividades humanas com a conservação da natureza”.
Mas por renderem pouco dinheiro, muitos milhares de hectares de agro-estepes têm-se perdido para culturas consideradas mais lucrativas, como os olivais intensivos e super-intensivos, as vinhas e o girassol. Outra parte foi simplesmente abandonada.
“Nalguns casos, a perda tem sido contida pelos esquemas de incentivos agroambientais concedidos no âmbito da Rede Natura 2000”, reconhecem os autores do estudo. No entanto, os apoios foram insuficientes para evitar a perda de 35.590 hectares de agro-estepes dentro das ZPE analisadas, que albergam quase um terço da população mundial de abetardas. A área perdida em 10 anos conseguiria sustentar 542 destas aves, calculam.
Ainda assim, dentro da Rede Natura 2000, a redução deste habitat crítico foi inferior em 45% face ao que sucedeu nas zonas circundantes, estima a equipa.
“Insuficiências críticas” na Rede Natura 2000
Em Portugal, as abetardas são uma espécie emblemática das estepes cerealíferas do Alentejo. Durante o século XX, os números na Europa caíram devido à sobrecaça, à perda e degradação de habitats, mas recuperaram nas últimas décadas.
Hoje, a população mundial destas aves, grande parte concentrada na Península Ibérica, está estável ou em ligeiro aumento. Permanece todavia Vulnerável à extinção, ameaçada sobretudo pela intensificação agrícola, por colisões com linhas eléctricas e mudanças no uso da terra.
No estudo, a equipa comparou também os dados dos dois países e concluiu que em termos percentuais a perda de estepes foi superior em Portugal, disse à Wilder o autor principal do artigo, João Gameiro, investigador de doutoramento no Centro de Ecologia, Evolução e Alterações Ambientais – cE3c, da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa. Mas “isso poderá ter acontecido por já se terem perdido muitas áreas de agro-estepes em Espanha antes do primeiro ano do estudo”, indicou.
E a manterem-se as actuais condições, a degradação deste habitat vai continuar. Ao longo deste século, na Península Ibérica, os cientistas prevêem a redução da área ocupada por agro-estepes para metade da actual. “Além do mais, as grandes conversões fora de zonas protegidas podem transformar as agro-estepes que restarem em ‘ilhas’ isoladas com baixa conectividade populacional”, avisam.
Acima de tudo, apesar da protecção conferida pela Rede Natura 2000, a equipa chama a atenção para a necessidade de se reverem as regras europeias aplicadas nestas zonas protegidas, devido a “insuficiências críticas” para travar a perda de biodiversidade. “A maioria das medidas agroambientais adoptadas são aplicadas numa base facultativa e não há fiscalização do que pode ou não ser feito”, explicou João Gameiro.
“As medidas que recebem incentivos são implementadas durante três ou quatro anos, mas os agricultores podem recolher o dinheiro e mudar completamente a estratégia findo esse prazo”, sublinhou o investigador. “Estamos a falar de estratégias com um prazo muito curto.”
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Recorde aqui os resultados de outro estudo, publicado em 2018, que alertou para a situação crítica de outra importante ave estepária, o sisão, dentro da Rede Natura 2000.