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Espigueiros na aldeia de Lindoso. Estas estruturas usadas para o armazenamento, protecção e secagem do milho, são um símbolo das actividades agrícolas tradicionais que têm sido perdidas devido ao abandono rural. Foto: Adrián Regos

Paisagens “inteligentes” podem ser a solução para controlar incêndios

19.08.2020

Mais carvalhais e actividades agropastoris locais ajudam a reduzir o risco e impacto dos grandes incêndios florestais e a criar habitats para aves, anfíbios e répteis. Mas estas ferramentas continuam por explorar, demonstra novo estudo científico.

 

Gerir o território para proteger e promover o aumento das áreas agrícolas com estratégias de “gestão inteligente do fogo” poderá contribuir para mitigar incêndios florestais e conservar a biodiversidade, demonstra um estudo publicado recentemente na revista Ecosystem Services, e liderado por investigadores do CIBIO- InBIO (Centro de Investigação em Biodiversidade e Recursos Genéticos, InBIO Laboratório Associado da Universidade do Porto) e da Universidade de Santiago de Compostela (USC).

As alterações climáticas e o abandono regional do território ajudam a explicar os incêndios florestais dos nossos dias. Os impactos do fogo nas paisagens do Sul da Europa são cada vez maiores.

 

Os incêndios e seus impactos têm vindo a aumentar nas últimas décadas. Foto: Silvana Pais

 

Estes investigadores defendem que “é necessário avaliar outras alternativas de gestão do território que possam contrariar as atuais tendências do impacto do fogo nestas regiões”. Isto porque, acrescentam, são insuficientes as actuais políticas de gestão de incêndio, focadas na supressão imediata dos fogos e proporcionando uma transição para paisagens mais inflamáveis e propensas a incêndios.

Uma das alternativas, dizem, são as estratégias fire-smart, isto é “gestão inteligente do fogo”. Estas “visam controlar o regime de incêndios através da conversão da vegetação actual para uma menos inflamável”.

“Surpreendentemente, a eficiência destas estratégias na mitigação de grandes incêndios florestais, assim como os potenciais benefícios para a conservação da biodiversidade e prestação de serviços dos ecossistemas, permanece praticamente inexplorada.”

Este estudo, desenvolvido na Reserva da Biosfera Transfronteiriça Gerês-Xurés, fez a simulação da evolução da paisagem de acordo com diferentes estratégias de gestão do território para as próximas décadas (2020-2050). Foram analisados os potenciais impactos no regime do fogo, no sequestro e armazenamento de carbono e na disponibilidade de habitats para 116 espécies de aves, anfíbios e répteis.

 

Paisagem de montanha previamente afectada por um incêndio florestal da Reserva da Biosfera Gerês-Xurés. Foto: Adrián Regos

 

Os investigadores concluíram que a “protecção e o aumento das áreas agrícolas, combinadas com estratégias fire-smart (através da conversão de plantações florestais em carvalhais), poderão contribuir para uma redução de 50% das áreas ardidas por grandes incêndios florestais previstas para o período entre 2030 e 2050″.

Uma estratégia de gestão fire-smart também contribuiria para um aumento do sequestro de carbono na área estudada.

Mas os benefícios não se ficam por aqui.

“Estas políticas integradas também poderão contribuir para um aumento da disponibilidade de habitat para espécies sem-proteção/não-ameaçadas dentro dos limites das áreas protegidas da reserva nos próximos 40 anos (mais de 100 km2 de habitat disponível em relação a 1990).”

Além disso, “parecem ser os cenários de gestão mais vantajosos para as espécies protegidas e/ou ameaçadas das áreas protegidas, garantindo uma estabilização de habitat disponível durantes as próximas três décadas”.

Segundo João Campos, investigador do CIBIO-InBIO e um dos autores do estudo, “a implementação de políticas agrícolas que fomentem e protejam as atividades agropastoris locais poderá contrariar os efeitos negativos associados ao abandono rural, podendo reduzir consideravelmente o risco e impacto dos grandes incêndios florestais (em cerca de 50% das áreas ardidas de acordo com o nosso estudo) nas regiões montanhosas de interior da Península Ibérica”.

 

Espigueiros na aldeia de Lindoso. Estas estruturas usadas para o armazenamento, protecção e secagem do milho são um símbolo das actividades agrícolas tradicionais que têm sido perdidas devido ao abandono rural. Foto: Adrián Regos

 

Este estudo foi liderado pela investigadora do CIBIO-InBIO e bombeira voluntária Silvana Pais. O trabalho foi desenvolvido no âmbito do FirESmart, um projecto de investigação colaborativo financiado pela FCT (Fundação para a Ciência e a Tecnologia – Portugal) e coordenadao pelo investigador da USC Adrián Regos, que procura soluções baseadas na natureza rentáveis para maximizar os benefícios entre a prevenção de incêndios e os serviços dos ecossistemas. Este trabalho contou ainda com a colaboração de vários investigadores associados a diversos institutos e centros de investigação de Portugal e Espanha (proMetheus, CREAF, Universidade de Santiago de Compostela, CITAB, CIMO e CSIC).

Helena Geraldes

Sou jornalista de Natureza na revista Wilder. Escrevo sobre Ambiente e Biodiversidade desde 1998 e trabalhei nas redacções da revista Fórum Ambiente e do jornal PÚBLICO. Neste último estive 13 anos à frente do site de Ambiente deste diário, o Ecosfera. Em 2015 lancei a Wilder, com as minhas colegas jornalistas Inês Sequeira e Joana Bourgard, para dar voz a quem se dedica a proteger ou a estudar a natureza mas também às espécies raras, ameaçadas ou àquelas de que (quase) ninguém fala. Na verdade, isso é algo que quero fazer desde que ainda em criança vi um documentário de vida selvagem que passava aos domingos na televisão e que me fez decidir o rumo que queria seguir. Já lá vão uns anos, portanto. Desde então tenho-me dedicado a escrever sobre linces, morcegos, abutres, peixes mas também sobre conservacionistas e cidadãos apaixonados pela natureza, que querem fazer parte de uma comunidade. Trabalho todos os dias para que a Wilder seja esse lugar no mundo.

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