Novos acordos, projectos, planos e estratégias são aguardados para os próximos meses para fazer avançar a conservação do lince-ibérico. João Alves, coordenador do programa de reintrodução da espécie em Portugal, ajuda a compreendermos o que se espera.
A conservação do lince-ibérico (Lynx pardinus) prepara-se para entrar numa nova fase. Uma que empurrará esta espécie para fora da Lista Vermelha da União Internacional para a Conservação da Natureza (UICN).
Hoje foram conhecidos os resultados do Censo de 2024. Ficámos a saber que existiam, pelo menos, 470 fêmeas reprodutoras territoriais. Para que a espécie ganhe um estatuto de conservação favorável, são precisas entre 750 a 900.
Outras contas a fazer prendem-se com o número de linces-ibéricos – meta é conseguir um total de 3500 linces na Península Ibérica até 2035 – e com a criação de novas áreas de reintrodução (oito previstas).
Actualmente, o esforço conservacionista orbita em redor de um projecto ibérico, o LIFE LynxConnect, que começou em setembro de 2020 e terminaria a 30 de setembro de 2025.
No entanto, João Alves, coordenador do programa de reintrodução da espécie em Portugal e responsável do Instituto de Conservação da Natureza e das Florestas (ICNF), adiantou à Wilder que o projecto LIFE LynxConnect foi prolongado por mais seis meses, até março de 2026. “Já temos a comunicação formal vinda de Bruxelas com a aceitação formal dessa prorrogação.”
E depois?
Neste momento, Portugal e Espanha estão a preparar uma candidatura aos responsáveis europeus pelos projectos LIFE para o projeto que irá dar continuidade a este trabalho de conservação. A meta é conseguir apresentar a candidatura até Outubro deste ano.
O projeto LIFE em vigor focou-se na interligação entre núcleos populacionais e em criar novos. Agora, parece que o caminho será outro. “Penso que a intenção será integrar a conservação in-situ com a conservação ex-situ. Até aqui o LIFE só tem financiado a componente in-situ, no meio natural”, adiantou.
Entre as prioridades em cima da mesa estão as novas tecnologias de seguimento que não exijam tantos meios humanos e tantas horas de trabalho. “Temos de encontrar outras metodologias de monitorização e seguimento (dos linces na natureza) porque o esforço que se exige para seguir quase 2500 animais é tremendo”, comentou. “Não é possível fazer um seguimento com tanto detalhe.” “São, de facto, muitas horas de trabalho, muitos quilómetros percorridos, são análises de milhares e milhares de imagens que as câmaras de foto-armadilhagem captam”, acrescentou.
João Alves acredita que, “eventualmente, vai-se recorrer a outras técnicas para se ter uma quantificação o mais rigorosa possível”.
Os conservacionistas deverão apostar ainda no reforço da diversidade genética do lince-ibérico, uma das grandes fragilidades desta espécie.
Em 2016, uma equipa de 50 cientistas coordenada por José Antonio Godoy, da Estação Biológica de Doñana, conseguiu sequenciar o genoma do lince-ibérico e descobriu que este felino tem uma das menores diversidades genéticas do mundo. Na verdade, o genoma do felino das barbas tem menos diversidade genética do que outros mamíferos ameaçados, como o diabo-da-Tasmânia, ou de aves, como o íbis-japonês. Há milhares de anos que o ADN do lince-ibérico está a empobrecer. Os investigadores acreditam que esta erosão genética foi causada por uma série de três episódios de declínios severos nas populações de lince na Europa, mesmo “anteriores ao conhecido declínio demográfico do século XX”.
Segundo João Alves, o próximo projeto dedicado ao lince deverá ser “muito direccionado para a genética, porque a degradação genética no meio natural é um problema que deverá acontecer novamente, por causa dos acasalamentos não controlados no meio natural”.
“Em cativeiro, nos centros de reprodução, conseguimos controlar os acasalamentos; não o conseguimos fazer na natureza. Infelizmente, às vezes, há machos que são um bocadinho, digamos, dominadores e acasalam com as fêmeas todas que vivem ali à volta, muitas vezes com irmãs, filhas. E depois a genética volta a degradar-se.”
Por isso, será necessário intervir pontualmente, por exemplo, através de translocações de animais que se estejam a reproduzir em excesso em determinado núcleo populacional. Ou de animais nascidos em cativeiro para voltar a melhorar a genética. “Vai ser um trabalho mais de fazer gestão genética do que continuar a libertar em quantidade.”
“Esperemos que consigamos esta candidatura que, se for aprovada, só arrancará em Setembro de 2026.”
Uma nova estratégia ibérica e um novo acordo para o CNRLI
Entretanto, há mais documentos relacionados com a conservação e o futuro do lince-ibérico à espera de luz verde.
Um deles tem a ver com o funcionamento do único centro de reprodução de lince-ibérico em Portugal, o CNRLI, em Silves.
O CNRLI, começado a construir em Junho de 2008 e terminado em Maio de 2009, resulta de uma medida de compensação pela construção da barragem de Odelouca, imposta pela União Europeia, e é financiado pela empresa Águas do Algarve, S.A. Esta é a proprietária da Herdade das Santinhas, onde está localizado o centro, e dos diversos componentes que constituem o CNRLI, com exceção do CTRLI, já construído pelo Instituto de Conservação da Natureza e das Florestas (ICNF) e em operação desde dezembro de 2019.
Originalmente, o CNRLI tinha funcionamento assegurado até 2025. Mas a 14 de março deste ano foi assinado em Faro um memorando de entendimento entre o ICNF e a Águas do Algarve, S.A. que prevê a formalização até ao final de 2025, da sua prorrogação até 2037.
“Até ao final do ano tem de ser feito um novo protocolo e um novo contrato de comodato porque este termina a 31 de Dezembro deste ano e tem de ser renovado. A senhora ministra achou que devia formalizar, desde já, esse compromisso. E é isso o que o memorando de entendimento diz: até ao final do ano temos de assegurar a continuidade do funcionamento do CNRLI”, explicou João Alves.
Isto porque “temos de ter sempre (linces) reprodutores em cativeiro para acautelar algum problema momentâneo que possa surgir, como uma doença que possa afectar os animais ou a escassez dramática de presas em que tenhamos novamente que voltar a intervir de uma forma mais significativa na natureza”, comentou João Alves.
O financiamento do centro será assegurado pelo Fundo Ambiental, cujo orçamento para 2025 já foi aprovado. “Pela primeira vez, menciona explicitamente o projecto de conservação do lince-ibérico e alcateias. São 3 milhões e 300 mil euros para o lince, alcateias e vigilantes da natureza. Ou seja, é uma verba significativa.”
O outro documento a aguardar luz verde é a Estratégia de Conservação do Lince-Ibérico em Espanha e Portugal, que já foi aprovada no ano passado pelo Governo espanhol. Neste momento, o documento “está no gabinete para ser homologado pela senhora ministra” do Ambiente, disse João Alves. Portugal também participou na elaboração desta estratégia. ” Participámos na sua elaboração, nós (ICNF), o dr. Rodrigo Serra que é o coordenador da reprodução em cativeiro a nível ibérico. Foi um trabalho intenso, demorou cinco a seis anos”.
A estratégia já “foi aprovada pelo conselho directivo do ICNF mas tem de ser homologado pela senhora ministra e agora aguarda a retoma da entrada em funções do futuro Governo”. “Convirá que essa homologação seja feita para podermos estar equiparados com o lado de lá da fronteira. Nada me indica que não venha a ser aprovado pelo Governo central.”
Entretanto, o Plano de Acção para a Conservação do Lince-Ibérico (PACLIP) continua a aguardar actualização; está em vigor o plano de 2015-2020. “Claro que (o facto de não termos um PACLIP actualizado) fragiliza e não facilita as coisas. Obviamente que tem coisas desactualizadas, que precisavam de ser modificadas. De qualquer modo, o PACLIP de 2015-2020, enquanto não existir outro, mantém-se em vigor. Não caduca automaticamente”, comentou o responsável. “Estamos a aguardar que o assunto volte a ser retomado para podermos ter então o novo PACLIP aprovado.”
João Alves aguarda com expectativa o futuro próximo da conservação do lince-ibérico. “Com estas perspectivas, à partida há condições para as coisas se poderem concretizar, exista vontade política dos decisores para que essas condições sejam aproveitadas.”