Os sinais de presença continuada indicam que este predador de topo está de regresso a um distrito de onde tinha desaparecido há muitas décadas. As primeiras análises em laboratório apontam para a presença de uma fêmea.
Samuel Infante, que trabalha todos os dias com a monitorização e conservação de fauna selvagem, tem a certeza sobre o regresso do lobo-ibérico aos concelhos de Castelo Branco, Idanha-a-Nova e Penamacor. “Não há dúvidas de que a espécie está de volta ao território e de que temos de lidar com isso”, afiançou à Wilder este responsável da Quercus – Associação Nacional para a Conservação da Natureza, que coordena o CERAS – Centro de Estudos e Recuperação de Animais Selvagens de Castelo Branco.
Os sinais deste grande mamífero começaram a surgir há pouco mais de um ano, em Dezembro de 2020, quando um jovem estudante fotografou por acaso um exemplar da espécie. Alertada por esse avistamento, a equipa da Quercus em Castelo Branco instalou câmaras de fotoarmadilhagem na zona, que resultaram na recolha de mais imagens da espécie, e foi recolhendo indícios de presença – incluindo dejectos que foram enviados para laboratório, para a realização de análises genéticas.
Entretanto, os primeiros resultados dessas análises apontam para a presença de “uma fêmea”. Este é um facto “bastante interessante”, indica Samuel Infante, uma vez que “os lobos machos jovens tendem a dispersar” sem se prenderem a um território, enquanto que as fêmeas “são mais fixas aos locais”. E apesar de estarem à espera de mais resultados das análises, a equipa acredita que podemos estar perante “uma nova alcateia” que se está a estabelecer na região.
As análises genéticas vão especificar também a que população pertence originalmente esta fêmea. Pode por exemplo ter ali chegado vinda de Espanha, como aconteceu com um lobo isolado encontrado morto na mesma região, com sinais de atropelamento e envenenamento, em 2004. Este macho, que exibia fortes sinais de ter sido perseguido, “provinha de uma subpopulação a norte de Salamanca”.
Ou então, esta fêmea pode ter origem nas alcateias que habitam o território nacional. Até aos anos 30 do século XX o lobo-ibérico estava presente por todo o país, até ao Algarve, mas ao longo de décadas foi sendo empurrado para norte, fugindo da perseguição humana. Os últimos dados científicos conhecidos têm cerca de 20 anos e apontam para cerca de 300 lobos distribuídos por 60 alcateias – principalmente no Alto Minho e em Trás-os-Montes mas também algumas a sul do Douro. Em breve deverão ser actualizados, graças ao novo censo nacional da espécie que teve início em 2019.
Mas para já, quanto à região de Castelo Branco, a prioridade é saber mais sobre o que ali se passa em articulação com a equipa do censo. Os próximos passos vão traduzir-se na busca de mais indícios numa área alargada, para além das zonas onde a presença da espécie já está confirmada. Por outro lado, vai-se “tentar confirmar o número de indivíduos e o sexo”. “Temos de perceber o que temos exactamente neste território, pois esse conhecimento é fundamental para se definirem as acções futuras.”
“Temos de reaprender a coexistir”
O certo é que as pessoas da região vão precisar de adoptar novos hábitos. “Temos de reaprender a coexistir com este grande predador ameaçado”, avisa o coordenador do CERAS.
Nos últimos anos vários projectos foram preparando o regresso da espécie, que já era esperada num território com abundância de presas como o veado, o corço e o javali e onde a desertificação humana é cada vez maior. Uma das principais medidas no terreno foi precisamente o reforço de presas selvagens, por exemplo, mas houve também a entrega de cães de guarda a proprietários de rebanhos, através de projectos como o LIFE Wolflux.
Por outro lado, reforçaram-se as acções de combate ao uso de venenos ilegais que podem ser usados contra animais selvagens, com a formação de uma equipa cinotécnica local, no âmbito da GNR, constituída por um agente e um cão especializados na detecção dessas substâncias. E hoje, “o problema dos venenos está mais ou menos controlado.”
No entanto, “ainda há muito trabalho de sensibilização a fazer”, alerta o responsável da Quercus, que nota que na região “há um problema muito grave de ataques de cães assilvestrados a animais de gado”, que poderão ser erradamente confundidos com lobos.
Entretanto, a informação sobre a presença deste predador já é conhecida pelas diferentes partes interessadas, incluindo a GNR e o Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas e também várias organizações não governamentais de ambiente, incluindo o Grupo Lobo, ligado ao estudo e conservação destes mamíferos. Importante, avisa Samuel Infante, é que as autoridades “vejam as áreas que são utilizadas pela espécie e que adequem a gestão desses espaços à presença do lobo”.
Samuel Infante lembra também que, além de ser uma oportunidade no que respeita ao eco-turismo, o lobo é fundamental no controlo de doenças como a tuberculose em cervídeos e javalis – um problema grave na região, que contagia animais de pecuária e pode chegar aos humanos. “Há um desequilíbrio de espécies e estas doenças são oportunistas. Os lobos alimentam-se das presas mais fracas porque têm mais facilidade para apanhar um animal doente e por isso podem ter aqui uma função importante em termos sanitários.”
Projecto para nova autoestrada levanta preocupações
Mas ao mesmo tempo que se está a confirmar o regresso do lobo, o projecto de construção do novo itinerário complementar IC31 lança uma sombra sobre o futuro da espécie nesta parte do Interior. Em causa está uma rodovia em perfil de autoestrada que deverá ligar Alcains, em Castelo Branco, à fronteira espanhola na zona de Monfortinho, passando pela zona de Idanha-a-Nova.
“Estamos a falar de uma nova estrada com mais de 50 quilómetros que vai representar uma barreira física para a espécie e também um perigo de atropelamento para estes animais”, sublinha Samuel Infante, que lembra que os atropelamentos têm sido uma das principais causas de morte para este predador de topo e que não entende a necessidade de “mais uma autoestrada”.
Actualmente em fase de concurso, o projecto “vai ter um impacto muito significativo sobre o lobo, que pode pôr em causa o regresso da espécie à região”, sublinha o responsável da Quercus. “Estamos envolvidos em vários movimentos de contestação ao IC31 e vamos usar todos os meios ao nosso dispôr para impedir a sua construção.”