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Morte de aves em pisciculturas: Monitorização pelo ICNF aguarda condições e mais meios

23.07.2020

O ICNF tem previsto um programa de monitorização para avaliar o problema das aves que morrem devido às redes usadas em pisciculturas. Todavia, para já não arrancou devido à necessidade de mais condições e à “finitude” de meios humanos e materiais, indicou a entidade reguladora à Wilder.

 

O Instituto de Conservação da Natureza e das Florestas (ICNF) tem neste momento um programa de monitorização delineado, no Centro do país, para analisar o problema das aves mortas em pisciculturas, mas que está sem condições para arrancar neste momento, indica a entidade reguladora.

Muitas aves têm sido apanhadas e feridas em redes usadas pelas estações de piscicultura, onde essas estruturas, muitas vezes feitas com fio de pesca, são colocadas em volta dos tanques para evitar que os peixes sejam comidos. Aves de espécies diferentes sofrem ali uma “morte lenta” sem se conseguirem libertar das redes, que devido à cor usada são praticamente invisíveis, denunciou esta semana a Sociedade Portuguesa para o Estudo das Aves (SPEA), acrescentando que o ICNF nada fez até ao momento.

 

Ave morta em rede numa piscicultura do Estuário do Mondego. Foto: Joaquim Teodósio/SPEA

 

O problema já tinha sido alvo de um alerta em Fevereiro por um técnico ligado a um projecto de conservação, José Jambas, que fotografou uma águia-de-bonelli – espécie ameaçada de extinção – morta na rede de uma estação de piscicultura na Figueira da Foz.

Em resposta a questões enviadas esta semana pela Wilder, o ICNF indicou que está previsto o lançamento de um programa de monitorização na região Centro, com dois objectivos: analisar a “predação causada pelas aves nas explorações dos estabelecimentos aquícolas” e determinar qual a quantidade e quais as espécies de aves que ali são mortas.

O instituto quer ainda obter informação que “permita definir as características técnicas que devem possuir as redes ou outras dispositivos que evitem/diminuam a predação das aves nos tanques das pisciculturas e que simultaneamente minimizem a mortalidade/ferimentos das aves”.

 

Aves mortas na rede de uma piscicultura na Figueira da Foz. Foto: José Jambas

 

No entanto, é necessário cumprir “vários requisitos formais e legais relacionados com o direito de propriedade, questões de sanidade em instalações aquícolas, entre outros, que fazem com que a operacionalização não seja imediata”.

Por outro lado, acrescentam, sendo essa monitorização “feita por pessoas”, é necessária “a definição de prioridades, dada a finitude de recursos, quer humanos quer materiais”. Na região Centro, a equipa do ICNF desenvolve trabalhos em sete áreas da Rede Natura 2000, abrangidas pela legislação europeia. Resultado? Isso “também tem contribuído para a demora na implementação do programa de monitorização.”

 

“Elevada possibilidade” de morte de aves no estuário do Mondego

Referindo-se ao Estuário do Rio Mondego, o instituto que fiscaliza a conservação da natureza adianta que “existe uma elevada possibilidade de que a mortalidade de aves causada pelos dispositivos utilizados para protecção dos tanques nas explorações de estabelecimentos de aquaculturas possa ser muito significativa”.

Isso devido às características biofísicas desta zona, “que constitui uma área de ocorrência confirmada de mais de 180 espécies de aves, pela presença das explorações de estabelecimentos de aquaculturas e pela ecologia alimentar de várias das espécies de aves, designadamente das cerca de 30 espécies com ecologia marinha.”

Sempre que uma estação de piscicultura pretende introduzir métodos para afugentar esses animais – que podem incluir gravações de predadores, espantalhos e fitas – tem de pedir uma autorização ao ICNF, conhecida por licença de espantamento. Essas licenças não autorizam todavia a morte das aves ou qualquer acto que a possa causar.

 

Redes no rio Mondego. Foto: Joaquim Teodósio/SPEA

 

Por vezes, caso haja um pedido, também pode autorizar-se a instalação de estruturas físicas “para dissuadir as aves”, o que segundo o instituto inclui “o atravessamento de fios de nylon ou de outro tipo de fio, coloridos (de modo a ser visível para as aves) ou com pequenos objetos / fitas coloridas penduradas”.

“Em relação a pisciculturas, e nos últimos dois anos, o ICNF emitiu uma única licença para utilização de medidas anti predadores para uma piscicultura localizada no concelho da Figueira da Foz, fora de área classificada.”

 

Registos de “oito aves” nos últimos anos

A necessidade de um estudo mais aprofundado deve-se à falta de dados que para já estão disponíveis, justifica também o ICNF. De acordo com o instituto, foi pedida informação a centros de recuperação de fauna no Centro do país sobre o número de aves ali entradas nos últimos anos, vítimas de “colisão com dispositivos de dissuasão instalados nos estabelecimentos de aquacultura”.

“Da análise dessa informação ressaltou que 4 aves (3 aves de rapina e 1 corvo marinho) foram recolhidos nesses centros, existindo ainda mais 4 casos (1 flamingo, 1 corvo marinho e duas gaivotas) que deram entrada nesses centros com ferimentos compatíveis com incidentes em redes.”

Por serem tão poucos os registos obtidos, acrescentam, não é possível “identificar ‘espécies mais comuns’ ou quais as mais frequentes, nem fazer qualquer avaliação, quantitativa e qualitativa, da mortalidade de aves causada pelas redes utilizadas para proteção dos tanques nas explorações de estabelecimentos de aquaculturas”.

 

Outra das aves encontradas mortas por técnicos da SPEA. Foto: Joaquim Teodósio/SPEA

 

O pedido de informações aos centros de recuperação seguiu-se a uma reunião em Fevereiro, em Coimbra, depois de denúncias relativas às mortes de aves apresentadas pela Associação Milvoz.

Neste encontro, recorda o ICNF, estiveram representantes da Direção Regional de Conservação da Natureza e Florestas do Centro (DRCNF-C) e da Direção-Geral de Recursos Naturais, Segurança e Serviços Marítimos (DGRM), tal como de organizações não-governamentais da área do ambiente (ONGA) – como é o caso da SPEA e da Milvoz – Associação Portuguesa de Aquacultores, empresas do sector e uma empresa consultora das ONG da área do ambiente.

Na reunião, “ficou estabelecido que as ONG da área do ambiente, conforme proposto pelas mesmas, constituiriam um ‘consórcio’, para em articulação com a Associação Portuguesa de Aquacultores desenharem um projecto a apresentar a financiamento público, com vista a procurar estudar o problema e identificar possíveis medidas de minimização”, afirma também a entidade reguladora.

Inês Sequeira

Foi com a vontade de decifrar o que me rodeia e de “traduzir” o mundo que me formei como jornalista e que estou, desde 2022, a fazer um mestrado em Comunicação de Ciência pela Universidade Nova. Comecei a trabalhar em 1998 na secção de Economia do jornal Público, onde estive 14 anos. Fui também colaboradora do Jornal de Negócios e da Lusa. Juntamente com a Helena Geraldes e a Joana Bourgard, ajudei em 2015 a fundar a Wilder, onde finalmente me sinto como “peixe na água”. Aqui escrevo sobre plantas, animais, espécies comuns e raras, descobertas científicas, projectos de conservação, políticas ambientais e pessoas apaixonadas por natureza. Aprendo e partilho algo novo todos os dias.

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