Árvore da vida das angiospermas. Imagem: RGB Kew

Mais de 200 cientistas ajudam a desvendar uma imensa árvore da vida para as plantas com flor

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Resultados podem ajudar com a classificação taxonómica das plantas, a descoberta de novos medicamentos e a conservação de espécies botânicas.

Um grupo de 279 cientistas de 138 instituições de vários locais do mundo, liderados pelos Jardins Botânicos Reais de Kew (RBG Kew), no Reino Unido, sequenciaram o ADN de mais de 9500 espécies de plantas com flor, incluindo espécies ameaçadas e outras já extintas. O anúncio foi feito recentemente pelo Museu de História Natural de Londres (MHNL), que participou neste estudo publicado pela revista científica Nature.

As plantas com flor, que formam o grupo das angiospermas, representam cerca de 90% de toda a vida botânica conhecida no planeta. No seu trabalho, os investigadores utilizaram 1,8 mil milhões de letras de código genético que abrange, além de vários milhares de espécies, quase 8000 géneros do mesmo grupo – cerca de 60 por cento do total.

O grupo das plantas com flor corresponde a cerca de 90% de toda a vida botânica conhecida no planeta. Foto: Wilder

“Os autores do estudo acreditam que estes dados vão ajudar futuras tentativas de identificação de novas espécies, refinar a classificação das plantas, desvendar novos compostos medicinais e conservar as plantas face às alterações climáticas e à perda de biodiversidade”, indica uma nota de imprensa divulgada pelo museu londrino.

Esta árvore da vida botânica em forma de ADN, que utilizou 15 vezes mais dados do que outros estudos recentes dedicados às plantas com flor, é um passo importante para que o mesmo seja feito em relação a todas as 330.000 espécies conhecidas deste grupo – o objetivo do projeto Kew’s Tree of Life Initiative.

“Analisar este montante de dados sem precedentes para descodificar a informação escondida em milhões de sequências de ADN foi um enorme desafio”, reconheceu Alexandre Zuntini, primeiro autor deste estudo e investigador nos RGB Kew. “Este trabalho também nos ofereceu a oportunidade única para reavaliarmos e aumentarmos o nosso conhecimento da árvore da vida das plantas, abrindo uma nova janela para explorar a complexidade da evolução das plantas.”

Como as primeiras flores dominaram

Devido ao estudo do registo fóssil, já no século XIX se acreditava que pouco depois de terem surgido na Terra, há cerca de 140 milhões de anos, as plantas com flor tinham começado rapidamente a diversificar-se em diferentes grupos de espécies até se tornarem dominantes – algo que que Darwin apelidou de “mistério abominável”.

As primeiras angiospérmicas surgiram há cerca de 140 milhões de anos. Foto: Joana Bourgard

Recorrendo ao estudo de 200 fósseis, a equipa deste estudo confirmou agora que as angiospérmicas explodiram em diversidade pouco tempo após o seu aparecimento no planeta, dando origem a mais de 80 por cento das principais linhagens de hoje em dia.

Essa tendência de rápida diversificação, todavia, baixou para um ritmo mais estável nos 100 milhões de anos seguintes, até à ocorrência de um novo “pico” há cerca de 40 milhões de anos, ao mesmo tempo que acontecia uma descida da temperatura mundial. “Estas novas descobertas podem ajudar os cientistas de hoje a compreender como e porque é que as espécies se diversificam”, sustenta o MHNL.

Novas técnicas genómicas

A equipa recorreu a técnicas genómicas que permitem hoje capturar magneticamente centenas de genes e centenas de milhares de letras de código genético de cada amostra. Dessa forma, avança o museu londrino, conseguiram “sequenciar uma vasta variedade de material de plantas, antigo e novo, mesmo quando o ADN estava muito danificado”.

Das plantas do estudo, um total de 511 estão hoje em risco de extinção. Outras já deparaceram mesmo da face da Terra. Por exemplo, uma das espécies sequenciadas foi a oliveira-da-ilha-de-guadalupe, que está dada como extinta desde 1875, mas que tinha plantas secas conservadas num herbário.

De acordo com os investigadores, as novas técnicas utilizadas poderão agora ser aplicadas em herbários de todo o mundo, “em quase 400 milhões de espécies científicos de plantas, alguns dos quais obtidos há tanto tempo como o século XIX”.

Além de materiais de herbários situados em 48 países diferentes, a equipa conseguiu também utilizar dados publicamente disponíveis de mais de 1900 espécies de plantas com flor, “o que demonstra o valor da ‘open science’ (ciência aberta) para a futura pesquisa genómica”.


Saiba mais.

Esta nova árvore da vida e a informação subjacente pode ser consultada, em acesso aberto, no Kew Tree of Life Explorer (em inglês).

Descubra também outras histórias curiosas e descobertas recentes ligadas ao ADN na série Está nos genes, escrita pelo investigador Pedro Andrade.

Inês Sequeira

Foi com a vontade de decifrar o que me rodeia e de “traduzir” o mundo que me formei como jornalista e que estou, desde 2022, a fazer um mestrado em Comunicação de Ciência pela Universidade Nova. Comecei a trabalhar em 1998 na secção de Economia do jornal Público, onde estive 14 anos. Fui também colaboradora do Jornal de Negócios e da Lusa. Juntamente com a Helena Geraldes e a Joana Bourgard, ajudei em 2015 a fundar a Wilder, onde finalmente me sinto como “peixe na água”. Aqui escrevo sobre plantas, animais, espécies comuns e raras, descobertas científicas, projectos de conservação, políticas ambientais e pessoas apaixonadas por natureza. Aprendo e partilho algo novo todos os dias.

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