A Liga para a Proteção da Natureza considera que o aterro destas Lagoas Temporárias Mediterrânicas para a instalação de uma cultura de morangos foi um crime de danos contra a natureza. Trata-se de um habitat protegido pela União Europeia.
A participação criminal contra os responsáveis agrícolas que destruíram as lagoas ao fazerem a terraplanagem dos terrenos onde aquelas estavam inseridas, para a instalação de uma exploração intensiva de morangos, deu entrada no Departamento de Investigação e Ação Penal de Odemira, anunciou a Liga para a Protecção da Natureza (LPN).
Em causa estão as últimas sobreviventes de um importante sistema que chegou a abranger cerca de 30 Lagoas Temporárias Mediterrânicas na costa entre a praia da Zambujeira e a praia do Carvalhal, no Parque Natural do Sudoeste Alentejano e Costa Vicentina, explica Rita Alcazar, da LPN. Estas lagoas, também conhecidas como Charcos Temporários Mediterrânicos, são um habitat de conservação prioritário ao abrigo da Directiva Habitats, “transposta para a legislação nacional e com várias obrigações para a sua salvaguarda”.
A destruição das cinco lagoas temporárias, que aconteceu em 2019, levou à entrada de uma queixa na Comissão Europeia em 2021, em que Bruxelas respondeu estar “a acompanhar o caso juntamente com as autoridades portuguesas” e que as actividades agrícolas não são isentas de licenciamento, recorda Rita Alcazar. Já o Instituto de Conservação da Natureza e das Florestas, contactado na altura também pela LPN, indicou que tinha efectuado um auto de contra-ordenação à empresa agrícola.
Ainda assim, a organização ambiental decidiu levar o caso à justiça e exigir mais consequências, “para que estes crimes não saiam impunes e se evitem mais situações destas”. Acompanhados pela sociedade de advogados Miranda & Associados, a título ‘pro bono’, trataram então de preparar e fundamentar a participação ao Ministério Público.
Raras e preciosas, mas porquê?
Mas porquê tanto trabalho por causa de cinco lagoas temporárias? “As Lagoas Temporárias Mediterrânicas têm uma biodiversidade que é única e que se tem conseguido manter ao longo de milhões de anos“, explica a responsável da LPN.
Estas lagoas são depressões no terreno que secam completamente nos meses mais quentes, mas que durante o resto do ano estão cheias de água devido à chuva. Por isso, albergam plantas e animais que se adaptaram a esses dois extremos e que não sobrevivem em mais nenhum sítio.
“O cardo-espinhoso-de-bicos-azuis comporta-se como uma planta aquática quando as lagoas têm água mas transforma-se num cardo espinhoso quando secam, com umas bonitas flores azuis”, exemplifica Rita Alcazar.
Outro exemplo são pequenos crustáceos do grupo dos grandes branquiópodes, como é o caso do camarão-girino e também do camarão-fada e do camarão-concha, que já por aqui andam desde o tempo dos dinossauros, há muitos milhões de anos. Reproduzem-se quando há água e vivem poucas semanas, ficando os ovos enterrados e bem protegidos no solo durante o tempo seco. “Quando volta a chover, os novos camarões nascem e o todo o ciclo se repete.”
Não é apenas a biodiversidade única que as distingue, mas também o facto de serem poucas – não apenas em território nacional mas também por toda a Europa. Em Portugal, há Lagoas Temporárias Mediterrânicas em vários pontos do país, em especial na metade sul, mas o Sudoeste Alentejano era apontado como um caso especial por ter “uma grande concentração de lagoas”.
Revisão da Política Agrícola Comum
Entre 2013 e 2018, ao abrigo do LIFE Charcos, financiado por fundos europeus, a LPN e outros parceiros deste projecto identificaram 133 lagoas nesta zona do país, comunicando a respectiva localização às autoridades portuguesas e europeias “para que a sua conservação fosse acautelada”, adianta uma nota de imprensa a associação ambiental.
No entanto, estes habitats frágeis têm sido destruídos e alterados de várias formas, incluindo a pressão agrícola e a pressão urbanística mas também a transformação destas depressões em verdadeiras lagoas, com água ao longo de todo o ano.
Com a denúncia entregue ao Ministério Público, Rita Alcazar espera que a decisão sobre o caso seja célere e que o mesmo não acabe arquivado, como tem acontecido com a maioria destas situações em Portugal. Os crimes de danos contra a natureza, segundo o artigo 278.º do Código Penal, podem ser punidos com pena de prisão até cinco anos, mas também as empresas podem ser responsabilizadas criminalmente.
Por outro lado, de forma a evitar que outras situações iguais continuem a acontecer, a LPN defende que é também urgente que o Ministério da Agricultura e o Ministério do Ambiente e Ação Climática avancem com uma nova medida agroambiental no âmbito da Política Agrícola Comum. “Estas lagoas costumam situa-se em terrenos privados. Era muito importante que os proprietários fossem compensados pela protecção e conservação de um bem público no seu terreno.”