lobo ibérico
Foto: Joana Bourgard

Livro Vermelho: Há 27 espécies de mamíferos ameaçados de extinção em Portugal

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O primeiro Livro Vermelho inteiramente dedicado aos mamíferos de Portugal Continental, apresentado esta tarde, revela que há 27 espécies ameaçadas. Nos últimos 18 anos, a situação do lince-ibérico melhorou, a do lobo-ibérico manteve-se e a do gato-bravo piorou. Saiba como estão as espécies portuguesas deste grupo de animais.

Dezenas de investigadores, técnicos e voluntários trabalharam durante três anos para descobrir como estão os mamíferos de Portugal, 18 anos depois da última avaliação, publicada no Livro Vermelho dos Vertebrados de Portugal, de 2005.

“Os mamíferos são um grupo relativamente bem conhecido que atrai o interesse dos cientistas e também do público em geral. No entanto, é escasso um conhecimento científico mais detalhado, incluindo áreas de distribuição e ocorrência, devido ao pequeno tamanho de algumas espécies, aos hábitos nocturnos da maioria das espécies e baixas densidades populacionais de outras”, disse à Wilder Maria da Luz Mathias, coordenadora-geral do novo Livro Vermelho dos Mamíferos de Portugal Continental, aquando do início desta aventura naturalista.

Lobo-ibérico. Foto: Arturo de Frias Marques/Wiki Commons

Hoje, estes peritos conseguiram melhorar o conhecimento que temos para 82 espécies, desde o lobo e o lince, passando pela cabra-do-gerês e pela toupeira-de-água, até aos morcegos, musaranhos e ratinhos. Sem esquecer as baleias e os golfinhos. No total, temos 27 espécies ameaçadas de extinção (correspondendo a um terço das espécies avaliadas).

Os resultados são apresentados hoje publicamente às 17h30 no Museu Nacional de História Natural e da Ciência em Lisboa.

Segundo o Livro Vermelho, as espécies de mamíferos mais ameaçadas do país – classificados como Criticamente Em Perigo (CR) – são o boto (Phocoena phocoena), a orca (Orcinus orca) e o morcego-rato-pequeno (Myotis blythii).

Em relação à última avaliação, publicada há 18 anos, o boto está hoje pior, tendo passado de Vulnerável para Criticamente em Perigo. Em Agosto do ano passado, uma equipa de investigadores que fez censos aéreos de 2011 a 2015 revelou que apenas registou 2.254 botos, um número “bastante baixo” e que põe em causa a sobrevivência da espécie no nosso país. Estima-se agora que a redução da população ultrapasse os 80% em 36 anos. A situação do boto, o cetáceo mais pequeno de Portugal, parece ser cada vez mais preocupante, principalmente por causa das capturas acidentais em artes de pesca. Na verdade, o boto é a segunda espécie com mais arrojamentos na costa portuguesa.

A orca não tinha em 2005 informação suficiente mas hoje sabe-se que está Criticamente Em Perigo. A orca que ocorre em águas portuguesas pertence à subpopulação do Estreito de Gibraltar que inclui menos de 50 indivíduos maturos. “Admite-se um declínio continuado no número de indivíduos maturos na subpopulação.”

Quanto ao morcego-rato-pequeno, manteve-se a classificação. Esta espécie está numa situação muito crítica em Portugal. A sua população é muito reduzida e estima-se que possa declinar 80% nas próximas duas décadas.

Lince-ibérico. Foto: Programa de Conservação Ex-Situ

Logo a seguir, classificados como Em Perigo, estão 10 espécies: lobo-ibérico (Canis lupus), lince-ibérico (Lynx pardinus), gato-bravo (Felis silvestris), toirão (Mustela putorius), toupeira-de-água (Galemys pyrenaicus), musaranho-anão-de-dentes-vermelhos (Sorex minutus), musaranho-de-dentes-brancos-pequeno (Crocidura suaveolens), morcego-de-ferradura-mediterrânico (Rhinolophus euryale), morcego-de-ferradura-mourisco (Rhinolophus mehelyi) e morcego-lanudo (Myotis emarginatus).

Deste grupo, destaca-se a situação da toupeira-de-água, que em 18 anos passou de Vulnerável para Em Perigo. Este pequeno mamífero, que vive junto aos rios mais límpidos e frescos, está hoje confinado a meros refúgios.

A espécie tem hoje uma área de ocupação estimada inferior a 500 km2. Segundo o Livro Vermelho, “mais de 30 % das populações podem estar isoladas, separadas mais de 20 km por habitat desfavorável e confinadas às secções de montante (montanhosas) das sub-bacias onde ocorre”.

Já em 2018 um estudo científico tinha lançado o alerta para o desaparecimento desta espécie. Nos últimos 20 anos, a toupeira-de-água desapareceu de 63,5% dos locais onde existia nas bacias do Tua e do Sabor, concluiu um estudo publicado na revista científica Animal Conservation por uma equipa de cinco investigadores do CIBIO-InBIO. Entre as causas estão as alterações climáticas – já que o aumento das temperaturas extremas no Verão pode reduzir a disponibilidade de água e a abundância de presas aquáticas – e a invasão daqueles rios por dois lagostins exóticos – lagostim-vermelho-do-Louisiana (Procambarus clarkii) e lagostim-do-Pacífico (Pacifastacus leniusculus) – que se alimentam das mesmas presas.

O gato-bravo é outra espécie que fez caminho semelhante, tendo subido mais um degrau nesta escada para a beira da extinção, passando de Vulnerável para Em Perigo. Em Outubro de 2021, investigadores alertaram que apenas nove gatos-bravos foram encontrados em Montesinho, bastião da espécie em Portugal. Esta população estará a sofrer uma extinção silenciosa, alertaram.

Segundo o Livro Vermelho, deverão restar hoje menos de 100 gatos-bravos maturos em Portugal e a área de ocupação desta espécie está estimada em menos de 500 km2. “O declínio da qualidade do habitat e os potenciais efeitos da hibridação, que podem ter ocorrido no passado, ou vir a ocorrer nos próximos 16 anos, poderão ter levado, ou vir a levar, à redução do tamanho da população na ordem dos 20 %.”

O lince-ibérico é o protagonista de uma história de sucesso, tendo conseguido passar de Criticamente Em Perigo para Em Perigo. Segundo o censo de 2022, Portugal, com um núcleo populacional, no Vale do Guadiana, terá 209 linces: 139 adultos e subadultos (dos quais 31 são fêmeas reprodutoras/territoriais) e 70 crias. Portugal tem assim 15,3% da população ibérica de lince-ibérico. E a tendência é de expansão. “Após uma unificação dos esforços de conservação entre Portugal e Espanha, vários projetos, apoiados pelo instrumento financeiro LIFE, conseguiram, com sucesso, utilizar animais criados em cativeiro para reintroduzir a espécie em áreas do centro e sudoeste da Península Ibérica”, destaca o Livro Vermelho.

Em Perigo, as novas espécies e as prioridades de conservação

Na categoria de ameaça Vulnerável (VU) estão incluídas 14 espécies como o coelho-ibérico (Oryctolagus cuniculus) e a lebre-ibérica (Lepus granatensis) que agravaram o seu estatuto desde a última avaliação e há um aumento da percentagem das espécies de roedores nesta categoria, como o rato-de-água (Arvicola sapidus) ou o rato-do-campo-lusitano (Microtus rozianus).

Foto: Johan Hansson / Wiki Commons

Em relação à anterior avaliação dos mamíferos de Portugal, publicada em 2005, verifica-se agora um agravamento de 22,8% para 29,7% das categorias Criticamente em Perigo (CR), Em Perigo (EN), Vulnerável (VU) e Quase Ameaçada (NT).

“Isto resulta do maior conhecimento sobre as espécies, mas também da degradação ambiental dos habitats adequados para a manutenção de populações estáveis”, segundo um comunicado do projecto do Livro Vermelho.

Mantém-se o estatuto de Regionalmente Extinto (EX) do urso-pardo (Ursus arctos) e uma diminuição para cerca de metade da percentagem de espécies com Informação Insuficiente (DD) de 27,2% vs. 13,9% (2005 vs 2022, respetivamente). Em todas as categorias de ameaça (CR, EN, VU, NT) há um aumento da percentagem de espécies de cetáceos ameaçadas.

Nesta lista de mamíferos ficámos a saber que, nos últimos 18 anos, Portugal Continental “ganhou” 14 novas espécies. Destas, cinco espécies só muito recentemente foram identificadas, concretamente o morcego-hortelão-claro (Eptesicus isabellinus), o rato-das-neves (Chionomys nivalis), o golfinho-pintado-do-atlântico (Stenella frontalis), a baleia-de-bico-de-sowerby (Mesoplodon mirus) e a baleia-de-bico-de-true (Mesoplodon bidens).

Urso-pardo. Foto: Thomas Wilken/Pixabay

Além das 14 espécies, foram avaliados e identificados pela primeira vez, como espécies distintas, outros cinco mamíferos, através da aplicação de novas técnicas de análise ou de revisões taxonómicas: o musaranho-de-água (Neomys anomalus), o morcego-de-franja-do-Sul (Myotis escalerai), o rato-do-campo-lusitano (Microtus rozianus), o rato-dos-lameiros (Arvicola scherman) e a baleia-piloto (Globicephala melas).

Os peritos que participaram no Livro Vermelho apontam como principais ameaças aos mamíferos portugueses a “degradação, destruição e fragmentação dos habitats naturais, devido à atividade humana”. A estes acrescem as “alterações climáticas, consideradas previsivelmente como um fator de ameaça à sobrevivência e manutenção de populações estáveis para a maioria das espécies”. 

A aplicação de pesticidas ou outros agrotóxicos é igualmente apontada como causa direta ou indireta de redução populacional, no caso dos morcegos, roedores e insectívoros. A contaminação dos cursos de água por elementos orgânicos ou inorgânicos é também preocupante para a sustentabilidade das espécies associadas aos meios aquáticos. O controlo de predadores é um fator de ameaça identificado para o grupo dos carnívoros, enquanto que a sobrepesca ou a morte acidental em artes de pesca são fatores de ameaça para os pequenos cetáceos.

O Livro Vermelho considera prioritárias a recuperação de habitats, a criação de mosaicos de habitats naturais ou seminaturais, a reabilitação das áreas florestais autóctones, o controlo e prevenção dos fogos florestais e a adopção de práticas e sistemas de produção mais sustentáveis. Para as espécies associadas aos meios aquáticos defende o controlo de acções com influência direta na alteração e poluição dos cursos de água. Para os morcegos cavernícolas, em particular, é fundamental a proteção legal e física dos abrigos, que dificultem o acesso de pessoas mas que permitam a circulação dos morcegos.


Saiba mais

Explore a fundo o Livro Vermelho dos Mamíferos de Portugal Continental aqui.

Helena Geraldes

Sou jornalista de Natureza na revista Wilder. Escrevo sobre Ambiente e Biodiversidade desde 1998 e trabalhei nas redacções da revista Fórum Ambiente e do jornal PÚBLICO. Neste último estive 13 anos à frente do site de Ambiente deste diário, o Ecosfera. Em 2015 lancei a Wilder, com as minhas colegas jornalistas Inês Sequeira e Joana Bourgard, para dar voz a quem se dedica a proteger ou a estudar a natureza mas também às espécies raras, ameaçadas ou àquelas de que (quase) ninguém fala. Na verdade, isso é algo que quero fazer desde que ainda em criança vi um documentário de vida selvagem que passava aos domingos na televisão e que me fez decidir o rumo que queria seguir. Já lá vão uns anos, portanto. Desde então tenho-me dedicado a escrever sobre linces, morcegos, abutres, peixes mas também sobre conservacionistas e cidadãos apaixonados pela natureza, que querem fazer parte de uma comunidade. Trabalho todos os dias para que a Wilder seja esse lugar no mundo.

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