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Foto: Programa de Conservação Ex-situ do Lince Ibérico

Lince-ibérico é uma das espécies com menor diversidade genética do mundo

15.12.2016

Uma equipa de 50 cientistas conseguiu sequenciar o genoma do lince-ibérico (Lynx pardinus), uma das espécies mais emblemáticas da Península Ibérica. Este trabalho, que descobriu que o felino tem uma das menores diversidades genéticas do mundo, pode ser um novo trunfo para a conservação da espécie.

 

O ADN do lince-ibérico sofre de uma “erosão extrema”. Na verdade, o genoma do felino das barbas tem menos diversidade genética do que outros mamíferos ameaçados, como o diabo-da-Tasmânia, ou de aves, como o íbis-japonês.

A investigação, publicada ontem na revista Genome Biology, foi coordenada pela Estação Biológica de Doñana e envolveu 50 investigadores de 12 instituições, a maioria espanholas.

Os cientistas conseguiram ler e ordenar 2.400 milhões de letras do ADN de Candiles, um lince-ibérico macho que nasceu na maior população da espécie, na Serra Morena (Andaluzia), e que é um dos fundadores do programa de reprodução em cativeiro. Foram identificados 21.257 genes, um número parecido ao do ser humano e de outros mamíferos.

“As consequências (do severo nível de erosão do genoma) são difíceis de prever mas, provavelmente, limitarão a capacidade do lince se adaptar a alterações no seu meio envolvente”, como doenças ou o clima, escrevem os autores do artigo.

Como consequência da escassa riqueza do ADN do lince, o seu genoma está carregado de variantes genéticas “potencialmente prejudiciais” que poderão estar a reduzir as taxas de sobrevivência e de reprodução. “Numa população grande, a selecção natural manteria estas variantes genéticas sob controlo”, diz José Antonio Godoy, da Estação Biológica de Doñana e investigador principal do projecto à agência espanhola EFE. Mas a consequência de viver e reproduzir-se num grupo pequeno é que imperfeições genéticas têm “mais probabilidade de serem frequentes”.

Há milhares de anos que o ADN do lince-ibérico está a empobrecer. Os investigadores acreditam que esta erosão genética foi causada por uma série de três episódios de declínios severos nas populações de lince na Europa, mesmo “anteriores ao conhecido declínio demográfico do século XX”.

Para chegar a esta conclusão, foram analisados os genomas de outros 10 linces-ibéricos: quatro da população de Doñana e seis da população de Andújar (Serra Morena). Estas são as duas únicas grandes populações sobreviventes na Península Ibérica, isoladas entre si há décadas. Além disso, foi feita a análise comparativa com um lince-euroasiático (Lynx lynx) – um macho nascido em cativeiro em 2007, no Zoológico de Córdova – para conhecer quais as relações entre as duas espécies de linces que habitam na Eurásia.

O lince-ibérico começou a afastar-se do seu “irmão” o lince-euroasiático (Lynx lynx) há cerca de 300.000 anos e, ainda que tenham continuado a cruzar-se e a trocar genes, ambas as espécies ficaram definitivamente separadas há 2.473 anos.

“Ao estar confinado à Península Ibérica, o lince-ibérico nunca foi uma população muito abundante. Mas além disso sofreu várias crises demográficas que marcaram ainda mais a sua diversidade genética”, diz Godoy.

A história demográfica do lince-ibérico foi marcada por três grandes declínios demográficos. O primeiro aconteceu há entre 700 e 100.000 anos e afectou tanto o lince-ibérico como o euroasiático. “Esta contracção pode ter separado as duas espécies”, escrevem os autores no artigo. Mas depois – coincidindo com um período entre glaciações (há entre 130 a 60.000 anos) e, por isso, mais favorável, – registou-se um aumento temporário das populações de linces na Europa e o cruzamento entre animais das suas espécies. O período de arrefecimento que se seguiu terá causado o segundo declínio das populações voltando a isolar as duas espécies. O terceiro episódio aconteceu bem mais recentemente, há 315 anos. As populações de lince-ibérico foram quase dizimadas, restando apenas 300 animais. “Este período é caracterizado pela expansão das populações humanas, pela perseguição dos grandes carnívoros, pela destruição da floresta e pela expansão das áreas para agricultura na Europa”, explicam os cientistas.

A estes três episódios há que acrescentar a drástica quebra no número de linces-ibéricos durante a segunda metade do século XX. A perseguição directa, a destruição do seu habitat e as duas grandes epidemias virais da principal presa (coelho-bravo) deixaram o lince-ibérico reduzido a menos de 100 animais (cerca de 60 em idade reprodutora) divididos por duas populações isoladas na Andaluzia (Doñana e Serra Morena). Os autores acreditam que estas duas populações são o que restou de uma única população ancestral.

Em 2002, a União Internacional para a Conservação da Natureza (UICN) incluiu o lince-ibérico na Lista Vermelha de espécies Criticamente Ameaçadas. As listas de 2006 e 2008 mantiveram o estatuto. Mas hoje, graças aos esforços conservacionistas dos últimos 14 anos, a população de lince-ibérico está estimada em mais de 400 animais na natureza.

Segundo o estudo, a população de Doñana, isolada pelo menos desde a década de 50 do século XX, é a mais grave. Ali, os animais têm metade da diversidade genética dos animais que vivem na Serra Morena.

Perante este cenário de fragilidade, os investigadores salientam que os actuais esforços de conservação – tanto no programa ex situ (em cativeiro) como no programa in situ (melhoria do habitat) – “estão a responder às ameaças”, através da troca de animais entre as duas populações e da “gestão genética da reprodução em cativeiro, das translocações e das reintroduções”. Estas medidas terão contribuído para uma “modesta melhoria” do estado genético do lince.

Agora, os investigadores acreditam que “os novos recursos genómicos, desenvolvidos no âmbito do projecto, podem contribuir para optimizar uma gestão dirigida para a preservação máxima da diversidade genética, assim como diminuir, na medida do possível, a incidência dos defeitos genéticos que tenham maiores impactos na reprodução do lince-ibérico e na sua sobrevivência”.

Helena Geraldes

Sou jornalista de Natureza na revista Wilder. Escrevo sobre Ambiente e Biodiversidade desde 1998 e trabalhei nas redacções da revista Fórum Ambiente e do jornal PÚBLICO. Neste último estive 13 anos à frente do site de Ambiente deste diário, o Ecosfera. Em 2015 lancei a Wilder, com as minhas colegas jornalistas Inês Sequeira e Joana Bourgard, para dar voz a quem se dedica a proteger ou a estudar a natureza mas também às espécies raras, ameaçadas ou àquelas de que (quase) ninguém fala. Na verdade, isso é algo que quero fazer desde que ainda em criança vi um documentário de vida selvagem que passava aos domingos na televisão e que me fez decidir o rumo que queria seguir. Já lá vão uns anos, portanto. Desde então tenho-me dedicado a escrever sobre linces, morcegos, abutres, peixes mas também sobre conservacionistas e cidadãos apaixonados pela natureza, que querem fazer parte de uma comunidade. Trabalho todos os dias para que a Wilder seja esse lugar no mundo.

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