José Manuel Grosso-Silva, o guardião de milhares de insectos

Embaixadores por Natureza
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Na nossa mini série que lhe apresenta os peritos que, nos bastidores, identificam as centenas de espécies que os nossos leitores nos enviam, perguntámos ao entomólogo José Manuel Grosso-Silva porque se interessa tanto por insectos.

José Manuel Grosso-Silva, 49 anos, é o curador das coleções entomológicas do Museu de História Natural e da Ciência da Universidade do Porto. Já encontrou na janela da sala lá de casa um escaravelho que ainda nunca tinha sido visto na Península Ibérica. A diversidade e abundância dos insectos são coisas que o fascinam.

WILDER: Que idade tem, qual é a sua ocupação profissional e em que está a trabalhar neste momento?

José Manuel Grosso-Silva: Tenho 48 anos, sou biólogo especializado em insetos e sou o curador das coleções entomológicas do Museu de História Natural e da Ciência da Universidade do Porto. Sou, por isso, o responsável pela gestão e conservação destas coleções no Museu, o que inclui catalogar, informatizar e monitorizar coleções com tamanhos e idades muito variados (algumas têm mais de 50.000 exemplares e as mais antigas têm quase 150 anos), mas também estudar e ampliar as coleções. Uma outra tarefa, fruto do processo de reabilitação de espaços e coleções que decorre no Museu, é a transferência das coleções, que estão guardadas em armários e caixas muito variados, para caixas novas que são depois guardadas em condições controladas num dos espaços já reabilitados do Museu.

W: Porque é que se dedicou a este grupo de espécies?

José Manuel Grosso-Silva: Desde que me lembro que gosto de insetos e de outros invertebrados. Na verdade, de quando era miúdo o que me lembro melhor é das explorações que fazia na praia durante o verão, que eram um misto de caça e pesca. Não envolvia insetos, mas crustáceos, moluscos, anémonas, peixes das poças de maré. Esse interesse que já tinha materializou-se enquanto estudava na faculdade.

W: Como é que começou?

José Manuel Grosso-Silva: Como dizia, comecei a trabalhar com os insetos de Portugal enquanto tirava o curso de Biologia, pois foi nessa altura que comecei a estudar fauna portuguesa, quer fazendo uma coleção de insetos, quer recolhendo e organizando a informação publicada sobre a fauna de Portugal continental. Os primeiros registos de interesse que encontrei surgiram ainda nessa altura e foram publicados quando ainda era estudante.

W: O que o fascina mais nos insectos?

José Manuel Grosso-Silva: A diversidade e a abundância dos insetos são uma parte da razão desse fascínio: não precisamos de ir para áreas naturais longínquas, mesmo num passeio numa zona urbana (principalmente se houver jardins e quintais) podemos ver muita variedade de espécies e nunca sabemos que espécie que nunca lá vimos antes iremos encontrar. Em termos ecológicos, é mesmo a forma como participam em tudo, como herbívoros, predadores, parasitas, decompositores, polinizadores; é incrível a importância que têm para a restante biodiversidade! Nós vivemos verdadeiramente na era dos insetos e das plantas com flor, a importância dos dois grupos é esmagadora!

W: Quais são os principais desafios quando está a identificar espécies?

José Manuel Grosso-Silva: As coisas têm melhorado muito nas últimas décadas, mas o principal desafio continua a ser a bibliografia. Ou porque não há estudos sobre um grupo, ou porque são muito antigos, ou porque simplesmente é difícil termos acesso às publicações. Mas houve mesmo mudanças radicais. Quando comecei passávamos dias nas bibliotecas a recolher a informação, agora já se encontra muito do que necessitamos online. Um segundo desafio, não menos importante, surge na sequência do primeiro: é a necessidade de termos a informação organizada para quando encontramos uma espécie sabermos se o registo é interessante, se a espécie é conhecida da área, etc. Isto resolve-se construindo bases de dados nas quais esta informação é inserida, que é uma das coisas que faço há quase 30 anos sobre a fauna portuguesa.

W: Como tem sido participar no “Que Espécie é Esta?” 

José Manuel Grosso-Silva: É uma experiência muito recompensadora: por um lado vemos que as pessoas se interessam por conhecer o que encontram, as espécies com que partilham o espaço, por outro, podemos ajudar a que saibam que espécies são, o que fazem e em que condições vivem. E claro, os leitores, mesmo que não tenham encontrado as espécies, também aprendem e ficam mais atentos, por isso toda a gente ganha – e a biodiversidade também!

W: Tem alguma história curiosa relacionada com o seu trabalho de identificação de espécies que gostasse de partilhar?

José Manuel Grosso-Silva: Há sempre aspetos interessantes, curiosos ou engraçados (mesmo que às vezes só nós achemos isso…), mas tenho sempre alguma dificuldade em lembrar-me de exemplos. Uma das coisas muito interessantes que me tem acontecido é encontrar espécies que nunca tinham sido encontradas em Portugal e um aspeto curioso é que nalguns casos isso aconteceu dentro da minha casa: por exemplo, atualmente vivo num segundo andar em Vila Nova de Gaia, em plena área urbana e a poucos metros da autoestrada Porto-Lisboa. No entanto já encontrei em minha casa um escaravelho que não só era desconhecido de Portugal como de Espanha, ou seja, foi encontrado pela primeira vez na Península Ibérica na janela da minha sala.

Um bom exemplo de uma situação engraçada é quando vamos de viagem para uma área com interesse em termos de biodiversidade, como um Parque Natural, onde queremos fazer amostragens e esperamos registar espécies raras ou que nunca vimos antes, e quando paramos numa área de serviço descobrimos uma espécie mais interessante do que as que acabamos por encontrar no nosso destino. Isso tanto pode acontecer durante a noite, quando as luzes estão ligadas e é graças a elas que encontramos o inseto, como durante o dia, quando vemos o inseto numa janela no café ou num canteiro junto à esplanada. Há uns anos pousou em cima de mim uma vespa muito rara quando estava a tomar café numa esplanada num parque aquático em Trás-os-Montes. O que vale é que ando sempre com um ou dois frascos para estas eventualidades!…


Embaixadores por Natureza é uma mini série da Wilder dedicada à rede de especialistas que, desde 2017, são o coração do “Que Espécie É Esta?”. É o nosso reconhecimento e obrigado a tantas horas passadas a olhar com carinho, e de forma voluntária, para “os nossos” bichos e plantas. E a dar-lhes um nome. Sai todos os dias, de 1 a 18 de Agosto.

Helena Geraldes

Sou jornalista de Natureza na revista Wilder. Escrevo sobre Ambiente e Biodiversidade desde 1998 e trabalhei nas redacções da revista Fórum Ambiente e do jornal PÚBLICO. Neste último estive 13 anos à frente do site de Ambiente deste diário, o Ecosfera. Em 2015 lancei a Wilder, com as minhas colegas jornalistas Inês Sequeira e Joana Bourgard, para dar voz a quem se dedica a proteger ou a estudar a natureza mas também às espécies raras, ameaçadas ou àquelas de que (quase) ninguém fala. Na verdade, isso é algo que quero fazer desde que ainda em criança vi um documentário de vida selvagem que passava aos domingos na televisão e que me fez decidir o rumo que queria seguir. Já lá vão uns anos, portanto. Desde então tenho-me dedicado a escrever sobre linces, morcegos, abutres, peixes mas também sobre conservacionistas e cidadãos apaixonados pela natureza, que querem fazer parte de uma comunidade. Trabalho todos os dias para que a Wilder seja esse lugar no mundo.

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