Guilherme Caeiro-Dias mantém a curiosidade sobre cobras e lagartos que tem desde criança

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Na nossa mini série que lhe apresenta os peritos que, nos bastidores, identificam as centenas de espécies que os nossos leitores nos enviam, perguntámos ao biólogo Guilherme Caeiro-Dias porque se interessa tanto por répteis.

Guilherme Caeiro-Dias, investigador de 38 anos, foi um dos responsáveis por elevar ao estatuto de espécie a lagartixa-lusitânica (Podarcis lusitanicus), anteriormente descrita apenas como uma subespécie da lagartixa-do-noroeste (Podarcis guadarramae). Fique a conhecer melhor este especialista português actualmente a trabalhar nos Estados Unidos. 

WILDER: Que idade tem, qual é a sua ocupação profissional e em que está a trabalhar neste momento?

Guilherme Caeiro-Dias: Tenho 38 anos. Sou biólogo e o meu campo de investigação é Genética Populacional, que é uma área da Biologia Evolutiva que tenta interpretar padrões de variação genética nas populações e perceber que fatores originam esses padrões. Neste momento sou investigador de pós-doutoramento no Departamento de Biologia da Universidade do Novo México (EUA) e estou a trabalhar no desenvolvimento de marcadores genéticos que possam ser usados na avaliação da diversidade genética de espécies ameaçadas de peixes de água doce no sudeste dos Estados Unidos. Além disso continuo a colaborar com investigadores do Biopolis/CIBIO-InBio (Universidade do Porto, Portugal) e CEFE (Universidade de Montpellier, França) num projeto que tem como objetivo geral compreender os fatores que originaram e mantêm o isolamento reprodutivo entre as várias espécies de lagartixa do género Podarcis que ocorrem na Península Ibérica e que contribuíram para a sua evolução.

W: Porque é que se dedicou aos répteis?
Guilherme Caeiro-Dias: O interesse por répteis (e por anfíbios) começou antes de ter a oportunidade de focar a minha investigação nestes animais. Embora na maior parte dos casos seja necessário procurar ativamente estes animais, eles são relativamente fáceis de observar de perto e, para mim, é sempre excitante quando os encontro, quer seja a fazer trabalho de campo ou em passeios de lazer. E foi esse interesse que inicialmente me levou a procurar projetos de investigação relacionados com répteis e/ou com anfíbios.

W: E como é que começou?
Guilherme Caeiro-Dias: Desde criança que ouvia mitos e estórias sobre répteis, que para mim não faziam muito sentido, mas que, em geral, as pessoas tomam como certo. Penso que isso terá despertado em mim mais curiosidade do que medo. Mas foi mais tarde, durante o curso de Biologia na Universidade Évora, que comecei a saber mais sobre estes animais. Em particular, ajudou bastante ter conhecido e feito amigos com interesse em ir para o campo e observar estes animais. A partir daí a curiosidade aumentou ainda mais.

W: O que é que o fascina mais nos répteis?
Guilherme Caeiro-Dias: Poder observá-los de perto é, sem dúvida, uma das coisas mais fascinantes para mim.

W: Quais são os principais desafios quando está a identificar espécies?
Guilherme Caeiro-Dias: Depende das espécies em questão. Para mim, as espécies de lagartixa do género Podarcis que ocorrem na Península Ibérica, e que foram o objeto de estudo do meu doutoramento, incluem algumas das espécies mais difíceis de identificar. Talvez ache isso porque são as espécies com as quais tenho mais experiência. A maior dificuldade é que a variabilidade morfológica e de cores é tão grande que, por vezes, indivíduos de populações diferentes da mesma espécie são mais diferentes entre sim do que comparados com indivíduos de outras populações de espécies diferentes. É necessário observar várias características em muitos indivíduos para começar a ter termos de comparação e a partir daí distinguir essas espécies com mais confiança.

W: Tem alguma história curiosa relacionada com o seu trabalho de identificação de espécies que gostasse de partilhar?

Guilherme Caeiro-Dias: Durante o meu doutoramento, em Maio e Junho de 2015, juntei-me a três colegas em Espanha para fazer trabalho de campo em várias localidades a norte e noroeste de Madrid. Um dos locais era perto de Torrelaguna, a norte de Madrid. O objetivo era encontrar população de duas espécies em particular, a lagartixa-verde (Podarcis virescens) e a lagartixa-de-Guadarrama (Podarcis guadarramae), que ocorressem exatamente no mesmo local e recolher amostras para análises genéticas. Em geral estas duas espécies são fáceis de distinguir morfologicamente e pelos padrões de coloração. Já sabíamos que a norte dessa localidade existia uma das espécies e que dentro da localidade existia a outra. Nos primeiros dias de amostragem fiquei muito contente porque dentro da localidade conseguimos encontrar exatamente as duas espécies. Era exatamente o que queria encontrar. Consegui identificar indivíduos que claramente pertenciam a dois grupos com padrões de coloração diferentes. Então recolhemos um total de cerca de 70 amostras das duas espécies e fotografei todos esses indivíduos. Quando voltei a Portugal comecei a fazer trabalho de laboratório e um dos primeiros passos foi identificar geneticamente a espécie a que cada indivíduo pertencia. Quando obtive os resultados da identificação genética senti uma enorme frustração porque todos os indivíduos foram identificados como pertencentes à mesma espécie, a lagartixa-verde. Repeti a identificação genética de alguns dos indivíduos e obtive o mesmo resultado. Voltei a ver todas as fotografias e não percebi como é todos os indivíduos eram da mesma espécie, pois os padrões de coloração eram obviamente diferentes. Enviei algumas fotos para um dos meus orientadores em Franca que, juntamente com outro colega com décadas de experiência na identificação destes répteis, conseguiram perceber que a coloração de um dos grupos de indivíduos não era uma coloração típica para a espécie, mas que outros aspetos da morfologia correspondiam com o esperado para a lagartixa-verde. Foi frustrante, mas penso que faz parte da aprendizagem e reflete exatamente um dos maiores desafios na identificação de várias espécies de lagartixa deste género, que referi na questão anterior.


Embaixadores por Natureza é uma mini série da Wilder dedicada à rede de especialistas que, desde 2017, são o coração do “Que Espécie É Esta?”. É o nosso reconhecimento e obrigado a tantas horas passadas a olhar com carinho, e de forma voluntária, para “os nossos” bichos e plantas. E a dar-lhes um nome. Sai todos os dias, de 1 a 16 de Agosto.

Helena Geraldes

Sou jornalista de Natureza na revista Wilder. Escrevo sobre Ambiente e Biodiversidade desde 1998 e trabalhei nas redacções da revista Fórum Ambiente e do jornal PÚBLICO. Neste último estive 13 anos à frente do site de Ambiente deste diário, o Ecosfera. Em 2015 lancei a Wilder, com as minhas colegas jornalistas Inês Sequeira e Joana Bourgard, para dar voz a quem se dedica a proteger ou a estudar a natureza mas também às espécies raras, ameaçadas ou àquelas de que (quase) ninguém fala. Na verdade, isso é algo que quero fazer desde que ainda em criança vi um documentário de vida selvagem que passava aos domingos na televisão e que me fez decidir o rumo que queria seguir. Já lá vão uns anos, portanto. Desde então tenho-me dedicado a escrever sobre linces, morcegos, abutres, peixes mas também sobre conservacionistas e cidadãos apaixonados pela natureza, que querem fazer parte de uma comunidade. Trabalho todos os dias para que a Wilder seja esse lugar no mundo.

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