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Foto: Programa de Conservação Ex-situ/Arquivo

Jorge Palmeirim: “esta é a prova de que podemos recuperar espécies tão ameaçadas como o lince”

20.06.2024

Jorge Palmeirim tinha 20 anos quando foi uma das pessoas que lançou a campanha que trouxe o lince para a agenda nacional do país. Era preciso travar o desaparecimento da espécie na Serra da Malcata. Hoje, este biólogo, nome incontornável da comunidade conservacionista, dirigente da Liga para a Protecção da Natureza (LPN) e investigador na Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, diz que o sucesso na conservação do lince prova que é possível conservar espécies à beira da extinção. Entrevista.

WILDER: O lince-ibérico passou de espécie Em Perigo para espécie Vulnerável. Como interpreta esta alteração de estatuto?

Jorge Palmeirim: É mais um passo num ciclo. Passei por tudo. Lembro-me de quando o lince ainda tinha uma presença sólida no país, depois a fase em que quase desapareceu e agora a sua recuperação. É muito bom, é o reflexo de um esforço muito grande de Portugal e Espanha e prova que a conservação dirigida, no terreno, funciona e que é possível recuperar espécies tão ameaçadas como o lince. É muito positivo por provar isso.

W: Em que medida este sucesso conservacionista pode beneficiar outras espécies?

Jorge Palmeirim: Acima de tudo, é muito importante para o lince-ibérico, que é uma espécie chapéu-de-chuva já que a sua conservação tem implicações positivas em extensas áreas de habitat. Mas também beneficia outras espécies como, por exemplo, o abutre-preto e a águia-imperial-ibérica que também dependem muito do coelho-bravo. Ainda há imensas espécies mais discretas que também beneficiaram imenso com a conservação do lince. Além disso, este trabalho foi muito bom para a cooperação luso-espanhola, já que aproximou as duas comunidades conservacionistas. É um estímulo para mais projectos transfronteiriços, alguns já estão a acontecer, com o abutre-preto e a águia-imperial-ibérica. E é bom ainda porque demonstra o sucesso do financiamento europeu na conservação, especificamente do programa LIFE que financiou grande parte da conservação do lince. É bom a muitos níveis.

W: Foi uma das pessoas que lançou a campanha “Salvemos o Lince e a Serra da Malcata”, que decorreu de 1 de Junho de 1979 a 1 de Março de 1980, quando a espécie já vivia uma situação de grande fragilidade. O que recorda dessa altura? Parecia-lhe uma missão impossível?

Jorge Palmeirim: Na altura tinha 20 anos, nada me parecia impossível (risos). Estive com o Luís Palma, então a fazer a sua tese de licenciatura sobre o lince, na Malcata durante duas semanas a tentar seguir e apanhar linces. Era Inverno e nevou imenso, foi muito giro. Claro que não apanhámos nada. Nessa altura estava na direcção da LPN e um dia o Luís veio ter comigo a pedir para fazermos alguma coisa para travar as celuloses que queriam abater as árvores para plantar eucaliptos e pseudotsugas para fabricar pasta de papel. Combinámos os dois tentar fazer uma campanha mas os meus colegas da direcção da LPN da altura acharam que isso não iria dar em nada, que Portugal ainda não estava preparado. Mas, após muita insistência, acabaram por aceitar, para me calar. As minhas perspectivas eram boas mas as da direcção eram baixas. No final, a campanha acabou por exceder aquilo que estávamos à espera. O país estava um bocadinho sedento de uma intervenção que não fosse político-partidária. As pessoas tinham aprendido a bater-se por causas. Mas nem sequer sabiam que havia lince em Portugal e ficaram agradavelmente surpreendidas por Portugal ter um grande carnívoro, que estava muito ameaçado. O poster da campanha, desenhado pelo ilustrador Alfredo, teve um grande impacto. A campanha teve muito apoio popular e acabou por ser o segundo maior abaixo-assinado no país na altura, a seguir ao do aborto, com entre 50 mil a 60 mil assinaturas. Teve muito sucesso pela surpresa, por as pessoas estarem abertas a causas.

W: Hoje que outras espécies considera precisarem de esforços de conservação dirigidos?

Jorge Palmeirim: Apontaria o abutre-preto, a águia-imperial-ibérica, o gato-bravo, o morcego-rato-pequeno – que está muito, muito ameaçado, Criticamente Em Perigo – e alguns peixes dulciaquícolas. Seria muito bom terem projectos de conservação.

W: E quais os grandes trabalhos que Portugal tem pela frente na área da conservação?

Jorge Palmeirim: Lembro-me de dois em particular. O primeiro é melhorar a gestão da Rede Natura 2000, um problema que não está a ser ultrapassado. Esta Rede não tem sido gerida, nem na conservação de espécies e habitats, nem no estímulo a um desenvolvimento sustentável. O segundo é a questão do restauro, em especial agora que foi aprovada a Lei do Restauro da Natureza. Este é um projecto muito, muito importante. Seria bom aproveitarmos esta oportunidade, garantindo que nos afastamos de eventuais falsos projectos de restauro.

Helena Geraldes

Sou jornalista de Natureza na revista Wilder. Escrevo sobre Ambiente e Biodiversidade desde 1998 e trabalhei nas redacções da revista Fórum Ambiente e do jornal PÚBLICO. Neste último estive 13 anos à frente do site de Ambiente deste diário, o Ecosfera. Em 2015 lancei a Wilder, com as minhas colegas jornalistas Inês Sequeira e Joana Bourgard, para dar voz a quem se dedica a proteger ou a estudar a natureza mas também às espécies raras, ameaçadas ou àquelas de que (quase) ninguém fala. Na verdade, isso é algo que quero fazer desde que ainda em criança vi um documentário de vida selvagem que passava aos domingos na televisão e que me fez decidir o rumo que queria seguir. Já lá vão uns anos, portanto. Desde então tenho-me dedicado a escrever sobre linces, morcegos, abutres, peixes mas também sobre conservacionistas e cidadãos apaixonados pela natureza, que querem fazer parte de uma comunidade. Trabalho todos os dias para que a Wilder seja esse lugar no mundo.

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