Em Agosto, a equipa da SPEA Açores foi surpreendida por borrelhos-de-coleira-interrompida a nidificar no Ilhéu da Vila, em Santa Maria, algo que já não se verificava há uma década.
Foi um “feliz acaso”, disse Tânia Pipa, da Sociedade Portuguesa para o Estudo das Aves (SPEA) Açores. Dois ninhos de borrelho-de-coleira-interrompida (Charadrius alexandrinus) com adultos por perto foram encontrados no ilhéu da Vila quando a equipa da SPEA estava a monitorizar a população nidificante de garajaus – garajau-comum (Sterna hirundo) e garajau-rosado (Sterna dougallii) -, no âmbito do projecto LIFE IP AZORES NATURA.
Esta descoberta foi surpreendente porque “a espécie já não era registada no ilhéu desde 2012”, acrescentou Tânia Pipa à Wilder.
A nidificação do borrelho-de-coleira-interrompida é conhecida desde o início do século XX. Em 1997, os investigadores Verónica Neves, José Pereira e Rogério Feio encontraram um ninho e observaram o adulto a fazer o típico comportamento de fingir que tem a asa partida, para afastar os intrusos. Mas desde 2012 que esta espécie já não era vista a nidificar naquele ilhéu.
Segundo Tânia Pipa, “haverá pelo menos dois casais a nidificar presentemente no ilhéu”.
O ilhéu da Vila, com cerca de oito hectares, está integrado no Parque Natural da Ilha de Santa Maria e é uma das 13 áreas protegidas da ilha. Enquadra-se na Zona de Proteção Especial do Ilhéu da Vila e Costa Adjacente, na Área Importante para as Aves (IBA terrestre e IBA marinha).
Isto porque ali nidificam importantes colónias de aves marinhas, como o frulho (Puffinus lherminieri, 50 casais); alma-negra (Bulweria bulwerii, 54 casais); painho-da-madeira (Hydrobates castro, 200 casais), cagarro (Calonectris borealis, 329 casais); garajau-comum (Sterna hirundo), garajau-rosado (Sterna dougallii) e pontualmente garajau-de-dorso-preto (Onychoprion fuscatus) e estapagado (Puffinus puffinus).
“É um ilhéu rochoso de basalto, com declives e falésias, localizado a cerca de 270 metros ao sudoeste da ilha, com uma altitude máxima de 60 metros. No seu topo e nas falésias a rocha é coberta por solo com plantas das comunidades costeiras dos Açores. O ilhéu foi usado para criar gado até 1993 e é desabitado”, descreve a responsável da SPEA.
No ilhéu da Vila e nas outras zonas dos Açores, estes borrelhos vivem em zonas costeiras planas com vegetação rasteira e, embora sempre com água relativamente próxima, secas e arenosas/pedregosas (em geral pedras pequenas). A espécie é também observada em praias de areia e de calhau rolado, instalações portuárias, pastagens costeiras, terrenos lavrados e, frequentemente, no interior de aeroportos (pistas e terrenos adjacentes).
Qual a importância desta descoberta?
O ilhéu da Vila é uma das áreas de intervenção do projeto LIFE IP AZORES NATURA. Ali estão a ser desenvolvidas ações de conservação de recuperação de habitat para aumentar a disponibilidade de habitat disponível para as aves marinhas. Além disso estão a ser implementadas medidas de biossegurança para prevenir entradas de predadores introduzidos.
Por isso, “a reocupação do ilhéu pelo borrelho vem fomentar a importância desta relevante colónia nos Açores, sendo um indicador do sucesso das ações implementadas até ao momento, uma vez que indicam a saúde ambiental do ilhéu enquanto zona de nidificação para aves costeiras e marinhas”, explicou Tânia Pipa.
“Por outro lado, pode também indicar que os borrelhos se desloquem cada vez mais para sul e zonas inacessíveis para nidificar, o que pode indicar que os locais habituais podem estar sob perturbação. Infelizmente a monitorização destes locais não tem sido contínua, pelo que não podemos fazer uma correcta avaliação.”
O borrelho-de-coleira-interrompida encontra-se em todos os continentes, à excepção da Oceania.
Nos Açores, a espécie é residente com nidificação confirmada nas ilhas de Santa Maria, Terceira e pontualmente na Graciosa. Há também registos durante o período de Outono/Inverno nas restantes ilhas, em particular em São Miguel e no Grupo Central, e pontualmente no Grupo Ocidental.
“Apesar de muito restrita a população de Santa Maria é uma das mais importantes dos Açores” para esta espécie, comentou Tânia Pipa.
Tem como ameaças a “perturbação humana, devido à proximidade dos ninhos e convivência com atividades humanas em algumas ilhas, assim como, os predadores introduzidos”. “Em alguns dos principais locais, caso do aeroporto de Santa Maria e áreas adjacentes, os responsáveis estão tão sensibilizados que já sinalizam os ninhos para que não sejam pisoteados.”
Indiretamente as ameaças podem ser a poluição das zonas costeiras nas quais se alimentam e que usam como habitat.
Saiba mais aqui sobre o borrelho-de-coleira-interrompida.