Ivo redescobriu uma planta Criticamente Em Perigo desaparecida há 46 anos

31.05.2024

A joina-de-espiga (Ononis alopecuroides), uma das 84 espécies de plantas de Portugal que estão Criticamente Em Perigo de extinção, esteve desaparecida no nosso país durante 46 anos. Até que, num dia de maio último, Ivo Rosa a redescobriu em Loures.

Ivo Rosa, consultor ambiental de 34 anos, redescobriu a joina-de-espiga na orla de um olival tradicional em solo basáltico perto de Santo Antão do Tojal, município de Loures, a 22 de Maio deste ano, Dia Mundial da Diversidade Biológica.

Joina-de-espiga (Ononis alopecuroides). Foto: Ivo Rosa

Esta erva anual tinha sido colhida pela última vez em 1978 nos arredores de Lisboa. Desde então, a comunidade botânica não a tinha voltado a encontrar, nem mesmo durante uma prospeção dirigida a esta espécie em 2018. Chegou a suspeitar-se de que poderia estar Regionalmente Extinta.

Mas este mês, Ivo Rosa encontrou cerca de 10 indivíduos desta espécie e admite que “poderão existir mais indivíduos na periferia do terreno”, explicou à Wilder.

“Monitorizo, desde 2022, uma população de plantas arvenses ameaçadas num dos poucos olivais tradicionais da região”, contou o botânico. “Vivo perto de Lisboa, o que me coloca numa posição privilegiada para a observação da biodiversidade local”.

“Fui alertado para mudanças na gestão do espaço e, ao inspecionar, constatei que o olival e as plantas que dele dependiam haviam sido destruídas. Não encontrei sobreviventes dessas populações, mas acabei por descobrir uma população de uma espécie ‘quase extinta'”.

A joina-de-espiga, assim chamada por ter as inflorescências agrupadas em cachos, floresce entre Abril e Maio.

Joina-de-espiga (Ononis alopecuroides). Foto: Ivo Rosa

Segundo explicou Ivo Rosa, “as jóinas geralmente têm pêlos pegajosos e as folhas são, na maioria das vezes, divididas em três partes. As flores são frequentemente perfumadas e podem ser amarelas, rosadas ou violetas. Têm uma característica especial: todos os dez estames (partes masculinas da flor) estão unidos.”

Além do mais, descreveu este consultor ambiental, “esta espécie apresenta inúmeros ramos, podendo crescer até um metro de altura. Os caules inferiores são lisos, enquanto os superiores são peludos. As folhas têm bordas serrilhadas e são ovais ou arredondadas, sem pêlos. As flores crescem uma de cada vez ao longo dos caules, formando cachos densos na ponta”.

A joina-de-espiga faz parte de um grupo muito especial de plantas, as chamadas “ervas daninhas”. A sua diversidade está hoje ameaçada por causa das alterações do uso do solo. Isto depois de milénios de uma história de superação e resistência.

“Há cerca de dez milénios, nas terras férteis da Ásia Menor e do Mediterrâneo oriental, a agricultura despertou para a vida, lançando ao vento as suas sementes e expandindo-se na direção norte. Nesse percurso, junto aos valiosos grãos, uma comitiva de flora silvestre também viajou. As plantas arvenses, conhecidas como ‘ervas daninhas’, encontraram um novo lar nas margens dos campos cultivados, onde a ausência de competição intensa e a intervenção humana as impulsionaram para além dos seus habitats tradicionais”, acrescentou Ivo Rosa.

Joina-de-espiga (Ononis alopecuroides). Foto: Ivo Rosa

Hoje, estão registadas em Portugal 22 espécies do género Ononis – cujas plantas são conhecidas como “unha-gata” ou “jóinas” – segundo o portal Flora-on. “Muitas delas têm estatuto de ameaça”, sublinhou o especialista.

“Um terço das espécies ameaçadas em Portugal está associado a práticas de agricultura tradicional de sequeiro. Essas espécies evoluíram durante milhares de anos em estreita relação com o homem, mas essa relação está a ser quebrada.”

Na opinião de Ivo Rosa, “não podemos dissociar o desaparecimento da joina-de-espiga das políticas que promoveram as profundas alterações no uso do solo, associadas à expansão urbanística, à intensificação agrícola e à gestão da biomassa verde não adaptada à realidade local”.

E por esses motivos, defende, “para salvaguardar o futuro dessas espécies é essencial adaptar as práticas de gestão para que reflitam melhor a realidade local. Além disso, é preciso criar programas acessíveis que almejem a valorização de habitats ‘incultos’ como bermas, matos e pousios”. 

Para já, Ivo Rosa decidiu fazer uma experiência pessoal para reproduzir a joina-de-espiga. “Pedi algumas sementes e vou experimentar a reprodução a título pessoal”, para saber, por exemplo, “qual a taxa de germinação”.

Esta espécie está associada à cultura tradicional de trigo e de olival. “Desde que se mantenham essas práticas tradicionais, será possível voltar a reintroduzir” esta planta, acredita.

Para já, a notícia desta redescoberta traz alguma esperança. Segundo o especialista, “a redescoberta da Ononis alopecuroides destaca o papel crucial da ciência cidadã, na qual observadores e entusiastas da natureza desempenham um papel vital na colheita de dados e monitorização das espécies. A colaboração estreita entre cientistas e cidadãos é fundamental para ampliar o conhecimento sobre a distribuição e o estado das plantas, contribuindo assim para a conservação eficaz da flora portuguesa”.

Ivo Rosa acredita que com medidas de conservação e a “pesquisa contínua sobre a biodiversidade do país”, outras espécies que foram consideradas extintas em Portugal podem ser redescobertas. 

Redescoberta “muito encorajadora”

Para João Farminhão, presidente da Sociedade Portuguesa de Botânica e investigador no Centro de Ecologia Funcional da Universidade de Coimbra e no Jardim Botânico da mesma universidade, esta redescoberta “é muito encorajadora”. É também é uma “chamada de atenção para a importância da conservação dos olivais tradicionais”.

“Esta espécie arvense, associada a sistemas tradicionais, tem sofrido uma redução drástica da sua área de distribuição”, comentou João Farminhão à Wilder. A sua situação de ameaça “é um reflexo da transformação das paisagens”.

O responsável defendeu a “importância de conservarmos o mosaico de paisagens” e o olival tradicional “que suporta uma comunidade de plantas muito interessantes”, que se tornam espécies-relíquia em Portugal. “Fica o convite para procurarmos a joina-de-espiga e outras espécies nos olivais de sequeiro, em prospecções dirigidas a estas plantas.”

De momento, a lista de espécies Criticamente Em Perigo de Portugal tem 84 espécies de plantas, entre elas a joina-de-espiga mas também o visco-branco (Viscum album), a valeriana-dos-montes (Valeriana montana), o trovisco-dos-bosques (Thymelaea ruizii), o narciso-do-Guadiana (Narcissus cavanillesii) ou o trevo-de-quatro-folhas (Marsilea quadrifolia).

Helena Geraldes

Sou jornalista de Natureza na revista Wilder. Escrevo sobre Ambiente e Biodiversidade desde 1998 e trabalhei nas redacções da revista Fórum Ambiente e do jornal PÚBLICO. Neste último estive 13 anos à frente do site de Ambiente deste diário, o Ecosfera. Em 2015 lancei a Wilder, com as minhas colegas jornalistas Inês Sequeira e Joana Bourgard, para dar voz a quem se dedica a proteger ou a estudar a natureza mas também às espécies raras, ameaçadas ou àquelas de que (quase) ninguém fala. Na verdade, isso é algo que quero fazer desde que ainda em criança vi um documentário de vida selvagem que passava aos domingos na televisão e que me fez decidir o rumo que queria seguir. Já lá vão uns anos, portanto. Desde então tenho-me dedicado a escrever sobre linces, morcegos, abutres, peixes mas também sobre conservacionistas e cidadãos apaixonados pela natureza, que querem fazer parte de uma comunidade. Trabalho todos os dias para que a Wilder seja esse lugar no mundo.

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