flamingos no meio de um curso de água
Flamingos. Foto: Andrea Schaffer/Wiki Commons

Investigadores desvendam, finalmente, árvore filogenética das aves

31.05.2024

Depois de décadas de resultados contraditórios, a árvore filogenética das aves é finalmente desvendada com a colaboração de Agostinho Antunes, investigador do Centro Interdisciplinar de Investigação Marinha e Ambiental (CIIMAR) e professor da Faculdade de Ciências da Universidade do Porto (FCUP).

Muitos estudos anteriores tinham tentado construir a árvore filogenética das aves, usando pequenos conjuntos de dados de diferentes regiões genómicas.

O estudo publicado na revista Nature, onde participou Agostinho Antunes, permitiu usar, pela primeira vez, dados completos a uma escala genómica para revelar 93 milhões de anos de relações evolutivas entre 363 espécies de aves, representando 92% de todas as famílias destes animais.

Actualmente estão registadas no mundo cerca de 10.500 espécies de aves.

Agostinho Antunes disse, em comunicado, que “esta nova árvore genealógica será uma base sólida para mapear a história evolutiva de todas as espécies de aves, com implicações importantes para a investigação ornitológica, estudos de biodiversidade e conservação.”

Este conjunto completo de dados genómicos foi produzido pelo consórcio B10K (Bird 10 000 Genomes Project) após a sequenciação de 48 genomas de aves publicados em 2014 na revista Science. O trabalho publicado agora dá um novo avanço a este trabalho.

A nova árvore genealógica “estabelece uma base sólida para o estudo da evolução das aves e do desenvolvimento de características, desvendando novos caminhos naquela que ainda é a longa jornada para compreender completamente os mistérios da evolução das aves”, segundo um comunicado do CIIMAR.

Uma escala temporal precisa

Apesar dos esforços anteriores para compreender os impactos do evento Cretáceo-Paleógeno (o evento associado à extinção dos dinossauros), utilizando dados morfológicos e moleculares, as relações entre as linhagens neoaviárias continuavam a ser controversas.

Os métodos aplicados neste trabalho basearam-se na comparação de genomas de espécies vivas que, no entanto, permitem obter informação de eventos que aconteceram há muito tempo atrás.

Através de métodos computacionais e recursos de supercomputação de última geração, o estudo propõe uma escala temporal mais precisa para a diversificação das aves modernas, sugerindo que se deu uma rápida radiação durante ou perto da extinção em massa na fronteira Cretáceo-Paleógeno e após o Paleógeno-Neógeno.

“Aproximadamente 95% de todas as espécies de aves atuais (Neoaves), emergiu desta radiação!” reforça o investigador português. A nova árvore desafia a organização dos Neoaves ao classificar este grande grupo em quatro clados principais: Mirandornithes, Columbaves, Elementaves e Telluraves.

Os investigadores descobriram que estas radiações coincidiam com mudanças genéticas e morfológicas notáveis dentro das aves: maiores taxas de mutação, tamanhos corporais menores, cérebros maiores e tamanhos populacionais efetivos maiores.

Agostinho Antunes conta-nos essa história: “As aves são a única linhagem de dinossauros que sobreviveu até hoje. Há cerca de 66 milhões de anos, na fronteira do Cretáceo-Paleógeno, um evento de extinção em massa destruiu todos os dinossauros não-aviários, proporcionando uma oportunidade para as aves se diversificarem rapidamente e ocuparem uma ampla gama de nichos ecológicos. As neoaves, um grupo diversificado que compreende aproximadamente 95% de todas as espécies de aves atuais, emergiu desta radiação. Dos imponentes condores dos Andes aos diminutos colibris que voam pelas florestas tropicais, as neoaves abrangem uma impressionante diversidade de formas e funções.”

As primeiras aves

Os investigadores também conseguiram esclarecer algo invulgar que tinha sido descoberto em 2014 mas que nunca tinha sido devidamente compreendido: uma secção específica de um cromossoma no genoma das aves permaneceu inalterada durante milhões de anos, anulando os padrões esperados de recombinação genética. “Esta anomalia foi baseada na análise dos genomas de apenas 48 espécies de aves e levou inicialmente os investigadores a agrupar incorretamente os flamingos e as pombas como grupos evolutivos próximos, pois pareciam intimamente relacionados com base nesta secção inalterada do DNA. Ao repetir a análise usando os genomas de 363 espécies do atual estudo, surgiu uma árvore genealógica mais precisa que afastou os pombos dos flamingos. Essa deteção permitiu identificar atualmente um evento preciso que terá acontecido há mais de 60 milhões de anos, o que é extraordinário” explica o investigador .

Este avanço é detalhado num artigo complementar na revista Proceedings of the National Academy of Sciences (PNAS) no qual os investigadores examinaram um dos ramos da nova árvore genealógica e descobriram que os flamingos e as pombas estão mais distantemente relacionados do que as análises anteriores do genoma tinham mostrado.

Os resultados destes trabalhos lançam assim uma nova luz sobre os mecanismos adaptativos que impulsionaram a diversificação aviária no rescaldo do evento de extinção em massa Cretáceo-Paleógeno.

De futuro, os investigadores querem expandir este trabalho a milhares de géneros de aves e optimizar algoritmos e recursos computacionais para acomodar conjuntos de dados ainda maiores.

O Projeto B10K (Bird 10 000 Genomes) é uma iniciativa que visa mapear os genomas de todas as cerca de 10.500 espécies de aves atualmente existentes na Terra. Este ambicioso projeto procura construir uma árvore da vida das aves abrangente a partir do conhecimento completo dos seus genomas, descodificando as ligações entre a variação genética e as diferenças de características fenotípicas, desvendando a evolução molecular, a biogeografia e as inter-relações da biodiversidade, avaliando o impacto das mudanças ambientais e humanas, atividades sobre evolução das espécies e biodiversidade, e revelando a história populacional de todo o grupo de aves.

Os trabalhos agora publicados do B10K foram lideradas por Josefin Stiller (University of Copenhagen, Denmark), Siavash Mirarab (University of California San Diego, USA) e Guojie Zhang (Zhejiang University, China), e incluíram vários outros investigadores internacionais entre os quais Agostinho Antunes.

Helena Geraldes

Sou jornalista de Natureza na revista Wilder. Escrevo sobre Ambiente e Biodiversidade desde 1998 e trabalhei nas redacções da revista Fórum Ambiente e do jornal PÚBLICO. Neste último estive 13 anos à frente do site de Ambiente deste diário, o Ecosfera. Em 2015 lancei a Wilder, com as minhas colegas jornalistas Inês Sequeira e Joana Bourgard, para dar voz a quem se dedica a proteger ou a estudar a natureza mas também às espécies raras, ameaçadas ou àquelas de que (quase) ninguém fala. Na verdade, isso é algo que quero fazer desde que ainda em criança vi um documentário de vida selvagem que passava aos domingos na televisão e que me fez decidir o rumo que queria seguir. Já lá vão uns anos, portanto. Desde então tenho-me dedicado a escrever sobre linces, morcegos, abutres, peixes mas também sobre conservacionistas e cidadãos apaixonados pela natureza, que querem fazer parte de uma comunidade. Trabalho todos os dias para que a Wilder seja esse lugar no mundo.

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