Um pequeno abutre-do-Egipto passou mais de meio ano num centro de recuperação e foi agora finalmente devolvido à natureza. O fotógrafo de natureza Carlos Rio, que ajudou a resgatar a ave, contou à Wilder como aconteceu.
Tudo começou por acaso. Um colega de Carlos Rio enviou-lhe a imagem captada pelo telemóvel de um vizinho, amigo comum de ambos, “a perguntar que ave era aquela que andava nos campos ao lado de sua casa já há uns dias”, recorda este fotógrafo de natureza.
Carlos Rio percebeu logo que se tratava de um abutre-do-Egipto (Neophron percnopterus) ainda juvenil, devido à plumagem totalmente castanha. “Obviamente que senti uma enorme satisfação por identificar uma ave que pertence ao grupo de que eu mais gosto. E logo na minha terra, Fão, pertencente ao concelho de Esposende.”
Os abutres-do-Egipto, também chamados de britangos, são os mais pequenos dos abutres portugueses. Em Portugal, o principal núcleo reprodutor fica na zona do Douro Internacional. Costumam migrar para África quando chega o tempo mais frio, a partir de Setembro, e regressam em finais de Fevereiro.
Mas neste caso, estávamos em Outubro passado e o pequeno abutre mantinha-se em terras portuguesas. Apesar da excitação da descoberta, Carlos Rio ficou também preocupado ao perceber, pela fotografia, que “a ave estava debilitada”.
No entanto, apesar de o procurarem durante vários dias, o abutre parecia ter-se evaporado. Nem sinal da ave, apesar das buscas. “Pensei que afinal não estaria tão fraca e que tinha retomado a sua viagem”, lembra o fotógrafo.
Talvez estivesse a jogar às escondidas. A verdade é que uma semana depois, outro colega de Carlos Rio telefona-lhe com uma novidade. “Liga-me a dizer que está a ver em frente de sua casa, num telhado, uma ave grande que nunca tinha visto por cá! Como se tratava da mesma zona onde tinha sido avistada há pouco mais de uma semana, pensei que poderia ser o abutre e fui ver.”
“Muitíssimo debilitado e todo encharcado”
Era o jovem abutre-do-Egipto, “muitíssimo debilitado e todo encharcado, pois nos últimos dias tinha chovido muito”, recorda. “Começou-se a pensar numa estratégia para tentar mantê-lo ali ou eu ficar atento para ver se se deslocaria para outro lado, enquanto estabelecia contactos com o Parque Natural do Litoral Norte e depois directamente com o Instituto de Conservação da Natureza e das Florestas (ICNF), para se proceder à captura.”
Mas numa altura em que Carlos Rio não estava no local, o pequeno abutre fez um esforço e voou para longe, talvez perturbado por um barulho estranho ou pela presença de pessoas.
Resultado? “Voltei para o procurar mas os esforços foram infrutíferos”, lembra o fotógrafo, que apesar de tudo não desistiu. Recorreu à rede de contactos com outros colegas de profissão ali próximos; apelou para se juntarem logo na manhã do dia seguinte, 1 de Novembro.
Objectivo: fazerem uma “batida exaustiva” das redondezas, pois o estado do jovem abutre-do-Egipto, de tão fraco que aparentava estar, “indicava que não poderia estar longe”. Além do mais, “já tinha combinado com o ICNF colaborar com o funcionário que viria participar nas buscas e tentar capturar a ave.”
Assim, numa manhã chuvosa, juntou-se com mais três fotógrafos e o técnico do ICNF. “Acertámos uma estratégia e lá fomos procurar nas áreas onde pensámos haver mais probabilidades de êxito.” Passaram muito tempo à chuva, mas sem sucesso, até que – num momento de pausa – uma boa notícia. “Passa uma pessoa que nos pergunta se procurávamos uma ave estranha, porque tinha acabado de ver uma a pousar num muro que estava a 100 metros de nós!”
Correram os cinco para o local e lá estava o pequeno abutre, depois de ter passado uma noite e uma manhã inteiras à chuva, “com aspecto ainda pior do que no dia anterior”. Rapidamente apanharam a ave, “que nem forças teve para fugir”, e que foi rapidamente transportada para Vila Real.
Fangueiro em honra dos habitantes de Fão
Ali, no Centro de Recuperação de Animais Selvagens do Hospital Veterinário da Universidade do Trás-os-Montes e Alto Douro, o jovem abutre-do-Egipto fez análises e exames e verificaram que não tinha nada grave, mas sim um estado geral muito fraco.
“Fangueiro foi o nome que sugeri porque é o nome dos habitantes da minha terra, fangueiros”, explicou ainda Carlos Rio, referindo-se à vila onde mora no concelho de Esposende, no distrito de Braga. “Fiquei feliz por terem aceitado a minha sugestão!”
Já totalmente recuperado, Fangueiro foi libertado na última segunda-feira, 13 de Julho, “forte e são”, explica uma nota divulgada pelo hospital veterinário. A história, aliás, promete não ficar por aqui. A partir de agora os movimentos da jovem ave vão ser acompanhados através de um emissor GPS, no âmbito do projecto LIFE Rupis, que trabalha para a conservação dos abutres-do-Egipto e das águias-perdigueiras na região do Douro Internacional.
[divider type=”thin”]Agora é a sua vez.
Se encontrar uma ave ou outro animal selvagem ferido ou debilitado, recorra a estes contactos para saber o que fazer.
[divider type=”thin”]Saiba mais.
Conheça a história de uma fotografia de abutres tirada por Carlos Rio, que mais parece uma pintura. E leia uma entrevista deste fotógrafo sobre o novo Guia de Aves do Parque Natural do Litoral Norte, de que é autor.