A lista de espécies botânicas portuguesas foi reforçada com a entrada de uma planta chamada Verbascum rotundifolium, que tinha escapado ao “radar” da comunidade botânica. A Wilder falou com um dos responsáveis pela descoberta, André Carapeto, um dos coordenadores do portal Flora-On.
Foi por acaso que, em 2023, André Carapeto reparou neste verbasco no vale do rio Erges, na Beira Baixa.
“Estávamos a fazer trabalho de campo no vale do rio Erges para a EcoSativa – Consultoria Ambiental, Lda, no âmbito de um projeto de caracterização ecológica de umas parcelas florestais da FlorestGal S.A”, contou à Wilder. Durante uma saída de campo, enquanto faziam a caracterização da flora e dos habitats naquela zona, “deparámo-nos com alguns indivíduos, dispersos pelo vale do rio Erges. Nessa saída houve outras plantas que também nos despertaram curiosidade pois nessa altura do ano não tinham todos os elementos para a sua correta identificação, mas esta em particular revelou-se ser bastante especial”.
“Ficámos intrigados com uma roseta de folhas basais muito esbranquiçada e algo distinta de outros verbascos que já conhecíamos.”
Pouco depois, “vimos uma planta em floração e suspeitámos logo que pudesse ser algo de diferente”, contou. “Por isso fotografámos todos os detalhes que conseguimos. Contudo, como eram poucos exemplares, não colhemos logo nessa ocasião.”
A espécie foi observada em dois locais diferentes, a 800 metros de distância um do outro.
Mais tarde, os peritos confirmaram que aquela planta seria Verbascum rotundifolium subsp.haenseleri. “Pensámos que tínhamos descoberto uma novidade para Portugal”, recordou André Carapeto.
“Aproveitámos uma nova visita ao terreno e deslocámo-nos propositadamente a um dos locais para colher um exemplar para herborização. Só depois nos apercebemos que não fomos os primeiros a encontrar a espécie em Portugal”.
Isto porque existia uma colheita anterior registada no GBIF (Sistema Global de Informação sobre Biodiversidade) e também um registo de observação numa plataforma de ciência cidadã (iNaturalist), datado de 2020.
“Ainda assim, como a planta estava fora do ‘radar’ da comunidade botânica, achámos que seria importante divulgar a sua ocorrência em Portugal e preparámos uma nota científica.”
Segundo André Carapeto, há algumas características que nos ajudam a identificar a Verbascum rotundifolium. “Além da roseta de folhas basais muito bonita, de um cinzento muito claro quase esbranquiçado, tem uma inflorescência pouco ramificada e as flores possuem estames com pêlos avermelhados.”
Esta planta bianual distribui-se pelo Sul de Itália, Península Ibérica e Norte de África, desde a Tunísia a Marrocos.
Esta bonita planta não teria sido registada em Portugal nos últimos 50 anos. O especialista em Botânica explica que esta espécie “terá caído no esquecimento porque inicialmente terá sido mal identificada e posteriormente, o único exemplar de herbário conhecido foi parar numa instituição espanhola (HSS – Instituto de Investigaciones Agrarias ‘La Orden-Valdesequera’)”. Este espécime foi colhido em 1970, nas Portas de Ródão, Beira Baixa, a 60 quilómetros do local de colheita de 2023.
“Para além disso, parece ser uma planta bastante rara (vimos poucos exemplares ainda que o habitat seja, aparentemente, favorável) e ocorre numa área pouco explorada e de difícil acesso. Todos estes fatores terão contribuído para a planta ter permanecido “esquecida” durante todo este tempo.”
Os autores do artigo científico acreditam que a população portuguesa desta espécie está restrita a uma pequena área geográfica da Beira Baixa, ao longo dos vales do rio Tejo e do rio Erges, seu afluente. Do outro lado da fronteira, na província de Cáceres, existem vários registos de V. rotundifoliumsubsp. haenseleri, um deles perto da fronteira com Portugal, em Cilleros.
Até agora, esta espécie nunca tinha sido considerada como fazendo parte da flora portuguesa.
“Os últimos anos têm sido férteis em descobertas deste tipo, algumas das quais ainda estão por publicar, e seguramente haverá novidades para a flora portuguesa que ainda estão por descobrir”, comentou André Carapeto.
“Os portais de divulgação botânica como o Flora-On têm sido particularmente importantes no aumento do interesse pela botânica, o que permite que haja mais “olhos” no terreno. Por outro lado, nas últimas décadas também têm sido realizados mais estudos de caracterização florística, quer seja no âmbito de processos de avaliação ambiental, quer por interesse de empresas ou entidades que pretendem conhecer o património natural nos territórios que gerem”, acrescentou.
E deixa a dica. “Temos ainda um longo caminho a percorrer e bastante terreno por explorar, pelo que é expectável que hajam mais novidades no futuro.”