No âmbito de uma série sobre espécies aquáticas invasoras, Filipe Ribeiro, investigador do MARE – Centro de Ciências do Mar e do Ambiente na Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, ligado ao projecto LIFE Invasaqua, explica tudo o que precisamos de saber sobre este peixe que já tem uma longa história em território português.
Que espécie é esta?
Este peixe de pequenas dimensões não atinge mais do que sete centímetros, mas geralmente tem um tamanho de três a quatro centímetros. Pertence à família dos Guppies e apresenta uma barbatana caudal redonda e tons azulados na barriga; as fêmeas têm uma mancha preta no abdómen. Os machos são mais pequenos e têm uma barbatana anal prolongada, que serve de órgão copulador.
É uma espécie originária da parte leste da América do Norte, tendo sido introduzida em todos os continentes – sobretudo para o combate à malária no início do século XX, mas também por motivos ornamentais.
Geralmente, a gambúsia não vive mais do que 15 meses, mas reproduz-se logo após quatro a seis semanas de vida. Costuma reproduzir-se entre abril e agosto.
E como chegou a Portugal?
Há cerca de 100 anos esta espécie era introduzida para o combate à malária, através da sua potencial predação sobre as larvas do mosquito transmissor desta doença.
A primeira ocorrência em território português já tem 90 anos: data de 1931, quando a espécie foi detetada em Benavente. Segundo reza a história, um dos diretores da Estação Antimalárica de Benavente enviou para o Aquário Vasco da Gama uns exemplares para identificação de uns “peixes vulgares nas valas” da região.
Após uma expedição no local, descobriu-se que esta espécie era a Gambusia holbrooki e estava amplamente espalhada pelos rios ali da zona. Também se reconheciam as suas capacidades antimaláricas, uma vez que comeria as larvas aquáticas do mosquito transmissor da malária.
A sua proveniência terá sido de Espanha, uma vez que a espécie tinha sido introduzida num pequeno lago em Cáceres em 1921. Não sabemos muito bem qual terá sido o mecanismo de dispersão: a introdução directa desde Cáceres em Portugal ou se se foi dispersando pelo Rio Tejo ao longo da década seguinte, até ser encontrada em território nacional. Depois, durante o século XX, a gambúsia foi dispersada pelo país todo, quer oficialmente, quer pelas pessoas de forma descontrolada.
Onde é que está presente no nosso país?
Pode ser encontrada em todo o território nacional, sobretudo nas margens dos rios ou nas barragens. São peixes que nadam em pequenos cardumes, relativamente cabeçudos, e conseguem-se ver bem duas manchas na cabeça que correspondem aos olhos. Mas esta é uma espécie que se encontra apenas em rios com águas mais paradas, é raro ocorrer em rios de montanha.
Mas qual é o problema com a gambúsia?
A introdução deste pequeno peixe teve como objetivo controlar a malária através da predação das larvas de mosquito. Entretanto a doença acabou por desaparecer devido à aplicação de pesticidas e também à melhoria da rede de esgotos nas vilas e aldeias. Mas esta espécie, que permaneceu no país, é altamente agressiva.
Por um lado, porque ataca os peixes que se encontram nos habitats mais lênticos – ambientes de águas de pouca movimentação como lagos ou charcos – e pode afastá-los para áreas menos apropriadas à sua sobrevivência. Para além de serem ótimas competidoras por espaço, as gambúsias são muito vorazes, comendo muito eficazmente o alimento, e são de uma forma geral insaciáveis. Tudo isto faz com que alguns dos peixes nativos, sobretudo os juvenis, tenham menor sobrevivência.
Por outro lado, alimenta-se preferencialmente de zooplâncton – animais microscópios que vivem na coluna de água – o que reduz a abundância deste nos rios e barragens. Como o zooplâncton controla a biomassa de fitoplâncton (algas), a maior predação exercida pela gambúsia tem como consequência a diminuição do zooplâncton e uma perda da qualidade da água das barragens e rios devido ao aumento de fitoplâncton. Com frequência, aliás, isto faz com que a água das barragens se torne verde.
Há medidas possíveis para controlar ou erradicar as populações desta espécie?
Não é possível erradicar as populações de gambúsia por vários motivos: têm uma elevada fecundidade, são tolerantes a uma grande variedade de condições ambientais e também oportunistas em relação à disponibilidade de alimentos. Por isso, a melhor forma de evitar os impactos deste invasor é mesmo prevenir a sua introdução em sistemas aquáticos onde ainda não ocorre – como acontece também na amêijoa-japonesa, por exemplo.
Outro facto que impede a erradicação da espécie é que está hoje amplamente espalhada por todo o território português, sendo extremamente abundante nalguns locais. Até pode ser possível controlar as populações de gambúsia, mas isso terá de ser realizado a nível local e requer um esforço continuado.
Então, que cuidados podemos ter ?
O importante é que as pessoas deixem de introduzir esta espécie nos poços e nos lagos que têm em casa. É preferível que não o façam, uma vez que isso pode contribuir para a sua dispersão para as ribeiras e rios mais próximos.
E qual é a situação noutros sítios do mundo onde é invasora?
A gambúsia é reconhecida a nível mundial como uma das espécies mais indesejadas e invasoras. Na Austrália, é considerada uma das espécies que tem mais impacto nos ecossistemas. E em Espanha, nas zonas estuarinas, é uma das espécies responsáveis pelo declínio de duas espécies endémicas que aí existem.
Uma curiosidade…
O nome em inglês da família Poeciliidae é ‘Mosquitofishes’ (peixes-mosquito) e é a reboque deste nome que a gambúsia é hoje conhecida em inglês como ‘Mosquitofish’. Aliás, foi introduzida em inúmeros países para o suposto controlo da larva aquática do mosquito transmissor da malária. Mas foi realizado um estudo no Baixo Mondego, em que se avaliaram as preferências alimentares da gambúsia, e verificou-se que esta espécie de facto alimenta-se preferencialmente de zooplâncton. Só ocasionalmente é que se alimenta de larvas de mosquito.
… e ainda outra curiosidade
É comum verem-se gambúsias a predarem os ninhos de perca-sol (Lepomis gibbosus), que é outra espécie invasora. Estes peixes formam dois cardumes e atacam o ninho de forma cooperativa: um cardume serve de engodo para as percas-sol o perseguirem, deixando o ninho sem proteção para o outro cardume. Depois os progenitores de perca-sol apercebem-se e vão afugentar o outro cardume, deixando espaço para o primeiro cardume de gambúsias atacar o ninho.
Série Espécies Aquáticas Invasoras
Em parceria com o projecto LIFE Invasaqua, a Wilder dá-lhe a conhecer algumas das principais espécies aquáticas invasoras em Portugal. O LIFE Invasaqua é um projecto ibérico co-financiado por fundos comunitários que divulga informação acerca da ocorrência e combate a espécies invasoras.
Recorde o que se passa em Portugal com o siluro, o mexilhão-zebra, a rã-de-unhas-africana, o alburno, a amêijoa asiática, o caranguejo-peludo-chinês e a amêijoa-japonesa.