Francisco Álvares dedica-se aos carnívoros, animais “icónicos e extremamente relevantes” para nós

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Na nossa mini série que lhe apresenta os peritos que, nos bastidores, identificam as centenas de espécies que os nossos leitores nos enviam, perguntámos ao biólogo Francisco Álvares porque se interessa tanto por carnívoros.

Francisco Álvares, 51 anos, estuda o lobo-ibérico há quase 30 anos e desde criança que anda no campo a aprender a identificar espécies de animais e de plantas. Elegeu os carnívoros para se dedicar e considera-os espécies icónicas e extremamente relevantes para as nossas vidas. 

WILDER: Que idade tem, qual é a sua ocupação profissional e em que está a trabalhar neste momento?

Francisco Álvares: Tenho 51 anos, sou licenciado em Biologia com doutoramento em Biologia da Conservação e atualmente sou investigador no CIBIO/InBIO – Associação BIOPOLIS. A minha principal área de trabalho é em ecologia e conservação de mamíferos carnívoros, com maior ênfase no lobo-ibérico, espécie que estudo há quase 30 anos. Em particular, o meu trabalho de investigação incide sobre as interacções entre o lobo e os humanos, focando temáticas como a predação no gado, respostas comportamentais a actividades humanas e a etnozoologia relacionada às crenças e práticas das comunidades locais em relação a este predador. Além disso, também tenho participado em inventários faunísticos direcionados aos mamíferos em geral (como seja o Atlas de Mamíferos de Portugal) e em estudos ecológicos sobre outras espécies de carnívoros, nomeadamente em outras regiões do mundo, como por exemplo o lobo africano (Canis lupaster) no norte de África, o mabeco (Lycaon pictus) em Angola e o chacal-dourado (Canis aureus) no Irão.

W: Porque é que se dedicou a este grupo de espécies?

Francisco Álvares: Os mamíferos carnívoros são um modelo de estudo fascinante e um desafio em termos de biologia da conservação! Este grupo de fauna inclui espécies ameaçadas e icónicas, como seja o lobo ou o lince, com uma grande relevância não só do ponto de vista ecológico, mas também em termos socio-económicos devido às frequentes interacções com os humanos. Tudo isto torna-os um grupo extremamente interessante para estudar, pois implica uma abordagem multidisciplinar, fundamentada nas ciências biológicas, sociológicas e antropológicas. Além disso, exige uma investigação aplicada que permita promover a transferência de conhecimento a instituições públicas (por exemplo, ao Instituto de Conservação da Natureza e das Florestas, ICNF), empresas privadas (p.e., promotores de parques eólicos e redes viárias) e outras partes interessadas relacionadas com a conservação destas espécies (p.e. caçadores e proprietários de gado). Com esta abordagem, o trabalho nestas espécies permite implementar acções concretas de conservação, como sejam diretrizes sobre as melhores práticas e zonamento das atividades humanas como forma de mitigar os impactos e conflitos. Um exemplo é a proposta de medidas efetivas em relação ao desenvolvimento sustentável das atividades humanas, principalmente relacionadas com o desenvolvimento de infra-estruturas e a actividade pecuária. 

W: Como é que começou?

Francisco Álvares: Desde a minha infância, sempre gostei de andar no campo a descobrir a biodiversidade que nos rodeia e a aprender a identificar espécies de fauna e flora. Por isso, optei por tirar a licenciatura em Biologia na Universidade de Lisboa, durante a qual participei como voluntário em vários projectos que estavam a ser desenvolvidos, nomeadamente pela Associação Grupo Lobo. Tal, permitiu-me aprofundar o conhecimento relativo ao lobo-ibérico e facultou-me, após a licenciatura, as primeiras oportunidades de trabalho nesta espécie.

W: O que o fascina mais nos mamíferos carnívoros?

Francisco Álvares: Basicamente, as mesmas caracteristícas que me levaram a dedicar o meu trabalho científico a este grupo de fauna, e que já referi anteriormente. Por isso, o que me fascina nos mamiferos carnívoros é serem espécies que normalmente possuem uma grande relevância nas cadeias alimentares e no imaginário humano, são frequentemente ameaçadas e têm uma grande relevância do ponto de vista ecológico e socio-económico.

W: Quais são os principais desafios quando está a identificar espécies?

Francisco Álvares: Os mamíferos carnívoros são difíceis de observar na natureza devido aos seus hábitos elusivos e nocturnos. Por isso, são frequentemente detetados através dos seus indícios de presença, como sejam dejetos e rastos. No entanto, este tipo de indícios pode ser bastante semelhante entre espécies, sendo necessário uma grande experiência por parte do observador ou a sua confirmação através de análises genéticas. Além disso, a recolha de registos fotográficos obtidos por cidadãos (por exemplo, através da iniciativa “Que Espécie é Esta” da WILDER) torna-se uma importante fonte de conhecimento, apesar da qualidade dos registos fotográficos condicionar muitas vezes a correcta identificação da espécie em causa. 

W: Como tem sido participar no “Que Espécie é Esta?” 

Francisco Álvares: Tem sido um grande prazer e privilégio, pois trata-se de uma importante iniciativa de ciência-cidadã, que permite sensibilizar e educar a sociedade sobre a biodiversidade que nos rodeia. Além disso, o enorme volume de registos compilados e validados por especialistas no âmbito do “Que Espécie é Esta” revela-se de grande importância para um melhor conhecimento da distribuição nacional das espécies de fauna e flora e, consequentemente, para a sua eficaz conservação.

W: Tem alguma história curiosa relacionada com o seu trabalho de identificação de espécies que gostasse de partilhar?

Francisco Álvares: Sinceramente, não me ocorre nenhum episódio em particular. Mas seja em Portugal ou noutra região do mundo, é muito recompensador quando conseguimos detetar populações ou comportamentos desconhecidos de espécies raras ou com elevado estatuto de ameaça. Além disso, ao estudar mamíferos carnívoros possibilita-me ter o privilégio de conhecer e observar no seu ambiente natural, um conjunto de espécies que de outra forma seriam muito difíceis de visualizar. Por fim, o meu trabalho de investigação sobre estes animais tem-me possibilitado conhecer regiões e países remotos, com paisagens e gentes muito interessantes!


Embaixadores por Natureza é uma mini série da Wilder dedicada à rede de especialistas que, desde 2017, são o coração do “Que Espécie É Esta?”. É o nosso reconhecimento e obrigado a tantas horas passadas a olhar com carinho, e de forma voluntária, para “os nossos” bichos e plantas. E a dar-lhes um nome. Sai todos os dias, de 1 a 16 de Agosto.

Helena Geraldes

Sou jornalista de Natureza na revista Wilder. Escrevo sobre Ambiente e Biodiversidade desde 1998 e trabalhei nas redacções da revista Fórum Ambiente e do jornal PÚBLICO. Neste último estive 13 anos à frente do site de Ambiente deste diário, o Ecosfera. Em 2015 lancei a Wilder, com as minhas colegas jornalistas Inês Sequeira e Joana Bourgard, para dar voz a quem se dedica a proteger ou a estudar a natureza mas também às espécies raras, ameaçadas ou àquelas de que (quase) ninguém fala. Na verdade, isso é algo que quero fazer desde que ainda em criança vi um documentário de vida selvagem que passava aos domingos na televisão e que me fez decidir o rumo que queria seguir. Já lá vão uns anos, portanto. Desde então tenho-me dedicado a escrever sobre linces, morcegos, abutres, peixes mas também sobre conservacionistas e cidadãos apaixonados pela natureza, que querem fazer parte de uma comunidade. Trabalho todos os dias para que a Wilder seja esse lugar no mundo.

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