As raposas surgem como as grandes consumidoras de iscos envenenados, mas muitos outros animais, incluindo roedores, lagartos e cobras, lobos, ursos, abutres e grandes águias são vítimas de envenenamento ilegal em Espanha e Portugal.
No estudo, publicado este mês na revista científica Biological Conservation, colaboraram investigadores da Universidade Autónoma de Madrid (UAM), do Instituto Mixto de Investigación en Biodiversidad e do Instituto de Investigación en Recursos Cinegéticos, em parceria com a associação Palombar – Conservação da Natureza e do Património Rural e com o Parque Nacional de Monfragüe, uma área protegida em Espanha.
Não é tarefa fácil identificar todas as espécies selvagens afectadas pelos envenenamentos ilegais, um problema que atinge os dois países da Península Ibérica. Os animais mortos ficam muitas vezes por encontrar, escondidos no campo ou nos seus abrigos.
E por isso, para chegar aos resultados, a equipa de investigadores começou por realizar experiências de campo um grande escala, com a colocação e análise de 590 iscos simulados distribuídos pelos principais sistemas da Península Ibérica, em 25 áreas diferentes vigiadas por câmaras de foto-armadilhagem, incluindo o Nordeste de Portugal.
A utilização de iscos envenenados – restos de carne e de outros alimentos ou cadáveres de animais impregnados com produtos tóxicos – é um dos métodos principais da perseguição ilegal a espécies selvagens. Muitas vezes, quem comete este crime quer atingir animais encarados “como ameaças aos interesses humanos, em resultado de conflitos de conservação tais como a predação de gado, estragos em culturas ou concorrência pela fauna cinegética”, nota a UAM, numa nota publicada sobre o novo estudo.
Outra das motivações é o uso de partes desses animais para o tráfico ilegal, o que acontece por exemplo com o marfim ou partes de abutres noutros países.
Mais espécies de aves
Os dados obtidos foram ainda analisados com recurso a técnicas estatísticas baseadas em cripto-análise, de forma a estimar, a partir da biodiversidade observada a consumir os iscos, qual terá sido toda a biodiversidade afectada.
Os registos obtidos no campo totalizaram 3.095 animais de 39 espécies diferentes observados a consumir os iscos simulados, incluindo 22 espécies de aves, 15 de mamíferos e duas espécies de répteis.
Mas a equipa identificou um número maior, num total de 47 espécies de vertebrados, que “são susceptíveis de envenenamento na Península Ibérica”, tendo em atenção o facto de muitos dos animais envolvidos serem consumidos por outros.
As espécies em risco de envenenamento, identificadas pelos investigadores, incluem lobos, ursos e grandes águias, como a águia-de-asa-redonda e o milhafre-real, mas também pequenos roedores, lagartos e cobras.
Raposas, corvos e fuinhas entre os mais seduzidos
Ainda assim, a raposa foi “de longe” a espécie que mais consumiu os iscos, detectada em quase metade do total de amostras, salientam os investigadores no artigo. Outras espécies que se fizeram notar mais foram corvos-comuns e gralhas-pretas, ratos, grifos, martas e fuinhas e ainda javalis.
Por outro lado, os grifos foram os que estavam presentes em maior número, totalizando 42% do total de animais observados a consumir os iscos.
Das espécies detectadas, 38% estão hoje ameaçadas de extinção, ou quase ameaçadas, marcando lugar nas Listas Vermelhas de Portugal e Espanha ou na Lista Vermelha da União Internacional para a Conservação da Natureza. Em causa estão por exemplo o lobo-ibérico, o grifo, o abutre-preto, águia-d’asa-redonda, corvo-comum e abutre-do-Egipto.
Além de revelar a identidade das espécies em risco de envenenamento ilegal, o estudo agora publicado desenvolve métodos estatísticos que ajudam a prever o número de espécies e de animais afectados de acordo com o tipo de isco utilizado e o habitat onde foi colocado, indica por sua vez a UAM. Isto porque essas diferenças, em cada caso, têm influência sobre as espécies que podem ser atingidas.
Com os resultados encontrados, a equipa espera “ajudar a conhecer a verdadeira dimensão do impacto do envenenamento de fauna nos ecossistemas”, de forma a melhorar as tarefas de fiscalização e a combater melhor “esta séria ameaça para a biodiversidade”.