Foto: Pedro Alves

Este é o primeiro registo em Portugal de grifos a nidificarem numa árvore

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Foi durante os trabalhos dos censos de aves rupícolas nidificantes no Parque Natural do Tejo Internacional que dois técnicos da Quercus – ANCN fizeram esta interessante descoberta. E contaram à Wilder como tudo se passou.

Samuel Infante e Pedro Alves foram apanhados de surpresa quando andavam pelo campo a registar os casais reprodutores de diferentes espécies de aves rupícolas, também conhecidas como “aves das rochas”, por utilizarem habitualmente substractos rochosos para nidificar. Em cima de uma azinheira depararam-se com um ninho de abutre preto, já abandonado desde a época reprodutora passada, mas ocupado por um casal de grifos.

“Este é o primeiro registo em Portugal de uma nidificação confirmada de grifo em cima de uma árvore”, anunciou Samuel Infante à Wilder, lembrando que esta espécie de abutre constrói habitualmente os seus ninhos em escarpas.

Mas a surpresa não se ficou por aqui. Dentro do ninho, observaram atentamente uma cria que já mostra “um desenvolvimento significativo, com mais de dois meses de idade”, o que indica que a postura do ovo “aconteceu no início da época de reprodução”. Em Portugal, os grifos começam a nidificar em pleno Inverno, no mês de Dezembro.

Foto: Pedro Alves

Quanto à azinheira onde está assente o ninho, é uma árvore de porte médio, descreveu o técnico da Quercus – Associação Nacional de Conservação da Natureza. “Esta região do país foi desflorestada no passado, no âmbito da campanha de trigo. As árvores aqui já têm algumas décadas, mas não têm ainda muita dimensão.” Ainda assim, o ninho parece ter uma base sólida para se aguentar sem cair, ao contrário do que por vezes sucede com ninhos de abutre-preto na região. Curiosamente, a cerca de 250 metros deste casal de grifos, “instalou-se um casal de abutre-preto que está ainda em fase de incubação.”

Este é o primeiro caso do género conhecido em Portugal, mas na vizinha região da Extremadura, em Espanha, estima-se que numa população de cerca de 2.000 casais de grifo, três por cento nidificam no topo de árvores. Para isso ocupam ninhos de outras espécies, normalmente de abutre-preto ou águia-real. Também nos Balcãs são conhecidas situações semelhantes.

Ninho com grifo em cima de azinheira
Foto: Pedro Alves

Qual será a causa para esta alteração de comportamentos? Samuel Infante diz que pode estar relacionado com o aumento populacional da espécie, mas no PNTI ainda é cedo para tirar conclusões.

Aumento substancial da população reprodutora

Segundo os censos preliminares que estão em curso, estima-se que entre 244 a 259 casais de grifo iniciaram este ano a reprodução nesta área protegida – incluindo 60 casais do lado espanhol, no Parque Natural del Tajo Internacional, na província de Cáceres. Registaram-se também 59 ninhos abandonados.

A equipa verificou “um aumento substancial da população reprodutora de grifo no PNTI”, uma vez que no último censo realizado – em 1999, há mais de 20 anos – as contagens apontavam para uma população de cerca de 153 a 155 casais.

Outro dado curioso foi “a observação de casais ainda com ovos nesta época do ano e, na mesma escarpa, a poucos metros, ninhos com crias bem desenvolvidas com mais de 60 dias de idade”, acrescentam os dois técnicos da Quercus, numa nota de imprensa enviada à Wilder. “Isto ocorre porque esta espécie inicia a época de reprodução em Dezembro, podendo as posturas ocorrer no período de Dezembro a Março.”

grifo a voar
Foto: Pedro Alves

O grifo (Gyps fulvus) é uma ave necrófaga classificada como Quase Ameaçada de extinção, segundo o Livro Vermelho dos Vertebrados de Portugal, publicado em 2005. Apesar de estar hoje em recuperação, continua ainda longe da área de distribuição original que tinha no país, devido a ameaças como o envenenamento, a falta de alimento disponível e perseguição.

O Parque Natural do Tejo Internacional ocupa 26.484 hectares do distrito de Castelo Branco, numa área que se estende por parte dos concelhos de Idanha-a-Nova, Castelo Branco, Vila Velha de Ródão e Nisa. Esta área protegida “alberga a maior colónia nidificante de abutre-preto em Portugal, a segunda maior população nacional de grifo e diversas espécies de avifauna criticamente ameaçadas e de elevado valor biológico, sendo o último reduto nacional para algumas delas, nomeadamente para o cortiçol-de-barriga-branca (Pterocles alchata)”, descreve a equipa.

Os censos que estão agora a realizar-se integram-se no projecto “Investigação e monitorização de avifauna no PNTI”, ao abrigo de um protocolo de colaboração assinado entre o Instituto de Conservação da Natureza e das Florestas, a Quercus e o Fundo Ambiental, no âmbito da gestão colaborativa desta área protegida. 

Os objectivos principais são a produção, actualização e divulgação de informação científica sobre o estado e a dinâmica das populações de avifauna no parque natural, de forma a melhorar o conhecimento neste domínio, “o que é crucial para implementar futuras medidas de conservação e gestão que sejam mais direccionadas, esclarecidas e eficazes.”

Inês Sequeira

Foi com a vontade de decifrar o que me rodeia e de “traduzir” o mundo que me formei como jornalista e que estou, desde 2022, a fazer um mestrado em Comunicação de Ciência pela Universidade Nova. Comecei a trabalhar em 1998 na secção de Economia do jornal Público, onde estive 14 anos. Fui também colaboradora do Jornal de Negócios e da Lusa. Juntamente com a Helena Geraldes e a Joana Bourgard, ajudei em 2015 a fundar a Wilder, onde finalmente me sinto como “peixe na água”. Aqui escrevo sobre plantas, animais, espécies comuns e raras, descobertas científicas, projectos de conservação, políticas ambientais e pessoas apaixonadas por natureza. Aprendo e partilho algo novo todos os dias.

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