Este ano nasceram oito crias de lince-ibérico no centro de Silves

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Oito crias de lince-ibérico, uma das espécies-símbolo da luta contra a extinção de animais, nasceram nesta Primavera no Centro Nacional de Reprodução de Lince-ibérico (CNRLI) em Silves, disse hoje à Wilder o director veterinário deste centro. Todas sobreviveram.

Nesta Primavera nasceram no CNRLI, centro inaugurado em 2009 com 13 linces, seis machos e duas fêmeas de lince-ibérico (Lynx pardinus), espécie Em Perigo de extinção.

Flora a cuidar das suas crias na caixa parideira. Imagens: CNRLI

Segundo Rodrigo Serra, director veterinário do centro, houve duas ninhadas de três crias e uma de duas crias. “E sobreviveram todas até ao momento”. Este é o “nosso terceiro ano consecutivo com 100% de sobrevivência até ao desmame”.

Nesta época de partos no CNRLI houve três casais com sucesso reprodutor: Queratina e Jerte (três machos), René e Hermes (duas fêmeas e um macho) e Flora e Quiñones (dois machos). Era, Fresa e Jabaluna não ficaram gestantes.

O primeiro parto, de Queratina, aconteceu a 18 de Março; o segundo, de René, aconteceu a 28 de Março e o último foi o de Flora, a 30 de Março.

Todas as crias estão de boa saúde, segundo as avaliações veterinárias de rotina. Apenas se registaram “alguns pequenos danos físicos vindos do caínismo – lutas entre crias – mas nada de grave”, especificou Rodrigo Serra.

Neste momento, as crias já estão “em processo de vacinação e treino de caça. Estarão, rapidamente, independentes e em treino para reintrodução. Assim esperamos”.

A população residente do CNRLI – que faz parte de uma rede ibérica de cinco centros de reprodução em cativeiro (Silves, El Acebuche, La Olivilla, Granadilla e Zoo de Jerez) – conta hoje com 20 linces adultos e oito crias.

Queratina e as suas crias num dos cercados do CNRLI. Foto: CNRLI

As fêmeas Era e Fresa poderão ter chegado ao final da sua vida reprodutiva.

Em jeito de balanço, o que correu “pior” nesta temporada foi que “apenas três das seis fêmeas emparelhadas deram à luz”, disse o director veterinário. “O que é natural para a Era e Fresa, com 15 e 14 anos respetivamente, já para a Jabaluna nem por isso mas é um resultado aceitável, obviamente”.

“O que correu melhor foi que todas as crias sobreviveram com sucesso ao desmame e às lutas, especialmente a ninhada da René“, acrescentou. “Esta é uma fêmea de três anos, inexperiente, que conseguiu não só desmamar as suas crias mas também resolver as lutas entre crias características da espécie.”

Rodrigo Serra explicou ainda que o objectivo desta temporada reprodutora foi “obter mais representação genética – crias – das linhas genealógicas mais importantes (porque mais raras). Isso implica tentar obter também representação de fundadores até ao limite de idade reprodutiva do programa, que são os 14-15 anos. No nosso caso específico queríamos também dar oportunidade à fêmea mais jovem, René de iniciar a sua vida reprodutiva. De resto, tentamos obter genética e exemplares aptos para reprodução ou futura reintrodução no meio natural.”

Lince-ibérico. Foto: MITECO/arquivo

Ainda não se sabe quantas das crias deste ano serão reintroduzidas na natureza. “A análise à genética das crias ainda está por fazer, e será feita em breve, mas provavelmente todas (serão reintroduzidas) ou a grande maioria.”

Rodrigo Serra identificou dois principais desafios do CNRLI para este ano. Um é a gestão dos animais excedentes, que já não têm idade para se reproduzir, “que se acumulam em grande número”. Na verdade, este “será um problema grande a gerir em todos os centros, particularmente um problema de espaço disponível para a reprodução em 2024”. “Precisamos de mais candidatos a cercados de exibição, em parques zoológicos ou fora deles, desde que garantidas algumas premissas exigentes, digamos assim.”

O outro grande desafio é “sobreviver a mais um ano tão seco sem ter de evacuar animais devido a incêndios florestais. Estamos alerta”, garantiu. Em Agosto de 2018, 29 linces foram retirados daquele Centro por causa de um incêndio na serra de Monchique e levados para três centros de reprodução espanhóis.

A época dos nascimentos no CNRLI, na Primavera, é o culminar de um ano de trabalho para a equipa que garante o funcionamento do centro. O grande objectivo é conseguir crias saudáveis, treiná-las para a liberdade e, meses depois, soltá-las na natureza, para que novas populações de linces voltem aos territórios de onde se extinguiram há décadas.

Em Março foi libertado na Sierra Arana, na Andaluzia, Espanha, o 100º lince-ibérico nascido no CNRLI desde a abertura do Centro. Desde então já foram reintroduzidas na natureza mais três crias nascidas no centro português.

No século XIX, a população mundial da espécie seria de cerca de 100.000 animais, distribuídos por Portugal e Espanha. Mas o lince-ibérico chegou ao início do século XXI reduzido a menos de 100 exemplares. Em Portugal, a espécie vivia, então, numa situação de “pré-extinção”. 

O declínio pode ser explicado pelo colapso das populações de coelho-bravo, a principal presa do lince, especialmente por causa de duas doenças: a mixomatose (nos anos 50) e a febre hemorrágica viral (nos anos 80). Ao quase desaparecimento do coelho-bravo junta-se a caça indiscriminada e a perda de habitat pelas campanhas agrícolas e de reflorestação com eucalipto e pinheiro-manso, que destruíram os matagais mediterrânicos desde a primeira metade do século XX.

Graças aos esforços conservacionistas de Portugal e Espanha, tanto a nível da reprodução em cativeiro como na recuperação de habitats e reforço e ligação das populações selvagens, a espécie está a regressar aos seus territórios históricos.

A 19 de Maio passado soube-se que existem 1.668 linces-ibéricos no mundo, segundo os dados do mais recente censo à espécie. O Vale do Guadiana é o terceiro núcleo populacional mais importante.


Recorde os principais marcos na história da conservação da espécie.

Helena Geraldes

Sou jornalista de Natureza na revista Wilder. Escrevo sobre Ambiente e Biodiversidade desde 1998 e trabalhei nas redacções da revista Fórum Ambiente e do jornal PÚBLICO. Neste último estive 13 anos à frente do site de Ambiente deste diário, o Ecosfera. Em 2015 lancei a Wilder, com as minhas colegas jornalistas Inês Sequeira e Joana Bourgard, para dar voz a quem se dedica a proteger ou a estudar a natureza mas também às espécies raras, ameaçadas ou àquelas de que (quase) ninguém fala. Na verdade, isso é algo que quero fazer desde que ainda em criança vi um documentário de vida selvagem que passava aos domingos na televisão e que me fez decidir o rumo que queria seguir. Já lá vão uns anos, portanto. Desde então tenho-me dedicado a escrever sobre linces, morcegos, abutres, peixes mas também sobre conservacionistas e cidadãos apaixonados pela natureza, que querem fazer parte de uma comunidade. Trabalho todos os dias para que a Wilder seja esse lugar no mundo.

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