Depois da retirada de um longo cabo de amarração que estava a danificar as ervas marinhas da pradaria Soltróia, há cerca de um mês, a equipa vai agora começar com o restauro activo. A Wilder falou com Raquel Gaspar, coordenadora do projecto.
Raquel Gaspar, bióloga marinha e dirigente da associação Ocean Alive, não poupa palavras para transmitir a importância que as pradarias marinhas têm para a biodiversidade e para o combate às alterações climáticas.
Para os animais que ali vivem, estes ecossistemas, que têm na sua base diferentes espécies de ervas marinhas, “têm as mesmas funções que uma floresta: servem de casa, abrigo, local de reprodução, fornecem comida”, explica Raquel à Wilder. Também no que respeita ao sequestro de carbono, entre outros serviços, os cientistas têm estudado o papel fundamental que estas pradarias desempenham, considerado aliás mais importante do que o das florestas terrestres.
E no entanto, “estão a desaparecer” pradarias marinhas por todo o mundo: estima-se que “há uma taxa de desaparecimento que equivale à área de dois campos de futebol por hora”, sublinha a mesma responsável.
Portugal não é alheio à deterioração destes ecossistemas ameaçados pela urbanização das zonas costeiras, pela poluição das águas dos estuários e por técnicas de pesca destrutivas, entre outros factores.
Mas é possível arregaçar mangas e ajudar a reabilitar estas pradarias, acredita Raquel Gaspar. É esse o foco da Ocean Alive e também do novo projecto que esta bióloga está a coordenar na pradaria marinha Soltróia – uma das várias pradarias marinhas presentes no Estuário do Sado que a Ocean Alive ajudou a mapear, situada junto ao cais dos ferries na península de Tróia. O restauro envolve uma parceria entre a associação e uma equipa de investigadores do CCMAR – Centro de Ciências do Mar, ligado à Universidade do Algarve. Já a associação Viridia – Conservation in Action financia os trabalhos, que começaram em Novembro passado e deverão concluir-se no próximo ano.
Entretanto, o dia 9 de Fevereiro marcou uma data importante para a pradaria Soltróia. Foi nesse dia que cientistas e outros membros ligados ao projecto juntaram esforços, literalmente, com representantes de várias entidades, incluindo a APSS-Administração dos Portos de Setúbal e Sesimbra, o Clube Naval Setubalense e o Museu Vasco da Gama. Na praia, com o auxílio de uma embarcação, puxaram lentamente – e conseguiram finalmente retirar do fundo do estuário – um grosso cabo de ‘nylon’ de 200 metros, que até há pouco tempo tinha servido para as embarcações ali da zona atracarem.
Foi dessa forma eliminada uma das principais ameaças a esta pradaria – “ou mesmo a principal ameaça” – uma vez que o cabo fustigava e arrasava as ervas marinhas numa vasta área em redor. Num mergulho que deram logo no dia seguinte, Raquel e outros membros da equipa constataram isso mesmo: “No local onde se encontrava o cabo, é como se tivesse sido aberto um estradão num campo de relva”, descreve a bióloga.
Uma área “muito fininha” e emblemática
E não se pense que esse impacto é coisa pouca, quando estamos a falar de uma pradaria com cerca de três quilómetros de comprimento, mas “muito fininha”, que está limitada pelas condições de que precisam as ervas marinhas para sobreviver . Esta é uma “área emblemática” para a erva marinha Cymodocea nodosa, e onde também ocorrem a Zostera marina e a Zostera noltei. “Aqui estas plantas não conseguem viver em águas muito profundas, abaixo dos 4,5 metros de profundidade, pois as águas turvas do estuário bloqueiam a luz solar de que precisam para realizar a fotossíntese”, descreve Raquel Gaspar.
Ainda assim, lá em baixo existe muita vida, como demonstram as muitas espécies que os biólogos encontraram no cabo que tinham tirado do fundo da pradaria. Raquel enumera uma longa lista: “Cavalos marinhos, retirados previamente; algas verdes, castanhas e vermelhas; anelídeos, incluindo o espirógrafo (animais invertebrados da classe das poliquetas); moluscos com concha, como o quítone e o búzio pé-de-pelicano; ovos de choco e de raia; anémonas, esponjas, ascídeas; peixes (encharrocos, peixes-ventosa); caranguejos; estrelas-do-mar.”
Com a retirada do cabo já concluída, a equipa do projecto está agora focada numa solução para o problema das 29 poias de amarração no ancoradouro, dentro da área da pradaria Soltróia. É assim que são chamados os blocos de cimento com cabo e uma bóia – ou por vezes pneus cheios com cimento – usados para as embarcações de pesca atracarem.
“Ao longo do mês de Março – adianta a bióloga – estamos a contactar os proprietários das embarcações com o objectivo de encontrar uma solução para diminuir ou eliminar a destruição da pradaria pelos cabos de amarrações das poitas e dos próprios barcos”.
A solução deverá traduzir-se na passagem das amarrações para uma zona mais profunda, onde a pradaria não está presente, ou então pela colocação de bóias diferentes que esticam os cabos e diminuem o respectivo impacto, que são conhecidas como “bóias amigas das pradarias”.
Restauro activo prestes a começar
Entretanto, a primeira campanha de restauro activo nesta pradaria acontece já na próxima semana, entre os dias 29 e 31 de Março.
Raquel Gaspar explica que esse restauro será feito “através da estabilização do sedimento, preenchendo as zonas afundadas pelo cabo, pelo redireccionamento de rizomas para as plantas crescerem na direcção da zona nua e eventual pelo transplante de plantas da mesma pradaria”. Esses trabalhos vão ser feitos por investigadores do CCMAR, no âmbito da parceria com a Ocean Alive.