No âmbito da 1ª Semana Nacional sobre Espécies Invasoras a Wilder entrevistou Hélia e Elizabete Marchante, investigadoras ligadas à organização deste evento, que acompanham de perto o problema das invasoras.
Já têm sido tomadas algumas medidas de prevenção e combate às espécies invasoras, “mas há ainda muito por fazer e falta principalmente verem-se os resultados no território”, avisam Hélia Marchante e Elizabete Marchante, que desde há muito acompanham o problema em Portugal, em especial no que respeita às espécies botânicas.
Investigadoras ligadas à plataforma Invasoras.pt, ao Centro de Ecologia Funcional da Universidade de Coimbra e à Escola Superior Agrária de Coimbra, as duas irmãs alertam que “não é possível ter sucesso na gestão de invasoras com projectos a curto prazo e com financiamentos de três ou quatro anos”. E lembram que ainda “falta muita coisa” – incluindo mais formação e sensibilização sobre este problema – e o que cada um de nós pode fazer no dia-a-dia.
Wilder: Quantas espécies exóticas e espécies invasoras estão actualmente registadas em Portugal e a que grupos pertencem?
Hélia e Elizabete Marchante: Não é uma pergunta fácil, porque os números ficam rapidamente desactualizados e para muitos grupos taxonómicos não há listagens actualizadas. O Decreto-Lei nº 92/2019 lista mais de 300 espécies invasoras, incluindo plantas e animais de muitos grupos distintos.
Mas espécies exóticas existem muitas mais. Por exemplo, em termos de plantas há mais de 1000 espécies registadas. De qualquer forma, ambos os números estão sempre a ficar desactualizados, com a introdução de novas espécies que continua a aumentar e com a alteração de comportamento de espécies já introduzidas, passando de “exóticas quietas” a “exóticas invasoras”.
Wilder: Quais são as maiores diferenças entre espécies exóticas e invasoras? A partir de que momento uma espécie exótica se torna preocupante?
Hélia e Elizabete Marchante: Uma espécie exótica é qualquer espécie transportada para fora da sua área de distribuição natural, sendo introduzida num novo território pelo Homem, de forma intencional ou não.
Já uma espécie invasora, além de ser exótica (1), consegue reproduzir-se e manter populações sem ajuda do Homem (2), afastar-se/ dispersar para além dos indivíduos introduzidos (plantados, semeados, criados) pelo Homem (3) e atingir grandes densidades (4), acabando por promover impactes nos ecossistemas e espécies do novo território (5).
Wilder: Mas quais são os principais efeitos negativos destas espécies?
Hélia e Elizabete Marchante: Podem ter impactes negativos a muitos níveis, desde a biodiversidade, para a qual são uma das principais ameaças, aos ecossistemas e respectivos serviços. Nestes últimos, por exemplo, alteram as redes ecológicas, o ciclo de nutrientes e da água, o fornecimento de alimentos, a regulação do clima, a polinização, etc.
Mas também a nível sócio-económico, por exemplo com elevados custos em termos de gestão e controlo e prejuízos em termos de produtividade, e mesmo na saúde pública. Muitas espécies têm pólen alergénico, são tóxicas, são cortantes, vectores de pragas, etc.
Wilder: Em Portugal, quais são hoje as espécies que mais preocupam os cientistas portugueses? E porquê?
Hélia e Elizabete Marchante: Se consideramos que a preocupação se traduz em projetos de investigação ou gestão das espécies, entre as plantas destacam-se as acácias (principalmente Acacia dealbata, Acacia longifolia e Acacia melanoxylon, mas há outras), as háqueas (principalmente Hakea sericea), a erva-das-Pampas (Cortaderia selloana), o jacinto-de-água (Eichhornia crassipes) ou a conteira (Hedychium gardnerianum).
No caso dos animais, têm-se destacado o lagostim-vermelho-do-Louisiana (Procambarus clarkii), a vespa-asiática (Vespa velutina), a amêijoa-asiática (Corbicula fluminea) e vários peixes (projecto FRISK). Há também algumas pragas ou doenças de plantas como a bactéria Xylella fastidiosa, o nemátodo-da-madeira-do-pinheiro, ou a vespa-das-galhas-do-castanheiro. Mas são apenas exemplos, há muitas mais espécies preocupantes!
Wilder: As acções que têm sido adoptadas em Portugal nos últimos anos estão a ter sucesso na luta contra as invasoras? E porquê?
Hélia e Elizabete Marchante: Algumas mais do que outras. Há cada vez mais projectos de controlo, muitas vezes isolados, com mais e menos sucesso, mas falta continuidade (temporal e espacial) e persistência para melhorar os resultados – e isso não se consegue sem financiamentos adequados, recursos humanos e capacidade no terreno para agir.
Não é possível ter sucesso na gestão de invasoras com projectos a curto-prazo e com financiamentos de três ou quatro anos. Há que continuar muito para além desse horizonte temporal, ainda que o investimento diminua ao longo do tempo. Para aumentar o sucesso é também essencial termos mais profissionais – incluindo técnicos, gestores, operacionais, decisores e outros – com formação específica sobre a gestão e controlo destas espécies.
Felizmente, há bons exemplos de entidades que têm conseguido apostar na continuidade – muitas vezes com o esforço adicional de conjugar projectos/ financiamentos de curta duração, de forma a conseguir o médio/longo prazo – e na capacitação das equipas. Com isso, têm conseguido níveis de sucesso mais elevados.
Wilder: Sentem que outras acções deveriam ser adoptadas? E quais?
Hélia e Elizabete Marchante: Falta uma estratégia nacional para lidar com as espécies invasoras, incluindo a prevenção, estabelecimento de prioridades, vigilância, detecção-precoce e resposta-rápida e controlo. Alguma coisa tem sido feita, mas há ainda muito por fazer e falta principalmente verem-se os resultados no território.
Faltam técnicos e recursos dedicados, de forma a que as acções sejam mais abrangentes do ponto de vista territorial e de forma a ser possível a capacidade de resposta rápida – tão fundamental – em situações de detecção precoce. Também faltam profissionais mais bem capacitados e capazes de lidar com as espécies de forma mais eficaz.
Falta também muita sensibilização porque continua a ser um tema desconhecido de grande parte dos cidadãos. Falta implementar melhor a legislação existente, tanto nacional (Decreto-Lei nº 92/2019) como europeia (Regulamento nº 1143/2019). Por vezes, falta ainda enquadrar melhor o controlo de invasoras no contexto de conservação e restauração dos ecossistemas. Na verdade, falta muita coisa! Mesmo apesar de já se fazer muito mais do que há duas décadas atrás…
Wilder: Quanto aos cidadãos comuns, quais são os cuidados que devemos ter? Por exemplo, haverá problema se plantar uma espécie decorativa não nativa no meu jardim? Ou se tiver um aquário com espécies exóticas?
Hélia e Elizabete Marchante: Os jardins e os aquários são muitas vezes as fontes de novas invasoras, incluindo espécies de plantas aquáticas que são usadas nos aquários! Lavar um aquário ou “limpar” um jardim sem estar alerta para o problema das invasoras facilmente pode resultar em espécies, ou fragmentos delas, libertados na natureza – ou no cano, que vai dar à natureza!
Quando escolhemos espécies para o jardim ou para o aquário, de preferência podemos optar por espécies nativas. Isto apesar de haver também problemas associados a essa opção, mas seria toda outra conversa – simplificando mesmo muito, não se deve colher na natureza nem utilizar espécies que venham de origens distantes.
Querendo exóticas, há que seleccionar muito bem as espécies, não usando nunca espécies invasoras (lista no Decreto-Lei nº 92/2019) nem espécies exóticas com potencial invasor – hoje em dia é fácil fazer uma pesquisa na Internet (por exemplo, https://www.cabi.org/isc/search/) e se uma espécie é invasora num país com clima semelhante ao nosso não vale a pena arriscar, mesmo que por cá esteja aparentemente “quieta no seu canto”.
Wilder: Quais são as principais acções que os cidadãos comuns podem realizar para ajudar a erradicar/controlar estas espécies?
Hélia e Elizabete Marchante: Podem estar alerta e tornar-se cidadãos activos, prevenindo a introdução de novas espécies invasoras e a dispersão das que já estão por cá; mas também ajudar a controlar as espécies invasoras nos seus terrenos ou como voluntários, em acções que estejam a decorrer.
Podem ainda ajudar de outras formas. Como exemplo, temos os Desafios INVASORAS.PT em que qualquer cidadão pode participar, ajudando no mapeamento das espécies invasoras e detectando novas espécies, ajudando a divulgar o tema ou no controlo das espécies.
Há muitas outras pequenas coisas que cada cidadão pode fazer e o tema vai ser tema do webinar que encerrará a 1ª Semana Nacional sobre Espécies Invasoras, no próximo domingo à noite (dia 18, às 21h) online.
Saiba mais.
A 1ª Semana Nacional sobre Espécies Invasoras está a decorrer até ao próximo domingo, dia 18. Ainda está a tempo de participar nalgumas das mais de 130 acções agendadas. Informe-se aqui.
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