Erva-toira-de-noudar. Foto: Miguel Porto

Erva-toira-de-noudar: Descoberta nova espécie de planta em Portugal

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A erva-toira-de-noudar (Orobanche nepetae) foi encontrada por acaso durante um passeio que Miguel Porto, da Sociedade Portuguesa de Botânica, fez perto de Barrancos, no Baixo Alentejo. O investigador sugere classificar a espécie como Criticamente Em Perigo, dada a sua raridade e ameaças.

Para quem não a viu ainda, Miguel Porto explica que a erva-toira-de-noudar é uma “flor grande que sai do chão”; é muito colorida, com as flores em tons de amarelos, rosa e laranja que surgem em Maio. Não faz fotossíntese, não é verde. Na verdade, as suas folhas são muito pequenas e não são verdes. “Parece uma orquídea. Mas não é, não tem nada a ver”, acrescenta este investigador do CIBIO/BIOPOLIS.

A erva-toira-de-noudar ocorre em azinhais sombrios, bem preservados, e é uma planta que parasita as raízes de uma planta rara em Portugal, a nêpeta-do-sul (Nepeta multibracteata). Mas, até ver, não causa danos de maior ao seu único hospedeiro conhecido.

Miguel Porto conta à Wilder que tudo começou quando, em 2016, passeava por um azinhal muito bem conservado perto do castelo de Noudar, na Herdade da Coitadinha, junto a Barrancos. “Foi por acaso. Estava simplesmente a passear, mas um naturalista está sempre à procura de alguma coisa. E a dada altura reparei naquelas plantas, em plena floração, e com um aroma que se sentia no ar. E isso levantou-me suspeitas” porque é raro as espécies deste género terem cheiro.

Depois de colher algumas plantas e de tirar medidas, Miguel Porto contactou o especialista botânico no género Orobanche, o espanhol Antonio J. Pujadas Salvà. Durante anos, ambos trabalharam na descrição desta espécie, à distância e no campo. Por fim, a investigação comprovou que estavam na presença de uma espécie nova para a Ciência, uma nova espécie endémica da Península Ibérica que é conhecida apenas num único local, nas proximidades do castelo de Noudar (Barrancos). A descrição da espécie foi publicada na revista científica Acta Botanica Malacitana a 20 de Dezembro do ano passado.

De momento conhecem-se apenas cinco núcleos de erva-toira-de-noudar, distribuindo-se por 12 quilómetros quadrados. O mais numeroso tem apenas 300 indivíduos, enquanto os outros núcleos não chegam aos 100 indivíduos no total. Todas as plantas estão na Herdade da Coitadinha.

Mas Miguel Porto considera que esta estimativa pode estar sobre-estimada e ser “mais generosa” do que a realidade.

Esta descoberta lembra que “não é preciso irmos para florestas tropicais para descobrir espécies novas”, comenta Miguel Porto. “Quase todos os anos há novas espécies de plantas para a Ciência em Portugal, como a pombinha-do-guadiana (Linaria pseudamethystea)”, cuja descrição foi publicada em Fevereiro de 2023.

Desde 2016 não se tem observado nenhuma variação importante no número de indivíduos de erva-toira-de-noudar. Ainda assim, na última década houve uma diminuição contínua na qualidade do habitat devido à doença das azinheiras e à pressão do gado que causa a destruição do azinhal e a destruição directa da planta e do seu hospedeiro. 

Os investigadores sugerem que a espécie deve ser classificada como Criticamente Em Perigo de extinção porque apenas se conhece uma única localização, porque se observa uma diminuição contínua da qualidade do habitat que, muito provavelmente se irá agravar no futuro, e porque tem uma área de ocorrência inferior a 100km2.

Embora estável, a população desta espécie está em risco, principalmente por causa da doença da azinheira. “No Alentejo morrem centenas de azinheiras todos os anos”, lamenta Miguel Porto. Uma medida para conservar o habitat da erva-toira-de-noudar é “não perturbar azinhais, deixando-os sem gado, sem gestão”. Segundo este investigador, os azinhais maduros são muito escassos naquela região.

Outra ameaça para a planta é o pisoteio. “No Alentejo há cada vez mais gado bovino” e isso destrói as espécies botânicas.

Os investigadores consideram “urgente garantir que os azinhais maduros permaneçam em bom estado. Para isso é preciso impedir o acesso do gado e controlar urgentemente a propagação da seca e da doença do sobreiro. Todos os núcleos populacionais da espécie devem ser monitorizados anualmente e recomenda-se a prospecção de outras áreas do Baixo Alentejo e em zonas próximas de Espanha”.

Portugal tem 84 espécies de plantas classificadas como Criticamente Em Perigo de extinção, como a arméria-aveludada (Armeria velutina), o feto-macho-da-Estrela (Dryopteris expansa), o hibisco-palustre (Hibiscus palustris) ou a valeriana-dos-montes (Valeriana montana). “Umas estão estáveis mas outras continuam a registar reduções de indivíduos”, comenta o especialista.

As duas maiores ameaças a estas plantas são, para Miguel Porto, o aumento da agricultura intensiva e a propagação dos parques solares.


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Helena Geraldes

Sou jornalista de Natureza na revista Wilder. Escrevo sobre Ambiente e Biodiversidade desde 1998 e trabalhei nas redacções da revista Fórum Ambiente e do jornal PÚBLICO. Neste último estive 13 anos à frente do site de Ambiente deste diário, o Ecosfera. Em 2015 lancei a Wilder, com as minhas colegas jornalistas Inês Sequeira e Joana Bourgard, para dar voz a quem se dedica a proteger ou a estudar a natureza mas também às espécies raras, ameaçadas ou àquelas de que (quase) ninguém fala. Na verdade, isso é algo que quero fazer desde que ainda em criança vi um documentário de vida selvagem que passava aos domingos na televisão e que me fez decidir o rumo que queria seguir. Já lá vão uns anos, portanto. Desde então tenho-me dedicado a escrever sobre linces, morcegos, abutres, peixes mas também sobre conservacionistas e cidadãos apaixonados pela natureza, que querem fazer parte de uma comunidade. Trabalho todos os dias para que a Wilder seja esse lugar no mundo.

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