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Foto: Cascais Ambiente

Cinco factos que desconhecíamos sobre a Área Marinha Protegida das Avencas

02.06.2017

Desde 2009 que a zona entre marés na zona das Avencas, Cascais, é monitorizada de 15 em 15 dias, sem falha, por investigadores do MARE-ISPA (Centro de Ciências do Mar e do Ambiente). Frederico Almada e Joana Robalo, que lideram o projecto, falaram à Wilder sobre as descobertas que têm feito na zona que está agora classificada como Área Marinha Protegida das Avencas, entre as praias de São Pedro do Estoril e da Parede.

 

1. Há 137 espécies, entre peixes, algas e invertebrados, que os cientistas estão a monitorizar

É de noite que a equipa do MARE-ISPA trata das amostragens na zona entre marés das Avencas, sempre com lua cheia ou na lua nova, numa área conhecida desde há muito como maternidade para muitas espécies marinhas. “Aproveitamos quando [os peixes] estão a descansar para os capturar, registar os dados e voltar a libertá-los”, descreve Frederico Almada, investigador e responsável pelo projecto.

O que é que recolhem? “Peixes, moluscos, algas, estrelas do mar e outros equinodermes, mexilhões, pepinos do mar.” Ao todo, 137 espécies que chamam a atenção dos investigadores, incluindo 45 espécies de peixes.

Saber o que está a acontecer às espécies comerciais, como se comportam as espécies invasoras, a evolução de indicadores ambientais como a temperatura das águas e o possível impacto das alterações climáticas são os objectivos deste projecto, adianta Joana Robalo, directora interina do Centro de Biociências e coordenadora do Laboratório de Genética Evolutiva.

De início a investigação focou-se nos peixes, mas nos últimos seis meses alargou-se às algas e invertebrados – o que só foi possível graças a uma parceria com a empresa municipal Cascais Ambiente, que possibilitou a contratação de um técnico, e que entretanto terminou. A continuação está a ser negociada.

 

2. “Durante a Primavera, podemos estar num canal ou poça e estarem milhares de peixes ao nosso lado.”

Os meses de calor são os preferidos para os visitantes da costa de Cascais. No caso das Avencas, a afluência também aumenta muito debaixo de água, em especial de Maio a Setembro. No mês de Maio, por exemplo, vagueiam mais de 3.000 juvenis de peixes na zona entre marés, em média, de acordo com os dados recolhidos na área amostrada pela equipa do MARE-ISPA, desde 2009.

Sargo, peixe-rei, polvo, robalo baila, saima, cabozes, são os animais mais vulgares de Maio a Setembro. “As poças de maré, por exemplo, são utilizadas como habitat por mais de duas dezenas de espécies de cabozes.”

 

Robalo-baila (Dicentrarchus punctatus). Foto: MARE-ISPA

 

“Durante a Primavera, podemos estar num canal ou poça e estarem milhares de peixes ao nosso lado”, sorri Joana Robalo. A maioria reproduz-se ao largo da costa e os juvenis passam depois para as extensas plataformas rochosas características desta zona – que chegam aos 100 metros de largura quando a maré está vazia- para ali ficarem mais protegidos, enquanto crescem.

Não admira que gerir da melhor forma a grande afluência às praias seja uma prioridade dos gestores da área protegida. E por isso, outro dos objectivos do estudo do MARE-ISPA tem sido avaliar o efeito da criação da nova Área Marinha Protegida das Avencas, entre as praias de São Pedro do Estoril e da Parede. E quais as consequências de ali existir actividade balnear.

 

3.  É um ‘meio do termómetro’ para as espécies marinhas

Portugal está numa zona de transição para as espécies de peixes de águas frias e de águas quentes. No caso da costa de Lisboa, que inclui a zona de Cascais e fica no centro do país, “é como se fosse o meio do termómetro” – o que torna esta área apetecível para quem investiga as alterações climáticas, compara a directora do Centro de Biociências.

Exemplos? O peixe-escorpião (Taurulus bubalis) e a juliana (Ciliata mustela), que ocorrem nas Avencas, são característicos de águas frias e não passam muito mais para sul. O charroco (Halobatrachus didactylus), que pelo contrário se dá melhor com águas quentes, não ocorre para norte.

 

Peixe-escorpião (Taurulus bubalis). Foto: MARE-ISPA

 

Desde o início do trabalho, em 2009, os cientistas aperceberam-se de que algumas espécies estão a ocorrer menos. “Há cada vez menos Ciliatas mustelas (julianas), peixes de águas frias, da família dos bacalhaus. Pode ser um indicador de que as águas estão a aquecer?”, questiona Frederico Almada, que logo acrescenta: “No entanto, há mais Taurulus bubalis (peixes-escorpião), embora também sejam de águas frias. Estão no limite sul da área de distribuição”.

“São coisas que não sabemos ainda e que é importante continuar a estudar”, frisa o investigador.

 

4. Houve uma invasão no Verão passado. E está por explicar

Outros mistérios: as ‘invasões’ de algumas espécies de peixes. Aconteceu no Verão de 2016, com os robalos baila (Dicentharcus punctatus) – peixes do mesmo género que o robalo-comum, mas com pequenas manchas pretas ao longo do dorso, e que ocorrem na zona entre marés.

“Até aí, viam-se várias dezenas destes peixes por ano; em 2016, havia milhares destes peixes por maré”, lembra Frederico Almada. Como o fenómeno foi detectado no início de Junho, “as pessoas estavam na praia rodeadas de robalos baila”. Resultado: como é uma espécie carnívora, praticamente desapareceram os sargos e os peixes-rei.

 

Sargo (Diplodus sargus). Imagem: Citron / Wiki Commons

 

“Estes picos de abundância não são assim tão incomuns”, admite Joana Robalo, que recorda que em 2009 também houve uma ‘explosão’ de safias (Diplodus vulgaris) – nesse ano, na zona entre marés, apareceram aos milhares.

 

5. Falta muito trabalho de investigação pela frente

Para explicar estes e outros mistérios, incluindo qual o impacto das alterações climáticas, os investigadores precisariam de comparar os resultados desta monitorização com os dados de outros pontos de amostragem ao longo da costa portuguesa – uma ambição que está neste momento em cima da mesa.

Outra das metas é financiar esta investigação a longo prazo, garantindo a continuidade do trabalho, uma vez que projectos como este têm dificuldades nesse campo.

“Todos os programas de financiamento nacionais são a três anos e mais virados para as aplicações de mercado. Para projectos a longo termo e que sejam ‘low cost’, não há fundos a que recorrer.”

 

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Saiba mais.

Recorde o passeio que a Wilder deu pela praia das Avencas, na companhia de especialistas da Cascais Ambiente, quando já estava em curso o processo de classificação da nova área de protecção marinha de gestão municipal.

 

 

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Inês Sequeira

Foi com a vontade de decifrar o que me rodeia e de “traduzir” o mundo que me formei como jornalista e que estou, desde 2022, a fazer um mestrado em Comunicação de Ciência pela Universidade Nova. Comecei a trabalhar em 1998 na secção de Economia do jornal Público, onde estive 14 anos. Fui também colaboradora do Jornal de Negócios e da Lusa. Juntamente com a Helena Geraldes e a Joana Bourgard, ajudei em 2015 a fundar a Wilder, onde finalmente me sinto como “peixe na água”. Aqui escrevo sobre plantas, animais, espécies comuns e raras, descobertas científicas, projectos de conservação, políticas ambientais e pessoas apaixonadas por natureza. Aprendo e partilho algo novo todos os dias.

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