Às portas da localidade algarvia, a ideia é que na Gruta do Vale Telheiro seja criado o primeiro local de “Investigação Ecológica de Longo Prazo” (LTER) numa gruta da Europa Ocidental, anunciou a autarquia. Organismos ali presentes são importantes para a qualidade da água na região.
O principal objetivo do novo projeto Barrocal-Cave será “a conservação, monitorização e restauro ecológico deste hotspot da biodiversidade cavernícola de classe mundial”, explica uma nota de imprensa da Câmara Municipal de Loulé, que é proprietária do terreno onde se encontra a gruta do Vale Telheiro. De acordo com o protocolo agora assinado para os próximos três anos, os trabalhos ficam entregues a uma equipa de investigadores liderada pela Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, com a ambição de ali também ser criado o primeiro local de “Investigação Ecológica de Longo Prazo” (LTER) numa gruta da Europa Ocidental.
Em cima da mesa, está também a elaboração de uma proposta de enquadramento jurídico para a proteção deste espaço subterrâneo e das espécies que ali se encontram. “Debaixo desta terra temos das espécies mais ameaçadas, mais raras e mais desprotegidas do nosso planeta. Estes animais que vivem debaixo dos nossos pés no concelho de Loulé têm uma distribuição geográfica extraordinariamente reduzida, vivem apenas aqui e são, por si só, um património único”, sublinha Ana Sofia Reboleira, investigadora que vai coordenar o projeto. “Estes animais estão completamente negligenciados em termos de políticas de conservação e são esquecidos em agendas climáticas e outro tipo de eventos.”
Garantir a qualidade da água
A cientista portuguesa sublinha também o lado mais pragmático da importância dos pequenos seres que vivem nesta e noutras grutas. “São estes organismos que garantem a qualidade da água, um fator bastante limitante no território do Algarve”, afirma.
Entre as espécies-bandeira do novo projeto está por exemplo o pseudo-escorpião-gigante-do-algarve, um aracnídeo considerado “uma das 100 espécies mais espetaculares do nosso planeta” e um fóssil vivo, pois já vivia neste território antes dos continentes se separarem – há 170 milhões de anos, quando ali habitava a salamandra gigante Metopossaurus algarvensisis.
Ana Sofia Reboleira nota que o pseudo-escorpião é um dos mais de 20 espécies já identificadas nesta gruta. Muitas delas, ao alimentarem-se das matérias orgânicas depositadas nos lençóis freáticos – incluindo as que têm origem em atividades humanas – tornam-se fundamentais para a “purificação das reservas de água que temos debaixo de terra”, explica a investigadora e docente da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa.
Em 2016, a Science reconheceu esta gruta como hotspot de biodiversidade subterrânea a nível mundial, uma classificação que implica a existência de mais de 20 espécies cavernícolas. Este é considerado “um dos raros sítios a nível mundial” nesta situação, já que neste momento estão registadas aqui perto de 25 espécies, aponta a autarquia de Loulé.
A urbanização, a poluição e a deterioração desta área de influência à volta da cavidade são hoje as grandes ameaças ao funcionamento dos ecossistemas e à biodiversidade da gruta do Vale do Telheiro. O novo projeto pretende dar resposta a esses problemas, ao estudar e monitorizar a biodiversidade no local, avaliar as necessidades de restauro ecológico e implementar figuras de proteção “para que estes ecossistemas possam continuar a funcionar como devem”.
Criação de nova área protegida em estudo
Desta forma, a parceria entre a Câmara Municipal de Loulé e a equipa de investigadores prevê também a criação de uma proposta de enquadramento jurídico para a proteção do habitat e das espécies mais relevantes.
A importância desta gruta subterrânea vem reforçar também a candidatura do aspirante Geoparque Algarvensis a Geoparque Mundial da UNESCO, sublinha a autarquia, que nota que a esquipa desta candidatura está incluída no projeto.
Além da Câmara Municipal de Loulé, do cE3c-Centro de Ecologia, Evolução e Alterações Ambientais e da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, à qual aquele está ligado, o projeto conta ainda com o apoio da Universidade do Algarve e do Centro de Ciência Viva da região, onde está prevista uma exposição final com os resultados deste trabalho.
O projeto é financiado pela 2ª edição do Prémio Belmiro de Azevedo, da Fundação para a Ciência e Tecnologia, em cerca de 164 mil euros.